“HUSH HUSH… SWEET CHARLOTTE”: UM FILME, UMA CANÇÃO, UM PRODUTOR E A HISTÓRIA DA MÚSICA MUDOU

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Bob Johnston era conhecido por como um produtor simples, daqueles que acreditavam que bastava ficar fora do caminho do artista e trabalhar pra que ele tivesse o que fosse preciso pra se expressar. Era seu maior trunfo. Ele não tinha o menor respeito por aqueles que sugavam ou obstruíam o talento alheio, segundo entrevista à revista Uncut, quando estava pra lançar sua autobiografia, “Is It Rolling, Bob?”, em 2015, escrita por Louis Black.

Johnston morreu em agosto de 2015, aos 83 anos, e a mídia envolveu o fato com grandes artigos sobre sua contribuição pra música pop. Não foram poucas.

Como produtor da Columbia Records, sediado em Nashville, no Tennessee, ele esteve atrás da mesa, captando artistas – e atuando como pai e salva-vidas, conselheiro, influenciador e motivador – como Bob Dylan, Johnny Cash, Leonard Cohen, Simon e Garfunkel e The Byrds, entre muitos outros.

Dylan fez questão de homenageá-lo em “To Be Alone With You” (do disco Nashville Skyline, de 1969), ao deixar a pergunta “está gravando, Bob?” no começo da música.

Como alguém bem escreveu, a pergunta era inútil, pois o Dylan sabia perfeitamente que seu produtor, àquela altura, já tinha duas ou três gravadores rodando pra não perder nada da sessão. A frase ficou e vai lembrar sua figura para sempre. “Johnston tinha aquele brilho nos olhos. Ele tinha o que algumas pessoas chamam de impulso. Você podia ver em seu rosto e ele compartilhava aquele brilho, aquele espírito”, escreveu Dylan em “Chronicles: Volume One” (2004).

Na sua conta, estão produções discos como “Highway 61 Revisited” (1965), “Blonde On Blonde” (1966), “John Wesley Harding” (1967), “Nashville Skyline”, “Self Portrait” (1970) e “New Morning” (1970), todos de Dylan; “Sounds Of Silence” (1966) e “Parsley, Sage, Rosemary And Thyme” (1966), ambos de Simon & Garfunkel; o classicaço “At Folsom Prison” (1968), além de “The Holy Land” (1969), “At San Quentin” (1969), “I Walk The Line” (1970) e “Little Fauss And Big Halsy” (1971), todos de Johnny Cash; “Dr. Byrds & Mr. Hyde” (1969), dos Byrds; e “Songs From A Room” (1969), “Songs Of Love And Hate” (1971) e “Live Songs” (1973), os três de Leonard Cohen.

“Não era apenas uma questão de ligar as máquinas e apertar os botões”, disse Cohen em uma entrevista. “Ele criava uma atmosfera no estúdio que realmente te incentivava a dar o seu melhor, melhorar, fazer outro take, uma atmosfera livre de julgamentos, de críticas, de convite, de afirmação”.

Até chegar a todo esse reconhecimento, Donald William Johnston, seu nome de batismo, teve uma biografia menos aclamada, mas ainda assim importante. Em 1964 mudou-se para Nova Iorque, onde trabalhou como produtor para a Kapp Records e como arranjador e compositor freelance. Ele tinha apenas 32 anos. Ele se casou com uma colega compositora, Joy Byers, cujas canções foram gravadas por Elvis Presley pras trilhas sonoras de seus filmes de Hollywood e que Johnston alegou depois ser coautor.

Em 1965, ele já estava na Columbia, mas não caiu direto nos braços daqueles artistas que mudariam a música estadunidense. Sua primeira missão foi “Hush, Hush… Sweet Charlotte”, canção escrita por Frank De Vol, com letras de Mack David.

Naquele momento, De Vol já havia conquistado reconhecimento, incluindo uma indicação ao Oscar de Melhor Trilha-Sonora, com “Confidências À Meia-Noite” (Pillow Talk, de 1959), uma comédia romântica dirigida por Michael Gordon, co Rock Hudson e Doris Day. Ele ainda seria indicado outras quatro vezes, sem jamais vencer. Duas delas por “Hush, Hush… Sweet Charlotte”, em 1964.

Mas o problema pra Johnston era que a Columbia tinha como teste com a canção a intérprete Patti Page. Então, Clara Ann Fowler (seu nome de nascença), com 37 anos, o que naquela época era considerado muito, estava esquecida, apagada. Mas já havia sido uma estrela vendedora de discos. A Columbia queria resgatar isso.

Em 1950, por exemplo, com meros 23 anos, jovem, linda, cabelos loiros curtos, ela havia vendido um milhão de cópias pela sua interpretação de “With My Eyes Wide Open”, de Harry Revel, com letras de Mack Gordon, apresentada originalmente no filme “Música, Maestro!” (“Shoot The Works”, de 1934, direção de Wesley Ruggles).

Em novembro de 1950, ela atingiu o auge ao gravar “The Tennessee Waltz”, de Pee Wee King, com letras de Redd Stewart (original de 1948), se tornando o seu maior sucesso em vendas – a canção foi por décadas a mais vendida no Japão e acabou reconhecida como uma das músicas oficiais do estado do Tennessee.

Page, porém, andava meio apagada em 1964, embora não deixasse de vender. Havia deixado de ser um fenômeno, assim que outro fenômeno, do qual Johnston havia usado pra colocar comida na mesa, o rock’n’roll, surgira. Elvis Presley era o cara e canções populares como as de Page não faziam mais a cabeça dos jovens.

