Um susto. Um espanto. Foi a minha primeira reação ao ouvir “Abstellkammerlieder”, o novo disco do I Buried Paul, principal projeto musical do brasileiro radicado na Alemanha Pedro Oliveira.
“Acho que baixei os arquivos errados”, pensei comigo. Mas, não, Pedro tratou de, rindo, me orientar de que eram os arquivos certos. O I Buried Paul tomou um rumo diferente em “Abstellkammerlieder”, bem diferente de “Eutropia”, o sensacional disco anterior, de 2013. E bem diferente do outro projeto do músico, 28IF, que você conheceu aqui.
“Na real, minha ideia anterior era ter feito um disco mais na linha do ‘Eutropia’… Mas quando eu comecei a juntar ideias, achei que ia repetir a fórmula”, revela Pedro, nesse bate-papo exclusivo com o Floga-se. “Essas músicas faziam mais sentido no violão”, diz.
“Abstellkammerlieder”, que quer dizer algo como “canções do quartinho de bagunça”, foi o renascimento dessas canções na forma que elas foram pensadas e desabrochadas, no violão, como execício, em diversos momentos na vida recente de Oliveira. O resultado final vai espantar quem está acostumado aos ruídos e experimentação do I Buried Paul.
“Não é uma mudança permanente… Acho que foi só pra poder dar vida às músicas que estavam esquecidas no meu HD. Eu senti que elas precisavam conhecer o mundo”, diverte-se.
No final das contas, não é pra tanto. Afinal, escancarado, o artista acaba experimentando na forma e na apresentação.
Ouça aqui na íntegra:
Floga-se: O disco é realmente bem diferente…
Pedro Oliveira: (rindo) Sim, 90% só violão, e mais “canções”. Eu avisei… Mas, sei lá, eu senti que cabia no momento… Tem bem a ver com como eu ando tocando em casa, o fato deu estar aprendendo o oud, que é um instrumento basicamente assim… (rindo) decepcionado?
F-se: Não… espantado! Tanto que to ouvindo o “Eutropia” agora.
PO: (rindo) Pô, mas o estilo de compor, pelo menos a meu ver, segue a direção do “Eutropia”, só que… Sem efeitos… Na real, minha ideia anterior era ter feito um disco mais na linha do “Eutropia”… Mas quando eu comecei a juntar ideias pra ele, achei que ia ser repetir a fórmula, saca? Pensei em gravar algumas dessas músicas – a terceira, por exemplo (“De Junho”) – em versão guitarra, mas achei que ficou esquisito demais… Elas faziam mais sentido no violão. Daí, taquei o foda-se. Eu até pensei se valia a pena criar um projeto paralelo pra isso, mas depois concluí que o IBP é um ser mutante e esse choque seria legal.
F-se: E é violão mesmo?
PO: Sim. Tudo, menos a última. É um violão Fender com cordas de aço… A acústica natural do quartinho de bagunça de casa e um dedinho de pós-produção. Eu gravei uns backgrounds com um pedal “Freeze” depois, pra dar um pouco de cama – e cobrir uns erros. A última (“De Agosto”) foi com guitarra. Essa eu sabia que tinha que ser na guitarra por conta da afinação
e por conta da vibe meio David Lynch dela.
F-se: Tem uma pegada regionalista brasileira, algo ry cooderiano, não?
PO: As influências pro disco foram basicamente Sir Richard Bishop, os trabalhos solo do Dylan Carlson e os discos instrumentais do Almir Sater, que são lindos e todo mundo que gosta de música deveria ouvir. A primeira (“De Março”) lembra algo mais regionalista porque o violão tá em afinação aberta, como se fosse uma viola.
F-se: Você acha que foi preciso um desapego pra gravar essas músicas com essa nitidez sonora, com esse espaço aberto todo?
PO: Totalmente… Inclusive pra expor essas composições do ponto de vista técnico. Elas são muito simples, mas eu acho que elas têm seu valor estético.
F-se: O que eu quero dizer é que uma muralha de ruídos e experimentações expõe menos o artista, que sempre pode, num argumento bem raso, se esconder atrás da experimentação, diante de ouvidos não acostumados… Aqui, você tá exposto.
