HEROD LAYNE E LAUTMUSIK, BANDAS PEQUENAS NO MUNDO DAS GRANDES (PARTE 1)

Não é fácil. A discussão de como uma banda consegue projeção sem apadrinhamento será eterna, mesmo que a Internet tenha facilitado um bocado os processos e vias de acesso.

Quando artistas estrangeiros vêm ao Brasil pra se apresentar, vez por outra vemos artistas nacionais abrindo esses shows, mas os critérios de escolha nunca são muito claros (não que precisem ser, afinal o evento normalmente é uma iniciativa privada, que escolhe quem bem entender, da forma que bem entender). Conseguir essa vitrine não é fácil. É uma chance rara de se apresentar pra milhares de pessoas que nem sequer, talvez, sabem que tal banda existe.

Há quem estivesse disposto a pagar uma boa grana pra esse espaço, há quem não se importe muito, acredite. Há, por outro lado, artistas que entendem que abrir pra artistas internacionais populares pode acabar sendo um estorvo, já que estão todos ali torcendo pro show de abertura acabar pra vibrar com o protagonista. Também é uma verdade.

Numa conversa informal com o editor do site Rock In Press no Twitter, Marco Xi, a banda mineira Constantina foi bastante sincera quanto ao efeito de ter aberto o show do Snow Patrol na capital mineira: “não é tão legal quanto parece. Público e produção tão lá pela outra banda, e não sei se o retorno é tão bom quanto a gente espera”. E segue: “problemático é que, por exemplo, a gente não ganhou cachê, e por fim, ainda tivemos que pagar pelo operador de som…”.

Ha inúmeros outros casos. E cada caso é um caso. Normalmente, os cachês são razoáveis, embora a técnica tenha de fato que ser paga pela banda. Mas via de regra as bandas comemoram a oportunidade. A Lautmusik e a Herod Layne comemoraram a chance que se jogou na frente delas: a de abrir pro The Cure nos dois shows que a banda faz no Brasil em abril de 2013.

Ambas foram escolhidas pelo próprio Robert Smith, como ele mesmo disse em entrevista ao Portal Terra: “sempre gosto de escolher a banda local. Pedi ajuda do pessoal da banda, mas à noite eu colocava os fones de ouvido e ficava curtindo. É bom, porque agora conheço muito mais sobre rock latino do que conhecia há três semanas. É triste que no final eu só pudesse escolher duas bandas, gostei de umas cinco ou seis. Queríamos uma banda que tocasse alto. Ouvi uma chamada Medialunas que também é boa. Fizemos a seleção baseados em dois pontos principais. O primeiro era tentar dar espaço para novas bandas. O segundo é que as bandas criassem uma boa atmosfera para subirmos ao palco. Mesmo nos festivais, estou sempre preocupado com quem toca antes da gente, porque queremos criar uma experiência para o público: a partir do momento em que você entra no local do show, você verá e ouvirá música boa”.

Duas semanas antes do show, ambas as bandas foram convidadas oficialmente pela produção pra participar da turnês. A Lautmusik, de Porto Alegre, participa apenas do show de São Paulo. A Herod Layne, de ambos, Rio e São Paulo.

Passado o choque positivo, os grupos trataram de ensaiar, escolher repertório (pra meia hora de apresentação) e colocar a imaginação pra funcionar. Como funciona uma banda pequena no mundo das grandes bandas?

O Floga-se, a convite da própria Herod Layne, foi investigar (ou vivenciar) isso de perto. Há situações engraçadas geradas pela inocência, há enormes abismos entre as duas realidades, há cooperação, há esperança e há pé no chão. Acima de tudo, há respeito e diversão. Pelo menos nesse caso.

No caso específico da XYZ Live, produtora do evento, há uma boa vontade enorme pra com as bandas de abertura, tentando informar e ajudar ao máximo. Embora isso seja obrigação de quem promove o espetáculo, não é preciso ser jornalista, músico ou conhecedor de causa pra saber que nem sempre é assim.

A organização ofereceu um cachê que a banda considerou razoável, embora ela devesse pagar sua equipe técnica, que incluía técnico de luz e produtor de palco, além de técnico de som e de palco. Não havia grana pra dormir no Rio de Janeiro, no primeiro show acontecido dia quinta-feira, 4 de abril de 2013, então uma van foi disponibilizada pra ir até a capital fluminense e retornar imediatamente após o show do The Cure. Não é o melhor dos mundos, nem confortável o suficiente pra quem tem que trabalhar no dia seguinte, e boa parte da comitiva (oito pessoas, incluindo a mim mesmo) tinha que trabalhar na sexta-feira.

Embora pareça uma besteira pra quem tem uma banda, a mim me pareceu condições pouco razoáveis. Pouco conforto e o dia seguinte praticamente improdutivo pelo cansaço – fora o perigo de se viajar à noite, dependendo de um motorista cansado (o nosso era muito bom, engraçado e confiável, o que foi uma sorte).

