KURT VILE E THURSTON MOORE NO CINE JOIA – COMO FOI

Esqueça por um momento quem é Thurston Moore. Jogue pra um obscuro canto da memória tudo aquilo que você sabe que ele foi capaz de fazer com a guitarra e as composições do Sonic Youth. Experimente apagar de sua mente todo e qualquer conhecimento com relação à banda dele.

Não dizem que a ignorância é uma benção? Experimente, pois, essa benção.

Havia no Cine Joia, em São Paulo, nesse dia 12 de abril de 2012, um bocado de gente sem essa dádiva, a da ignorância. Estavam muitos esperando algo que ingenuamente se parecesse um show do Sonic Youth – o que em si já é uma ignorância: Thurston Moore lançou um discaço em 2011, “Demolished Thoughts”; por que diabos, então, ele precisaria fundamentar seu show no passado?

Kurt Vile, com sua cabeleira, três guitarras, timidez e muita simplicidade, tratou de apaziguar as ansiedades. Seu misto de Neil Young, Bob Dylan, Screaming Trees e, sim, Luna (Luna!), com muita influência de Sonic Youth, como ele mesmo faz questão de dizer nas entrevistas, deu ao público o clima ideal pras pernas e glândulas sudoríparas ficarem centradas e no lugar. Vile fez a sua parte – e quem não o conhecia rendeu-se enfim.

Thurston Moore, gigante em pessoa (vão usar muito essa analogia, eu sei), é dono da noite. Kurt Vile sabe disso, o Cine Joia sabe disso, o público sabe disso. O aquecimento foi feito, o espaço foi dado. Todos esperam por ele, “o cara do Sonic Youth”.

Ele tem domínio total do palco. Depois de décadas de estrada, aquele pedaço é a sua casa. Ele sobe, ajeita o retorno, fala meia dúzia de palavras pro público, brinca com a profundidade do palco e começa. Nenhuma ignorância será mantida. Thurston Moore, em uma só canção, ensina – e relembra.

Com “Orchand Street”, a música de abertura, ele já faz questão de preencher todas as mentes limpas: são dez minutos cravados, seis e meio deles de puro noise, “improvisação” e redenção. Quem jamais havia sequer ouvido falar de Thurston Moore ou de Sonic Youth (como se fosse possível) agora já sabia do que se tratava. A partir dali, Moore podia fazer o que bem entendesse. E fez.

É verdade que tanto faz pra ele. O exercício de auto-ignorância só vale à audiência, como forma de “redescobrir o novo”, de se entorpecer. É como se o não-virgem, como por milagre, voltasse a ser virgem de novo e fizesse amor pela primeira vez. A experiência pode não ser (ou não ter sido) das melhores, mas se ele pudesse, hoje, do nada, com sua rodagem, reviver aquele momento, talvez sentisse o mesmo prazer que um não iniciado em Sonic Youth experimentou com “Orchand Street” e seus esticados e barulhentos dez minutos.

Daí, Thurston Moore deu um tempo. Os novamente-iniciados receberam “Never Day”, baseada num violão e violino (a cargo da versátil – também baixista – Samara Lubelski) e acharam que os ouvidos estavam a salvo. Não, não estavam. Era só uma trégua. O que Moore iria fazer durante aquela uma hora e meia de show era incomodar os passivos, mostrar que violão não é sinônimo de mesmice e canções bunda-moles.




Neste post, todas as fotos do Thurston Moore são de Bea Rodrigues, do We Shot Them

Pois é, com um violão, Moore faz mais estrago, violência e arte do que muita gente tenta e diz fazer (com uma, duas, três guitarras). Ele distorce, ele revira, ele reinventa, ele incrementa, ele descontinua, ele incomoda… Thurston Moore está ali pra fazer o papel dele, mesmo com a dispensável cover de “It’s Only Rock’n’Roll (But I Like It)”, dos Stones, que traz a plateia de volta à realidade da ignorância, apesar da versão nada convencional, como aquelas que se ouve nos bares “pop-rock” de Moema, da Lapa ou da Vila Madalena. Com ele, a brincadeira é séria. Fazendo barulho é que ele se diverte e se transforma. O papel dele é desconcertar. E ele o está cumprindo à risca, sem esforço.

No set, enfim, nada de Sonic Youth, como já se sabia. Há uma nova, “Groovie & Linda”, anunciada com um acanhamento risível, como se o artista pedisse licença à plateia; há uma “Circulation” ainda mais matadora do que no disco; e, pra frustração de muitos, reafirma-se a ausência de “Benediction”.

Ao fim, cheia ou vazia, sua mente nunca mais será a mesma. Eis a grandeza do Sonic Youth, eis a importância de Thurston Moore. Não dá pra ignorar, não dá pra esquecer.


Setlist Thurston Moore:

01. Orchard Street
02. Never Day
03. In Silver Rain With A Paper Key
04. Cindy (Rotten Tanx)
05. Groovie & Linda
06. It’s Only Rock’n’Roll (But I Like It) (The Rolling Stones cover)
07. Blood Never Lies
08. Mina Loy
09. Pretty Bad
10. Ono Soul
11. Circulation

BIS
12. See-Through Playmate
13. Staring Statues

(os vídeos eu subo durante a semana)

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Comentários

comentários

4 comentários

  1. Eu estava tocando no mesmo dia e a vontade era imensa para estar neste show, mas as palavras só remetem o que já era de se esperar…

    Thurston Moore e ponto!

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