INDIGNU – UMBRA

O verão de 2017 foi especialmente duro pra Portugal. O país enfrentou uma série de incêndios nos meses de junho e outubro que deixaram uma marca de cento e cinco mortos. Uma tragédia. Uma tortura pra quem ficou. Um espanto pra quem olhava de fora.

À incrível capacidade que temos de se apiedar com o drama de quem a gente nem conhece chamamos de humanidade. É talvez isso que nos coloque acima de qualquer espécie, mais até do que a inteligência. Perder a humanidade é perder o sentido de existir. É justamente o que une pessoas de lugares distantes, da Tuvalu à Noruega, da Terra do Fogo a Vladivostok.

Nos incêndios, o mundo quedou-se chocado. Mas como o tempo passa e as tragédias se sucedem, nossa humanidade é constantemente colocada à prova pela memória e pela exposição midiática. É sempre desejável uma nova novela humanitária pra vender notícia e, mais pra frente, filmes de Hollywood.

Mesmo assim, há dores que perduram. O quarteto Indignu, de Barcelos, Portugal, demonstra a sua em “Umbra”, num disco-temático sobre a tragédia. Depois de ganhar atenção da mídia alternativa mundial com “Odyssea”, de 2013 (ouça aqui), o grupo apresentou “Ophelia”, em 2016 (ouça aqui), sem a mesma envergadura. “Umbra” é trabalho mais pessoal – uma percepção que deveria vir de todos.

Longe de ser apelativo, a sonoridade tristonha, praticamente um lamento, de “Marcha Sob Marte”, que abre o disco, e de “A Distância Não Nos Leva A Saudade” (uma crase e essa frase não poderia ser negativa: são sutilezas como essa que baseiam a música do Indignu), acabam encontrando na tríade final, uma vastidão de outros sentimentos. Com letras e vocais, “Nem Só Das cinzas Se Renasce” e a intensa “Levitação Do Sahara”, o grupo se despega de si mesmo pra perceber que sua instrumentalização não é suficiente pra espelhar a dor.

“Lágrimas de luz / Nunca pára, Nunca abranda / Tudo conta, Tudo canta… (…) / Vingo-me abraçando as sombras / Num qualquer pedaço de céu”, canta a primeira (vocal de Manel Cruz); e “E o meu coração é o mesmo que fui, / um céu e um deserto / Falhei no que fui / Falhei no que quis / Falhei no que soube / Não tenho já alma que a luz me desperte / ou a treva me roube”, canta a outra (o poema de Álvaro de Campos, com vocal de Ana Deus), resumem a humanidade de todos nós diante do inevitável.

“Umbra” é uma escuridão por vezes lugar-comum, se tirada do contexto. Um post-rock que se aproxima do óbvio em determinado momento, mas que encontra caminhos decorrentes da própria incapacidade de compreensão da dor.

“Umbra” foi lançado dia 11 de maio de 2018, no Bandcamp do Indignu. Foi gravado e mixado por Ruca Lacerda, no Largo Recording Studio, na cidade do Porto. A masterização é de Nelson Carvalho, nos Estúdios Valentim Carvalho, em Lisboa.

1. Marcha Sob Marte 13:11
2. A Distância Não Nos Leva A Saudade
3. Clausura Dos Que Sentem
4. Nem Só Das Cinzas Se Renasce (com Manel Cruz)
5. Levitação Do Sahara (com Ana Deus)
6. Foi Outubro

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