I BURIED PAUL – NEPANTLA

“Nepantla” é uma palavra da língua azteca (náuatle) que significa “no meio” ou, como define a “teoria decolonial latinoamericana, o ‘mundo entre mundos'”. Ela foi usada pra expressar uma dualidade observada nos índios colonizados no México, ainda não “firmes na fé imposta” pelos colonizadores cristãos: esses índios continuavam “neutros”, conheciam as palavras pregadas mas insistiam na vida pagã. Eram os “cristãos nepantla”.

A palavra dá também nome à cidade de San Miguel Neplanta, ou Nepantla de Sor Juana Inés de la Cruz (em homenagem à poetisa e dramaturga Juana Inés de la Cruz, nascida no local, falecida em 1695 e uma das grandes do idioma), que se localiza a pouco menos de cem quilômetros ao sul da gigante Cidade do México. Tem apenas dois mil e quinhentos habitantes e fica no miolo (não exato) do país.

Pra Pedro Oliveira, músico brasileiro que mora na Alemanha há anos e assina como I Buried Paul, “Nepantla é o estado de permanente incômodo gerado pela crescente insegurança política e social. Em estados de Nepantla, o ‘entremeio’ é o fio condutor pra não só tecnologias de ação política, mas também pra prática espiritual de resiliência e restauração”.

“Nepantla”, o quarto disco do I Buried Paul, lançado em 5 de maio de 2017, via Sinewave (baixe aqui) é também um ponto de equilíbrio na obra do autor, uma busca pela equidistância entre as gravações de campo apresentadas em “Eutropia” (2013, leia e ouça aqui) e o enigmático “Abstellkammerlieder” (2015), feito “90% ao violão” (leia a entrevista e ouça aqui). “Neplanta” tem apenas guitarras e gravações de campo, mas pode ser descrito basicamente como um disco “de guitarra”.

Os longos temas se sucedem como se Oliveira namorasse sua guitarra, um blueseiro que descobre possibilidades a cada instante, distorcendo, ampliando notas, acrescentando ruídos, desestabilizando fraseados: introvertido por alguns momentos, melancólico em outros e agressivo em outros tantos. A beleza dos violões de “Abstellkammerlieder” está transportada pra cá de maneira eletrificada, dividindo espaço com a agressividade da crudeza dos ruídos observacionais de “Eutropia”.

“Cada música neste álbum foi pensada como parte de um processo de cura; cada composição explora a possibilidade de se criar espaço através da repetição. ‘Nepantla’ é um convite aberto pra criar novos espaços, pra encontrar-se em um ponto de fuga sonoro”, escreveu o artista na apresentação do álbum.

É um trabalho poético de guitarras. É um artista buscando o seu mundo dentro do seu próprio mundo sonoro e que consegue se transportar pras paisagens áridas do interior do México, tanto quanto pra ferocidade urbana de São Paulo ou pra solidão noturna de Berlim. É um disco sem fronteiras, porque a “música de guitarras” (que é diferente do rock ou de qualquer rótulo que se queira aplicar) não obedece fronteiras.

É um blues contido e doído, é um noise rebentando o coração, é um folk sujo e destroçado. “Nepantla” está no meio do furacão de emoções, pretensões, sentimentos e aspirações do I Buried Paul.

1. Nepantla Pt. 1
2. Eulogia Para Gloria A.
3. Nepantla Pt.
4. Nepantla Pts. 3-4
5. The Ground From Which I Speak
6. Casa (Nepantla Pt. 5)

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