PO: Exatamente. Mas acho que foi um risco a se correr mesmo. Uma das coisas que eu pensei foi justamente isso: o que o IBP pode oferecer de composição? O que eu quero fazer agora é integrar esses temas no meu set ao vivo e ver como eles se comportam debaixo da cama de efeitos.
F-se: O que quer dizer “Abstellkammerlieder”?
PO: Traduz-se mais ou menos como “canções do quartinho de bagunça”. Isso tem dois motivos: um é o local onde elas foram gravadas e outro é porque os rascunhos tavam no meu “quarto de bagunça”, no HD. Os títulos das músicas referem-se aos meses que eu gravei os rascunhos originais. Tem coisa aí desde 2011, ou seja, esse tipo de composição não é tão novo assim (ri)… Eu tava cozinhando essas ideias desde a época do “In Schwarzen Tönen” (2012).
F-se: É uma espécie de diário aberto de um compositor…
PO: Mais ou menos… Porque esses rascunhos são coisas que eu gravo quando estou tocando de bobeira em casa… E daí se acho que saiu um rife ou uma ideia legal, registro… Eventualmente isso acaba esquecido dentro do cartão de memória do gravador ou em último caso do HD.
F-se: Mas por que “de Agosto”, “de Novembro” e não só “Agosto” e “Novembro”?
PO: Ah, isso foi uma ideia que veio quando eu comecei a subir as músicas pro Bandcamp, porque ficou parecendo datas mesmo. Por exemplo “1. De Março”, “2. De Abril” (risos).
F-se: Então, você resgatou as músicas do quarto da bagunça e as reproduziu novamente, as lapidou, ou simplesmente pegou de lá do HD, masterizou, deu um tapa aqui e ali e virou o disco?
PO: Não, eu regravei tudo. Terminei algumas que estavam incompletas – por exemplo as duas últimas – e lapidei alguns detalhes das outras… Mas não quis enfiar muito a cabeça nisso, não… Quis manter a espontaneidade das ideias originais. É um registro bem pessoal mesmo. Não sei se todo mundo vai gostar, mas eu gostei do resultado.
F-se: Quem fez a capa?
PO: A capa também é uma das mais bonitas. Por sinal, também veio do quarto de bagunças… É uma capa de um livro que comprei num mercado de pulgas em Leipzig… Tava também esquecida no quartinho. Daí, eu fotografei essa capa e mandei pro Rafael Nascimento fazer a magia dele em cima – ele que faz todo o trampo gráfico e visual do IBP, fez as projeções dos shows de Curitiba e São Paulo. Ele resolveu reinventar o logo e eu achei que ficou incrível.
F-se: O IBP não é um fenômeno de popularidade, mas tem sim seus seguidores e admiradores, certo? Como você acha que eles vão receber esse disco? Te dá algum receio?
PO: Eu acho que muita gente vai odiar e/ou se decepcionar, mas eu não me importo muito, não. Eu tenho pra mim que eu só lanço algo se achar que 1) é legal o suficiente pra alguém ouvir em casa de cabo a rabo e 2) contribui com algo de diferente, mesmo que seja ínfimo, pra minha evolução enquanto músico. Por isso, que eu disse que não faria sentido repetir a fórmula do “Eutropia”.
F-se: Você ficou satisfeito com o resultado?
PO: Muito! Foi “liberador” de certa maneira. É sem dúvida a coisa mais pessoal que eu já lancei e acho que me fez perder um pouco o medo ou bloqueio de compor.
F-se: Se sente agora numa encruzilhada pro próximo IBP, tipo que caminho seguir depois disso?
PO: Não, na verdade não. Como eu disse, eu lanço as coisas quando acho que elas valem a pena ser ouvidas por outras pessoas… Eu podia pegar todos os “micro-sets” de meia hora que eu faço aqui em casa vez ou outra e lançar, mas seria mais do mesmo, sempre. Acho que agora eu vou esperar ver pra onde isso vai como um processo natural da minha evolução enquanto músico… Tô aprendendo um instrumento novo, o oud, e isso vai com certeza me influenciar… E nesse meio-tempo quero voltar a tocar ao vivo porque acho que tenho coisas novas o suficiente pra mostrar (ri).
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“Abstellkammerlieder” sai dia 11 de maio de 2015, via Sinewave (pra baixar de graça, é só clicar aqui).
1. De Março
2. De Abril
3. De Junho
4. De Novembro
5. De Agosto