A ida se torna uma grande festa, é possível imaginar. Todo mundo contando piadas, discutindo sobre o disco (a Herod Layne está prestes a lançar seu novo trabalho, “Umbra”, provavelmente em maio de 2013), contando histórias relacionadas a músicas, discos, shows… O processo criativo acontecendo naquele momento. Isso não tem preço.

Uma das histórias que beiram o ridículo – e que a banda acabou utilizando como muleta de descontração, por conta do nervosismo de tocar pra presumidamente nove mil pessoas pela primeira vez na vida – foi o caso do rider de camarim. A produção pergunta o que a banda quer no camarim, aquelas risíveis exigências que os grandes artistas gostam de fazer. Um dos membros da banda, pego de surpresa pelo pedido da produção, e pela pressa de ter que dar a resposta, acredite, buscou no Google o rider da própria banda.

É engraçado pensar nisso dessa forma (e o primeiro link que o Google apresenta pra “rider de camarim” é um rider… do Leoni – foi uma pequena variação disso o que a Herod Layne acabou pedindo), mas a falta de costume com um tratamento respeitoso e profissional cria embaraços desses. Embaraço que a banda levou na piada.

A sensação que se tinha na viagem é que todos estavam indo participar num show qualquer a que eles e bandas pequenas, em princípio de carreira ou subterrâneas, estão acostumados. Mas o choque é grande ao se deparar com o tamanho da HSBC Arena. O local é gigantesco, uma das casas de shows mais modernas que o país tem. O palco, um absurdo de grande. O receptivo, cuidadoso e preocupado com o bem-estar do estafe.

Há um camarim grande pra Herod Layne. O nema do grupo está na porta: “opening act”. Nele, o que a banda pediu no rider do Leoni, banheiros, internet sem fio gratuita, cabides, sofá e poltronas, um espelho enorme, um frigobar. Perfeito – mas uma estrutura ínfima perto de uma banda enorme como a do The Cure, uma verdadeira empresa, com perto de sessenta pessoas além dos músicos.

Estou ali pra documentar tudo o que posso, com o equipamento que temos em mãos: duas câmeras fotográficas digitais amadoras, duas filmadoras fullHD, um tripé. Filmamos tudo o quanto é possível. Mas os problemas começam a aparecer – impedimentos razoáveis, como proibição de filmar a passagem de som da própria Herod Layne, porque a equipe do The Cure não quer filmadoras no local. A equipe de segurança pede com educação. Desligo as filmadoras e filmo com as digitais, qualidade menor, mas o registro é feito.

É uma medida razoável do The Cure: são os astros da noite, é preciso respeitar. Não querem ninguém além do estafe dele na arena, enquanto passam o som. Ótimo. Mas enquanto a Herod Layne passa o som dela, restrito a poucos minutos, é um leva-e-traz de equipamentos dos gringos que chega a incomodar. A Herod Layne só quer resolver seu som no curto espaço de tempo e tal pressão impede que esse “tumulto organizado” da produção tire a concentração. O tempo é curto e nem tudo fica como a banda gostaria. Há um ou outro problema técnico. Vai ter que ser assim: falta uma hora e meia pro show e as portas do HSBC Arena precisam ser abertas pra entrada do público.

Uma curiosidade boba que dá a dimensão da diferença de como funciona no “mundo das grandes”: na hora de embarcar os equipamentos pro palco, ninguém da banda carregou nada. Não é preciso saber muito pra imaginar como funciona nos subterrâneos da música.

Há tempo pra almoçar no refeitório da própria casa. Mas a tensão já tá chegando ao nível máximo. O show está pra começar. É possível ver a turba entrando. Estão todos ali pra ver o The Cure – e só o The Cure. A Herod Layne sabe disso. E algo acontece que iguala todo mundo ao mesmo patamar, o de músicos querendo divertir a plateia: uma visita ilustra ao camarim.

A produtora do evento foi ao nosso camarim avisar que o Robert Smith em pessoa queria conhecer a Herod Layne. Um alvorço foi criado, porque… Bem, nem é preciso explicar que a maioria do nosso grupo estava ali na condição de admiradores do trabalho do Cure, antes de tudo.

Alguém bate à porta: “excuse me”. Entra um assessor de Robert Smith e logo na sequência o próprio Robert Smith. Ele cumprimenta todos com cordialidade. Sorri timidamente. Ele é o astro com mais de trinta anos de carreira nas costas, mas é ele que quer nos conhecer.

A conversa é amena: o que el já fez no Brasil (havia chegado naquele dia), se ele lembra do show anterior, de 1996 (não), o que ele pretende fazer nesse período em nosso país (eis a reposta mais curiosa: ele pergunta o que há pra fazer, mas ele avisa logo que queria dirigir… do Rio a São Paulo: “quanto tempo demora e qual o momento certo de pegar a estrada?”). Ao fim dos dez minutos de papo, promete tomar uma cerveja conosco após o show de São Paulo. Eu duvido, mas depois da demonstração de humildade (Robert Smith era um músico falando com outros músicos, com respeito e admiração), pode ser que aconteça, nunca se sabe.

