A comparação é um tanto nada-a-ver, mas uma das definições mais instigantes no som do Robert Johnson é que seu violão parece que soa como dois – e com efeitos ainda por cima. Com tantas lendas rondando o nome do mítico blueseiro, gosto de imaginar que esse “outro” violão era tocado pelo coisa-ruim.
Mas qual a explicação pro som do Giant Gutter From Outer Space ter se encorpado ainda mais no seu segundo disco cheio, “Charred Memories”? A banda segue uma dupla, com apenas baixo e bateria, mas “Encoded” e “Stored” parecem uma banda com trocentos guitarristas e baixistas, algo que em 2017 se ouviu, sem se esconder o jogo, no “Dynamics”, da Secret Drum Band (ouça o ótimo disco aqui).
A presença do sintetizador executado por Fernando Nahtaivel é a pista. Na minúscula “Retrieved” e na hipnótica “Whitered”, o GGFOS se torna um grupo diferente do que vinha se apresentando no primeiro disco, “Black Bile”, de 2016 (leia e ouça aqui) e nos EPs lançados. Não é “só” aquela banda matematicamente encaixada, com perfeição milimétrica. Há uma certa disfunção, uns ruídos alheios ao que só poderiam ser produzidos pelos instrumentos de Johnny (bateria) e Hernan (baixo). São distorções além, vozes, sussurros e uma ginga tímida (o baixo tem dessas).
Mas talvez seja a presença do “elemento estranho” que fornece a saída do círculo. Um artista não precisa rasgar tudo o que fez anteriormente pra se renovar. Às vezes é um detalhe simples que retorce tudo, ou que acrescenta e floreia, ou empesteia a límpida sensação de conforto. Os “noises eletrônicos” do início de “Charred” (e presente na maioria dos temas) não tiraram a característica principal da dupla, mas também não permitiram que uma bocejante mesmice se instalasse, mesmo que no caso da Giant Gutter o adjetivo “bocejante” jamais possa ser aplicado.
As memórias codificadas, armazenadas, recuperadas, atrofiadas, hibernadas e, enfim, carbonizadas são aprendizados que se acumulam na construção do presente e da idealização do futuro, que nunca será um espelho do passado. Futucar as memórias, temas jogados pra lá, inspiram novas vivências, certo? Não se trata de lenda ou imaginação: é um exercício certeiro.
“Charred Memories” foi gravado e masterizado por Murillo Da Rós, no Estúdio Clínica Pro Music, em Curitiba. A mixagem ficou por conta dele e da própria banda, que compôs, produziu e executou as seis faixas do disco.
O lançamento é de 1º de fevereiro de 2018, via cinco selos: Sinewave, Terranean Recordings (Finlândia), BirthDeath Records, MuteAnt Records (EUA) e Vibrio Cholerae Records (Rússia).
1. Encoded
2. Stored
3. Retrieved
4. Withered
5. Slumbered
6. Charred
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