Quando você está se despedaçando, parece que tudo escorre pelos dedos e você não consegue encontrar qualquer espécie de motivação. As coisas parecem irritantemente falsas, simuladas. A dupla paulistana Leaving Soot encontra em letras introspectivas (parece haver um conceito de um diálogo com a própria infância) e um instrumental felizmente variado e que dá uma sensação de acolhimento.
Sensação essa porém que não exclui as inúmeras dúvidas que o EP sugere. E a ideia de envelhecimento percorre todas as faixas e tudo que pode decorrer daí – isolamento, dúvidas sobre identidade. Tudo isso de maneira totalmente honesta e o mais “coração aberto possível”. “I Wish I Never Met Myself As A Kid” é sobre as trocas unilaterais que a vida constante impõe sobre nós (principalmente quando estamos crescendo).
Os arranjos detalhados, as conversas francas, uma permanente incerteza – neste campo caminha a música do Leaving Soot, pra versar sobre o desapontamento exponencial que envelhecer significa. Os avisos sobre ainda ser muito jovem pra saber de algumas coisas (ou pra poder enfrentá-las), a dificuldade de aprender a amar – essa familiaridade tão tangível a todos nós é evocada por lindíssimos arranjos (violino, teclado, violão) que pontuam delicadamente a audição do EP. É sobretudo um convite ao desdobramento em certa fase na vida; pra talvez sabermos um pouco melhor como chegamos aqui.
Há uma quantidade significativa de variações rítmicas e instrumentais no EP – do quase folk inicial à vasta ambientação de “W R (Interlude Of A Life)”; o que evidencia uma dupla em contanto com a produção musical contemporânea e que sabe usar essas influências e transformá-las em algo autoral (é aquele típico trabalho que deixa uma marca de autenticidade, não parece “usurpado” de nada).
É divertido se desdobrar pelo trabalho e descobrir-me da curiosidade inicial pra alguém que teve que ouvir muitas vezes porque eu repito: há uma inserção dinâmica de diversos elementos que em sua natureza evocam muitas sensações diferentes – os objetos que não nos representam, a sensação de que não há absolutamente mais nada na vida (“Leave (S), Pt. 1” é um verdadeiro golpe, porque toda sua áurea lo-fi e combinação de vocais mais letras insinuam um fim nada agradável pro eu lírico) e uma espécie de confinamento em que mesmo o instrumental delicado às vezes nos enclausura mais ainda. Há muitas vezes no EP a ideia da pior alternativa possível. Apesar disso, ele nunca escolhe apenas um aspecto para explorar – é um mergulho que esmiúça desejo, abandono e horror.
“Leave (S), Pt. 2”, em menos de três minutos de direção, evidencia como o Leaving Soot consegue uma variação sonora tão poderosa em tão pouco tempo. É impressionante como diversas evocações são possíveis (emo, bossa nova, indie pop) e mantém uma unidade muito específica ao trabalho autoral da dupla.
“I Wish I Never Met Myself As A Kid”, longe de procurar caminhos fáceis do senso comum, representa um espaço temporal em que a aceitação e tentativas de compreensão não se baseiam numa superficialidade. Muito pelo contrário, trata sobre temas intricados e se baseia numa sonoridade verdadeiramente vasta pra garantir que nada seja simplista. E isso eles conseguiram com muita categoria.
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1. Blue Vision
2. Apple Juice
3. 2013
4. W R (Interlude Of A Life)
5. Leave (S), Pt. 1
6. Leave (S), Pt. 2
7. Montreal
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NOTA: 8,0
Lançamento: 27 de julho de 2016
Duração: 28 minutos e 27 segundos
Selo: Guadalupe Distro Records
Produção: Leaving Soot