Ele se vai, acenando com um sorriso pra dentro. Minutos depois, o assessor volta, com uma garrafa de champanhe e um vinho, oferecidos pelo próprio Robert Smith. Festa no camarim: o “rider do Leoni” havia ganhado um pouco de volume.

É hora dos últimos aquecimentos, idas ao banheiro e goles de água e vinho: o momento tão esperado bate à porta. A Herod Layne finalmente vai pisar na terra de gigantes.

A plateia está agitada. Estamos no horário. A banda se abraça ao lado do palco, no escuro, ninguém da pista os vê. Quem está na arquibancada lateral consegue enxerga-los nesse momento de força, mas não se dão conta de quem são aquelas pessoas. Filmo tudo. Está escuro demais – vamos ver no que vai dar.

Eles sobem ao palco. Se aprontam, vestem seus instrumentos. A sua frente, pouco mais de duas mil pessoas. É muita gente, mas a Arena está oca, com vazios por todo lado. Não importa. Eles tocam a primeira nota de “Penumbra”, do novo disco. Ninguém conhece, claro. É uma ambiência, uma série de notas longas. O silêncio na plateia dura poucos minutos. O primeiro impacto não foi positivo. Na pista VIP, os VIPs voltam a conversar animadamente.

A música cresce, ganha corpo, explode, a bateria de Jhonny é esmigalhada, mas Lippaus e Sacha ainda estão tímidos nas guitarras. A canção dura sete minutos. Ao final, aplausos mais entusiasmados do que se imaginava. A banda engata com “Silêncio”: mais ambiências e mais porrada. Dessa vez, a banda está mais solta. A plateia reage, mas não tanto quanto viria a reagir mais pra frente, ao final de “Umbra” e da parte 2 de “Walking The Valley”. É um final apoteótico. Os quatro esmigalham seus instrumentos tentando tirar o máximo de barulho e ruídos e microfonia possível. Algumas pessoas batem cabeça na boca do palco. Uma vitória, sem dúvida.

Fim de papo, meia hora depois de mergulharem naquele grande palco (diminuto pra eles, pra não mexer na estrutura do The Cure) e há aplausos e ovações mais demoradas do que se podia imaginar. A música da Herod Layne é difícil, lenta, barulhenta, provocativa, apenas instrumental, nada pop. Mesmo assim, uma parte da plateia captou a ideia. Outra vitória.

Os quatro deixam o palco suados. Parecia que haviam tomado uma senhora surra. Uma cerveja poderia salvar a pátria. Era o que eles mereciam.

Quando o The Cure subiu ao palco, ao habitat natural deles, a “banda pequena” voltou à sua rotina: foi à plateia e comprou umas cervejas. Os primeiros acordes do enorme show principal enterraram de vez no fundo da memória daquelas pessoas o que eles haviam acabado de ver. Ou não.

Perambulando pela pista, eu e Lippaus ouvimos um chamado. Um casal jovem, de vinte e poucos anos, a mesma idade de Lippaus, queria tirar uma foto com o guitarrista. Adoraram o que viram.

Se uma pessoa ou duas pessoas gostaram da Herod Layne nesse dia, já valeu a pena viver os poucos dias no mundo dos grandes negócios da música.

1. Penumbra
2. Silencio
3. Walking The Valley – Part 1
4. Umbra
5. Walking The Valley – Part 2

Veja a banda tocando “Penumbra” e “Silencio”:

Leia mais:

Comentários

comentários

13 comentários

  1. Nossa, que belo relato!
    É claro que depois de acompanhar palavra por palavra roendo todas as unhas não poderia terminar sem derrubar algumas lágrimas. É realmente emocionante ver o triunfo desses caras com quem tomamos uma cerveja de vez em quando ou esbarramos em shows pela cidade, gente como a gente, mas com talento reconhecido.
    Parabéns pelas palavras, parabéns pra banda! =)

  2. nem preciso (apesar de estar ansioso para) ler a segunda parte para dizer que esse é o melhor texto do ano até aqui. grande relato.

  3. […] O resultado foi um atraso incômodo no show do The Cure, retornando ao Brasil dezessete anos após a apresentação no Hollywood Rock 1996. Previsto pra iniciar às nove e meia da noite, a preocupação com o público chegou logo aos ouvidos da banda, que resolveu subir ao palco meia hora depois, pra dar tempo pros fãs chegarem. Uma atitude digna – Robert Smith se mostrou um cara impressionantemente humilde pra um artista com sua história e envergadura (mais sobre isso em outra matéria especial sobre o The Cure no Brasil). […]

  4. Ralmente, o pessoal não aguentava mais a banda, muita gente pedindo para a banda sair, embora a primeira banda tenha tido uma receptividade muito melhor… Particularmente não gostei do som da Herod Laine, apesar do próprio Robert ter escolhido achei enfadonha, digamos que Sir Robert Smith acertou na primeira e errou na segunda!

  5. O problema dessa banda Herod Laine foi entrar no palco como se fosse o The Cure, fizeram toda uma cena durante a entrada…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.