Richard Penniman nasceu em 5 de dezembro de 1932, na Georgia, estado do sul dos Estados Unidos, entre o Alabama e a Carolina do Sul. Geograficamente, é um dado importante, porque o racismo tão forte no país de Donald Trump era ainda mais expressivo naqueles tempos.
Pior do que ser preto em um lugar onde se enforcava pretos por diversão, era ser preto e homossexual. Por sorte, a natureza deu a Penniman um talento bruto que ele soube usar como ninguém: foi o primeiro e mais barulhento astro de rock da história. A bem da verdade, ajudou a criar o rock, o que, convenhamos, não é lá pouca coisa.
Com uma personalidade extravagante, aparência impactante, especialmente pra época, Penniman se maquiou, vestiu seu terno e virou Little Richard. Sua presença de palco era tão explosiva que críticos dizem que talvez só Elvis Presley tenha chegado perto.
Mas pra Elvis, um branquelo bonitão que fazia as moças se derreterem (minha mãe que o diga), era “fácil”, um caminho natural até, pelo menos em comparação a Richard, que tinha que carregar duplo preconceito (em 1995, Richard confessou à revista Penthouse que era homossexual, embora três anos antes tivesse declarado que considerava a homossexualidade “contrária à natureza”).
Mesmo assim, Little Richard não se privou de injetar sexualidade na sua performance. Suas pernas sobre o piano, seu cabelo ajeitado, seu bigode refinado, seus olhos pintados (que infelizmente as imagens de baixa qualidade da época não salientam), tudo buscava seduzir junto com a música. Ele fazia exatamente ideia do que era ser um pop star, antes de sequer se imaginar que tal definição pudesse existir.
Se você pensa quem como é seduzido por figuras como Prince, Michael Jackson, David Bowie, James Brown, Beyoncé, Iggy Pop, Justin Timberlake, você está olhando o aperfeiçoamento do que Richard um dia criou.
Na verdade, no momento em que cantou “a-wop-bop-a-loo-bop-a-wop-bam-boom!”, em “Tutti Frutti”, seu single lançado em outubro de 1955, a música popular nunca mais foi a mesma. A onomatopeia de bateria imaginada por Richard não queria dizer absolutamente nada, mas podia ser traduzida por “ei, jovens, a música que vocês vão gostar e pagar rios de dinheiro até o fim dos tempos vai ser assim”: enérgica, sensual, sexualizada, provocativa. “E vocês que se virem com seus pais!”.
“Eu vim de uma família que não gostava de R&B. Bing Crosby e Ella Fitzgerald era tudo o que eu ouvia. E sabia que ali havia algo que poderia ser melhorado, mas não sabia onde procurar. E o que eu achei foi eu mesmo”, disse, sabendo que teria que inventar o que de fato queria ouvir simplesmente porque o que queria ouvir ainda não existia.
Ele cantava com uma voz tão abrasiva quanto uma lixa. Jogava suas letras no microfone, interrompendo-as periodicamente com sua marca registrada de falsete e uivos. Seu canto, como seu piano, era mais percussivo do que qualquer outra coisa: estamos prestando mais atenção ao ritmo do que à melodia, que na maioria dos casos é mínima. E estamos fazendo isso até hoje na música pop: a forma é muito mais importante do que o conteúdo.
O ritmo foi a grande contribuição, entre todas as contribuições, de Little Richard. Ele incorporou uma nova batida, que depois foi consolidada por Chuck Berry, outro gigante.
Suas raízes gospel são evidentes em cada um do seus floreios melismáticos, afirmam Michael Campbell e James Brody, em “Rock And Roll: An Introduction” (1999). “Sua combinação de boogie, gospel, blues – e sua própria personalidade – criaram a mistura de agressividade sem precedentes. Sua música era alta, rápida e jogada na cara de todo mundo que estava ouvindo”, escreveram.
O pequeno Richard não era pequeno, tinha quase 1,80 metro de altura. Mas sua grandeza não se pede por aí, claro. Se mede pelo ritmo. Ele se autodenominava “o arquiteto do rock” e poderia ser “o gigante do ritmo”, o que se cresceu sobre preconceitos pra rebolar sua arte.
O gigante que vendeu mais de trinta milhões de discos em todo o mundo morreu dia 9 de maio de 2020, de câncer nos ossos. Tinha 87 anos.