A Columbia havia dado, então, essa missão a Johnston: um novo número um pra Patti Page. Tendo trabalhado (e defato ainda o fez até 1968) em filmes-veículo pra Elvis, Johnston sabia o que a garotada queria – e definitivamente não era Patti Page.

“Eles deram a Johnston o artista mais frio de sua lista”, disse o multi-instrumentista e amigo Charlie McCoy à revista Uncut. “Mas, usando um contato que fez com o pessoal dos filmes de Elvis, ele descobriu que um filme que estava em produção e precisava de um tema”, lembra McCoy.

Ele se referia a “Com A Maldade Na Alma”, que tinha durante a produção o título original de “What Ever Happened To Cousin Charlotte?” – nome do conto do qual era baseado, de Henry Farrell, autor também da adaptação ao cinema.

O problema com o título é que os originais de Farrell tinham uma similaridade proposital. Por exemplo, ele foi o autor do roteiro de “Obsessão Sinistra”, de 1971, cujo título em inglês é “What’s The Matter With Helen?”. Mas isso é futuro. O que pegou com “What Ever Happened To Cousin Charlotte?” é que a equipe do filme era praticamente a mesma do megaclássico (e sucesso de bilheteria) “What Ever Happened To Baby Jane?” (“O Que Terá Acontecido A Baby Jane?”, de 1962): direção de Robert Aldrich e a dupla de atrizes Bette Davis e Joan Crawford. Até o título precisava ser o mesmo?

Bette Davis, especialmente, achava que não. E ela era praticamente a “dona” do filme – Joan Crawford que o diga; doente, acentuada pela pressão de Davis, deixou a produção, dando lugar à igualmente bela e icônica Olivia de Havilland.

No filme, Aldrich colocou a música “Hush, Hush… Sweet Charlotte” nos créditos finais. A música era perfeita pro clima de terror psicológico da história. Mas a versão original, cantada por Al Martino, vai apenas no final iluminado. Durante o filme, ela é executada pelo personagem de Joseph Cotten ao piano pra assustar a personagem de Davis. O preto-e-branco, mais sombras do que luz do fotógrafo Joseph F. Biroc (indicado ao Oscar) acentua o clima. Há o cemitério ao lado. Há os cachorros uivando e latindo. Há ventanias, trovoadas, portas que batem, uma casarão enorme às escuras, uma empregada amalucada beirando a loucura, quadros sinistros, janelas quebradas e… a memória de um assassinato cruel, com mão amputada, cabeça decepada.

“Hush, Hush… Sweet Charlotte” (calma, calma… doce Charlotte) acabou sendo o título perfeito pro filme, na visão de Bette Davis, que interpreta Charlotte Hollis, a atormentada. Ela sugeriu roubar o nome da canção pro nome da película e assim Aldrich e o produtor Walter Blake concordaram.

O filme foi um sucesso de bilheteria (apesar do orçamento estourado pela troca de Crawford por Havilland), mas não a ponto de bater “Baby Jane”. E foi sucesso de crítica também, com os ângulos a la Henris-George Clouzot, reforçando o suspense, e chegou a concorrer a sete Oscar. Entre eles, Melhor Canção Original, pra dupla De Vol e David.

O ponto da virada pra Bob Johnston, na verdade se encontra aqui. O evento de entrega dos Oscar daquela temporada aconteceu em 5 de abril de 1965. Quando a canção foi indicada à premiação, Johnston correu pra gravar com Page. A gravação aconteceu em 17 de fevereiro de 1965. A ideia era que Bette Davis interpretasse a canção no evento. Ela até já havia cantando, pra promover o filme.

Aqui, em 1º de março de 1965 (a partir de um minutos e quarenta segundos):

Mas Davis não pôde interpretar a música na cerimônia e coube a Page, que já havia gravado a canção, substituí-la. Sua performance foi um sucesso – ofuscando, inclusive, a apresentação de Judy Garland cantando clássicos de Cole Porter. Apesar da música ter perdido a estatueta pra “Chim Chim Cher-ee”, de “Mary Poppins”, um dos grandes vencedores daquele ano, dias depois, a Columbia lançou “Hush, Hush… Sweet Charlotte”, com “Longing To Hold You Again” no lado B.

McVoy lembra que “o verdadeiro gênio de Bob Johnston está em sua primeira sessão. Dylan e Leonard Cohen tinham todo o conceito em suas cabeças. A principal coisa que ele tinha que fazer era manter a fita rolando. Mas com Patti Page foi do zero. Ele encontrou a música, nós a gravamos ao vivo. Pra mim, (gravar essa versão) esse foi o seu maior trabalho”.

De fato, Johnston entregou pra Columbia o que a Columbia esperava dele: um sucesso. Patti Page voltou às paradas. Com “Hush Hush… Sweet Charlotte”, ela chegou ao oitavo lugar em junho, depois de sete anos longe das mais vendidas. O single ganhou rapidamente um disco de ouro, por um milhão de cópias.

Depois disso, Patti Page voltou-se definitivamente pro country e seguiu frequentando as paradas de sucesso, mas apenas nesse nicho, sumindo das paradas pop e jovem, que são mais amplas. Não foi um negócio ruim pra sua carreira, ao contrário.

Já pra Johnston (e pra história da música pop), o sucesso de “Hush Hush… Sweet Charlotte” teve impacto ainda maior. Ele conseguiu impressionar tanto a Columbia Records que recebeu a incumbência de produzir “Highway 61 Revisited”, de Bob Dylan. A partir daí, história – Dylan, Byrds, Cohen, Cash e os ouvidos de milhões e milhões de pessoas agradecem.

A foto que abre este artigo é de Al Clayton

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