A Praça Dom José Gaspar, no centro de São Paulo, é uma dois lugares mais charmosos da cidade e um dos pontos de resistência à histórica e constante decadência da região. É ali que se concentra um dos pequenos núcleos de vivacidade que a metrópole oferece a quem insiste em apreciar o centrão: bares, árvores, música, bicicleta, pontos de interesse e uma certa tranquilidade.
Esse foi o local escolhido pela Jim Beam, marca de bourbon, pra fazer seu primeiro festival de música, o Jim Beam History Fest 2016.
Quem frequenta a praça sabe que ela é um tanto modesta em tamanho, o que causou certo espanto pra receber um evento gratuito e com alguns nomes de pequeno porte da música alternativa, além de DJs (em mais dois palcos) e food trucks.
Surpreendentemente, a escolha se mostrou corretíssima, acertada, precisa. O palco principal, de costas pra Avenida São Luís, remetia a um saloon, incluindo as garrafas, tinha um som bem ajustado e audível e só pecava pelos muitos pontos cegos – se bem que ninguém reclamaria de árvores no meio do caminho…
O frio de um domingo de inverno paulistano contribuía pra um clima um tanto intimista (com certo esforço, ok?) e o público (chuto umas oito mil pessoas), entre iniciados e curiosos, na paz e tranquilidade, mostrou que dá pra ter resultados grandiosos sem precisar de números grandiosos. Nem todo festival precisa ser um Rock In Rio ou Lollapalooza. Pelo contrário, quanto menos, mais acolhedor. E se há um adjetivo que pode definir o Jim Beam é esse: acolhedor.
Tirando essa boa estrutura – food trucks, boas rotas de fuga, metrô vizinho, ambiente agradável, som bom, cenografia redondinha, wifi gratuito, compra fácil de bebidas (a preço razoáveis) – restou o que importa: a música.
Pra um evento gratuito com tal estrutura, soa até indecente alguém reclamar da escalação, mas nesse caso, é inevitável, pelo menos no palco principal. Ali, o evento teve três atrações, Ryley Walker, Surfer Blood e Wild Nothing.
Cheguei a tempo de ver o final da apresentação de Ryley Walker, perfeitamente encaixado à estrutura, paisagem e clima do evento. Músicas longas, contrabaixo estiloso, climão acústico bom pra cair da tarde.
Depois veio o Surfer Blood. Aquela mesma banda que conseguiu a façanha de encher de espaços vazios o HSBC Brasil em São Paulo, no show mais micado do século, tocando pra umas cinquenta pessoas (e olhe lá), num já distante 2013. Depois de muita badalação – pelas Pitchforks da vida – o Surfer Blood acabou, pelo menos no Brasil, como sinônimo da distância entre dizer-que-adora e pagar-ingresso-pra-ver uma banda.
Não é pra menos: a Surfer Blood parece uma daquelas bandas que aparecem nos filmes estadunidenses pra adolescentes, tocando em casamentos ou repúblicas estudantis. É muita pose, nenhuma atitude, muito clichê, nada que mereça atenção. Mas o público curtiu. “Floating Vibes”, “Miranda” e principalmente “Swin” sacudiram algumas cabeças.
Aparentemente, o quarteto se divertiu muito mais do que o próprio público. A sorridente e simpática baixista Lindsey Mills, que entrou no grupo em 2015, é a melhor instrumentista dos quatro e tinha o rosto da felicidade. John Paul Pitts foi pros braços da galera, como em redenção: parecia crer agora que o fracasso de 2013 podia mesmo ser uma acaso inexplicável, diante do ótimo público de agora. Só que as músicas continuam sendo fracas, bobocas, sonolentas. O grupo não faz por merecer o público que tinha a sua frente.
Surfer Blood setlist:
01. Floating Vibes
02. Island
03. Weird Shapes
04. Miranda
05. Voyager Reprise
06. Fast Jabroni
07. Take It Easy
08. Demon Dance
09. Dorian
10. I’m Not Ready
11. Swim
12. Say Yes to Me
13. I Was Wrong
14. I Can’t Explain
Veja “Floating Vibes”:
O Wild Nothing subiu ao palco às 20:00h em ponto, com certo estresse por problemas no palco. A banda começou com “Reichpop”, música que abre o decepcionante novo disco, “Life Of Pause”, de 2016, e logo abortou o processo. Não que alguém realmente ligasse pro que estava acontecendo. Àquela altura, com a praça bastante cheia – o Wild Nothing era claramente “a grande” e mais aguardada banda do dia -, não seria um percalço qualquer que diminuiria a expectativa do público.
O grupo tem três discos, sendo os dois primeiros, “Gemini” (2010) e “Nocturne” (2012), ótimas peças dream pop dançantes (não enxergue nisso uma contradição, por favor). Deles, porém, apenas cinco canções, “Nocturne”, “Paradise”, “Only Heather”, “Live In Dreams” e “Shadow”, essa já no bis, pra deixar um sorrisão nos fãs. O resto veio do terceiro álbum, que fixa-se mais nos elementos eletrônicos e menos nas texturas – quase o disco inteiro foi tocado. Isso certamente enfraqueceu a apresentação, mas não o suficiente pra frustrar a audiência.
Jack Tatum estava contrariado, mas a banda, principalmente o baterista, mostrava-se bem à vontade, deixando o show solto, o que certamente contagiou canções pouco inspiradas (como “Japanese Alice”), deixando-as um tanto mais apreciáveis.
Mesmo quem não conhecia a obra do Wild Nothing – e achava que “todas as músicas são iguais” – deve ter apreciado os timbres, o jeito desengonçado de Tatum deslizar no diminuto palco e as canções assobiáveis.
Deve ter compreendido que bandas pequenas como essas, em conjunto com uma boa organização e com boas intenções (mesmo que de marketing) fazem um dia agradável, dão alento numa cidade, num país, numa sociedade cada vez menos amigáveis. Um domingo desses compensa qualquer semana deprimente.
Que venham outros.
Wild Nothing setlist:
01. Reichpop (trecho)
02. Nocturne
03. Reichpop
04. Lady Blue
05. Adore
06. Paradise
07. TV Queen
08. Only Heather
09. A Woman’s Wisdom
10. Live In Dreams
11. Alien
12. Japanese Alice
13. Life Of Pause
14. Summer Holiday
15. To Know You
BIS
16. Shadow
Veja “Nocturne”: