“Sintoma” é o segundo disco do quarteto paulista In Venus, lançado em abril de 2021, pelas mãos das etiquetas No Gods No Masters e Efusiva. O trabalho aparece três anos e pouco após o disco de estreia, “Ruína”, de 2017 (leia e ouça aqui).
Cint Murphy (voz e sintetizadores), Duda Jiu (bateria), Patricia Saltara (baixo) e Rodrigo Lima (guitarra) apresentam dez faixas-protesto, cujos temas variam na esfera que o “punk existencialista” (ou pós-punk) sempre apresentou, mas especialmente sobre a fome, efeito colateral mais perverso do sistema disfuncional que se mostrou o capitalismo secular.
“a fome / a fome / a fome / o paladar, a gula e o prazer só pra quem detém o poder / sem piedade dos morrem sem ter o que comer / a vertigem da privação, exigência do corpo padrão / regras infundadas estereótipos da perfeição / mais de quatro bilhões de toneladas de alimentos são produzidos por ano / um bilhão e trezentos milhões de toneladas são desperdiçados / toda comida produzida no mundo seria capaz de erradicar a fome / mas nada disso interessa aos que centralizam renda e produção”, acelera a banda em “4 Segundos”, o “intervalo de tempo dos mortos pela desnutrição”.
Não é um tema datado, longe disso. A fome só se agrava. Mas a banda grita basicamente contra o “sistema” (assim mesmo, entre aspas, porque o tal sistema serve pra muitos discursos). Embora as letras sejam como qualquer letra “punk” (também entre aspas), ressaltando a necessidade de se rebelar sobre o tal “sistema”, há trechos que se sobressaem, como “Bordas” (“a apatia e crueldade que colocam integridades humanas em risco, se transformam em ódio e violência por defesa de riquezas inexistentes. Essa guerra não é por espaço. É por acúmulo de poder”), mostrando que há de fato uma discussão em curso, não só rebeldia juvenil tardia e vazia. “Ansiedade” é um bom resumo dos muitos meses de pandemia acumulados – embora escrita antes desta crise interminável.
Pra além das letras, há a música. E é aqui que “Sintoma” se destaca. Diferente de “Ruína”, o álbum carrega uma certa nostalgia na forma, lembrando Mercenárias ou Smack (nesse caso, as letras, especialmente), mas também não há essa simplicidade de relação. In Venus apresenta alguma ousadia sonora, dentro de seu ambiente. Sublinhe-se “Ninguém Se Importa”, com a delirante balbúrdia sonoro dos sopros bem-vindos, com “Hipócritas” (a melhor letra) e “Ancestrais”. Destaque-se também a bateria de Jiu, uma batucada crua (ela entrou no lugar de Camila Ribeiro).
“Sintoma” teve produção e edição de Mari Crestani, com mixagem de Malka Julieta e master de Luis Tissot. A captação é de Helena Duarte, do Estúdio Mestre Felino, feita em fevereiro de 2020.
Segundo o informe oficial, há ainda a presença de coletiva Formas, “constituída por Adriana Latorre, Brunella Martina, Camila Visentainer, Erikat, Filipa Aurélio, Thais Lopes e Thamu Candylust (que) surge da necessidade da banda em compartilhar processos criativos entre artistas, que foram as responsáveis pelos visuais do disco”.
Pena que é uma arte que poucos verão. Nos discos comprados na pré venda, há um poster exclusivo montado por Erikat (que assina a capa) e Rodrigo Lima (responsável pelo projeto gráfico) interferindo em artes criadas pela Coletiva Formas: “um disco feito de forma coletiva, se permitindo captar além das 4 pessoas que tocam seus instrumentos, somando anseios e perspetivas”.
01. Hen To Pan
02. Ninguém Se Importa
03. 4 Segundos
04. Cores
05. Bordas
06. Ansiedade
07. Silêncio
08. Velocidade Líquida
09. Hipócritas
10. Ancestrais