JAIR NAVES NO SESC VILA MARIANA – COMO FOI

Esse foi o primeiro show do Jair Naves que vi. Não foi o primeiro que quis ver, mas foi o primeiro que consegui ver. Entretanto, a vontade é recente, a partir do seu primeiro disco cheio, “E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas”, de 2012, um disco que melhora continuamente, a cada audição. Desde então, virou uma necessidade.

Com um disco desses, sabia que era praticamente impossível compor um show ruim. Seria preciso um esforço de má vontade homérico.

Só que Jair Naves ao vivo é o oposto disso. Ele é um artista raro, que sabe reverenciar sua profissão e as dificuldades que ela impõe, agravadas pelo fato de ser brasileiro. Não é um deslumbrado e em sua primeira apresentação num espaço profissional como o SESC, com uma humildade controlada, se esforçou em fazer com que o público pagante se sentisse na sala de sua casa. Ali estava Jair Naves recebendo um monte de amigos pra vê-lo tocar. Mais um pouco e ele mandaria vir um café fresquinho, passado na hora, com uns biscoitinhos.

Mais do que desfilar treze de suas canções pop bem apuradas, Jair conta histórias pessoais, brinca com o público, faz rir. Ele é um cavalheiro, ou, por outra, um artista que está galgando espaço fora do subterrâneo por saber entreter a plateia como poucos. Ele é um gentil brincante.

Agradece a todo instante com sinceridade e se emociona aparentemente com igual sinceridade. Porque faz o que gosta, e isso fica claro desde o início: “ninguém me obrigou a fazer isso, não é como se minha mãe quisesse um músico e eu me tornasse um engenheiro”, diz a certa altura, sabendo que aquele era um momento raro – local bom, estrutura ótima, conforto pros presentes. A plateia ri.

Histórias simples, bem mais simples do que suas letras, arrancam risos e algumas gargalhadas. Como quando vai anunciar “No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas” e faz uma brincadeira com o pianista e parceiro de composição Alexandre Xavier: “ele anda meio pra baixo porque é palmeirense e o Palmeiras só perde; (…) essa música é pra ele e pro Palmeiras” e emenda espirituosamente, com um sorriso, “no fim da ladeira”. Todos gargalham, até os palmeirenses, por certo.


Outra boa é quando vai apresentar a banda, antes de “Silenciosa”. Ele diz que seu filme preferido é “Os Sete Samurais”, de Kurosawa. Contando a história – de uma aldeia muito pobre que é assaltada frequentemente e precisa contratar samurais pra se defender – Jair se dá conta de que exagerou no “muito pobre” e que se eram muito pobres não haveria por quê serem roubados – e ri mais uma vez, provocando boas risadas na audiência. Compara os samurais com sua banda, Renato Ribeiro (guitarra), Alexandre Molinari (baixo) e Thiago Babalu (bateria), e a alusão cai muito bem. Há ainda a participação de Cimara Fróis, tocando acordeão em “No Fim Da Ladeira…”.

Brinca com a encenação do bis que há em todo show: “vocês querem que a gente saia e vocês peçam uma música? A gente pode ficar por aqui mais um pouco?”. Mais risadas.

Há essa mise-en-scène, mas o repertório seria suficiente pra agradar. Só que Jair quer que você se sinta em casa durante o show e entrega mais do que a própria arte: entrega o que todo artista de fato deveria dar ao público, que são suas emoções, seu íntimo, sua insegurança. E, enfim, a música – temos a elegância feroz de suas criações.

Do disco cheio, toca nove canções. Do EP “Araguari”, três. E tem o single “Um Passo Por Vez”. Não só pelo tempo limitado que tem pra se apresentar, mas Jair não toca mais por não ter ainda repertório solo suficiente. A plateia não reclamaria de mais uma hora ali – o show durou noventa minutos, com início preciso às oito e meia da noite, um repeito que só o SESC parece ter com os pagantes.

Mesmo com o som apresentando leves falhas (o piano sumia em algumas canções e a voz estava alta, acima do ideal), a banda ao vivo ganhou mais força – muito por conta do vocal e do físico de Naves – e algumas canções transbordavam emoção, como a balada “A Meu Ver”, que Jair segura na interpretação, mais do que na voz (que é potente, mas tem limitações).

Os destaques ficam com “Poucas Palavras Bastam”, “Maria Lúcia, Santa Cecília E Eu” e “Guilhotinesco” e a última “Pronto Para Morrer (O Poder De Uma Mentira Dita Mil Vezes)”, além das peças introspectivas, “No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas”, “A Meu Ver” e “Silenciosa”, cantada quase aos prantos.

Ou, por outra, o destaque fica é com Jair Naves, um artista que é digno de ser chamado de artista. O palco é a casa dele. E como bom anfitrião, praticamente pede ao público, educadamente, que se sinta igualmente em casa.

É um convite irrecusável.



01. Carmem, Todos Falam Por Você
02. Araguari I
03. Poucas Palavras Bastam
04. Covil De Cobras
05. Maria Lúcia, Santa Cecília E Eu
06. No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas
07. Guilhotinesco
08. A Meu Ver
09. Eu Sonho Acordado
10. Um Passo Por Vez
11. Silenciosa
12. De Branquidão Hospitalar
13. Pronto Para Morrer (O Poder De Uma Mentira Dita Mil Vezes)

Veja o vídeo de “Maria Lúcia, Santa Cecília E Eu”:

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Comentários

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2 comentários

  1. Jair não é fácil, o que vai na contra-mão da música nova brasileira. Único. Que sirva de exemplo na mesmice piega neo-mpbzice ultrapassada.

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