Lembro-me de uma viagem que fiz com minha esposa a Parati, em 2005. Era uma das nossas primeiras viagens juntos e nem morávamos juntos ainda. Coisa de namorado, pra ficar juntos e tals, você sabe.
Choveu demais naquele final de semana. Era inverno, mas não fazia tão frio. Embora o clima parecesse romântico-ideal, a gente não é exatamente normal: o objetivo era tomar umas, dançar, se divertir, mais do que namorar (ou, por outra, aquilo, pra gente, era namorar). Dentre as atrações do final de semana, havia uma especial. Estava montado numa praça central (que não me recordo qual era) um palco que abrigaria alguns artistas pra um festival municipal de música. Entre os escalados, Yamandu Costa.
Nunca fui chegado a crianças-prodígio-artistas ou a músicos virtuoses. Em 2005, Yamandu não era mais criança, tinha 25 anos de idade. Mas, pra mim, ainda era uma malabarista do violão – e isso não é nada elogioso. Minha esposa, porém, já ouvira falar dele mas nunca havia escutado a música, ou nem menos havia desejado ouvi-la. Estávamos lá, de folga, sem fazer nada, tomando umas (e chuva adoidado), por que não?
Yamandu Costa é um virtuose, mas toca com tanta paixão, que os poucos gatos pingados que enfrentaram a chuva pra ver seus dedos passearem no violão perceberam que aquele rapaz não pode ter outra vida e outro jeito de tocar, senão com habilidade. Seu talento não permite menos. Sua interpretação de Baden Powell e Raphael Rabello, por exemplo, é vigorosa e não há outra forma de tocar, a não ser apaixonadamente. Com a plateia ali, a adorar um malabarista sentimental. Técnico, sim, mas talentoso e sentimental. E se tornou um programa perfeito: chuva, cerveja, roupas molhadas, música boa e, pra encerrar a noite, enfim, namoro. Paixão que inspira – e toda essa história.
Kaki King, a moça nova iorquina, em sua segunda passagem pelo Brasil, me cheirava a um Yamandu Costa feminino e que falava inglês. Nasceu como instrumentista nos subterrâneos do metrô de Grande Maçã. Tocava por lá, foi descoberta (provavelmente por alguém mais atento à virtuose do que à paixão) e hoje percorre o mundo mostrando sua música exuberante.
Quando comprei o ingresso, imaginei um novo Yamandu Costa, sem a certeza de que haveria magia, como sete anos atrás.
Bem, eu estava sozinho dessa vez, sem minha esposa. O cenário era outro, embora seja tão bonito quanto: o SESC Ipiranga é vizinho do belo Parque da Independência. E a motivação também era diferente: eu já sabia o que iria ver e ouvir.
Kaki King ainda é uma jovem – linda, de cabelos curtinhos, aparentemente frágil, charmosíssima (mais até do que ela deva querer parecer) – e se porta como uma garotinha ao se dirigir à plateia. Ali no palco praticamente vazio (quatro violões, um banco e um microfone) está uma personagem de ricas histórias, surpreendentes até mesmo pra própria protagonista.
Ela conta algumas delas, brinca com a plateia. Parece envergonhada. Elogiou o Brasil, os brasileiros, a “beleza” nativa, o jeito de se vestir, arrancou risos ao brincar na comparação com italianos e australianos, e se deu bem com a audiência de bem nascidos.
Durante uma hora e meia, a plateia se comportou muito bem, salvo no segundo bis, quando a artista pretendia tocar “Night After Sidewalk” e teve que tocar, num “a contragosto” ensaiado, a pedido de alguns fãs, sua “Sunnyside”, que valeu também uma divertida história com seus cachorrinhos e tals.
Ao vivo, fica claro, porém, que ela funciona melhor no instrumental. Quando canta, embora procure fazer quase sussurrando, se reduz a um pop meio bobo, um tanto adolescente, desses de trilha de comédias românticas de sessões da tarde.
Quando ataca o violão, principalmente no tapping, o faz com mais vigor e visivelmente mais à vontade, é um assombro, mesmo que sem tanta paixão quanto Yamandu Costa, embora com suficiente carisma e honestidade. No fim, quem não digere virtuoses ou prodígios quaisquer, vai absolver Kaki King, porque ela é daquelas moças que você absolveria por qualquer coisa.
Passei a admirar ambos, Yamandu e Kaki. Paixão e vontade valem acima da técnica e até mesmo do talento, onde quer que seja, de onde quer que venha, pra quem quiser ouvir.
Setlist:
01. Bone Chaos In The Castle
02. Life Being What It Is
03. Goby
04. Doing The Wrong Thing
05. Ingots
06. Andecy
07. Carmine St.
08. Playing With Pink Noise
09. Because It’s There
10. I Need A Girl Who Knows A Map
11. Banjo Impromptu
12. Lies
13. Communist Friends
14. Magazine
BIS
15. Bowen Island
16. Sunnyside
Ah, tu esqueceu da caixa/mala que ela usava como apoio para os pés e para tirar uns sons vez por outra. 🙂
Verdade, bem lembrado.
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