LOU REED TOCA VELVET UNDERGROUND EM SÃO PAULO

O show era do Metal Machine Trio, o experimento musical de Lou Reed. Experimento sonoro, melhor dizendo.

“Isso é música?”. Ouvi a moça à minha frente cochichar ao rapaz ao seu lado. Não ouvi a resposta. Mas eu teria dito: “é”. Porque tenho pra mim que todo som é música. Qualquer som é música. Um pingo d’água, uma enceradeira, um aspirador de pó, o vento, a respiração, a luz se acendendo, o apito sonoro do Metrô… Qualquer coisa.

Ou você nunca ouviu uma enceradeira funcionando e por um mísero espaço de tempo achou que aquele barulho remetia a uma música qualquer? Ou uma cafeteira? Ou uma porta batendo?

Se há som, há tom. Há música. Depende, então, do ouvido de cada um. E do estado de espírito. E da bagagem cultural, talvez. Mas tudo é música.

De acordo com o material de apresentação do Metal Machine Trio no SESC Pinheiros, o projeto é “inspirado em seu controverso ‘Metal Machine Music’, LP lançado em 1975. O trabalho é centrado na sonoridade da guitarra, misturada a ruídos e distorções”. Falando assim, parece lindo. Oitocentas bandas que cito aqui no Floga-se podem ser descritas dessa maneira.

Mas continua: “na época de seu lançamento, foi recolhido das lojas. Muitos o receberam como uma provocação, ganhando inclusive o título de ‘pior álbum de todos os tempos’, já que o lançamento do disco era uma obrigação contratual com a gravadora da qual Lou Reed estava se desligando”.

Provocação pode ser a palavra certa. Pra aquela época. Hoje, acho melhor usar “experimentação” ou “exercício”. Lou Reed (guitarra, teclados e eletrônica), Ulrich Krieger (sax tenor e eletrônica em tempo real) e Sarth Calhoun (processamento ao vivo) experimentam fazer anti-música, ou música a partir do barulho, do anti-tom (se é que isso existe), do ruído, da improvisação, do caos, da balbúrdia. E não fazem música. Fazem barulho.

Não é para qualquer ouvido. Irrita, perturba, chateia, impressiona. Pra encarar numa boa, depende de estado de espírito.

É uma experiência que só faz sentido, contraditoriamente, porque ali no palco, no centro de tudo, está Lou Reed, um cara pop e com grandes serviços à música. Fosse um qualquer, pouca gente daria ouvido a isso. Lou Reed pode e faz você ouvir.

Portanto, não se sinta mal em achar tudo um lixo pretensioso. Nem em achar chato demais. Ou ainda, não se sinta péssimo por achar uma maravilha. Lou Reed quer confundir e só consegue porque é o Lou Reed que fez coisas geniais com Velvet Underground e em carreira solo. O ciclo, ora, se fecha: ele encanta e confunde, ele bate e assopra.

Durante a hora em que as pessoas passaram em silêncio, embasbacadas – ou irritadas -, no Teatro Paulo Autran do SESC Pinheiros, Lou Reed pôde zumbir o seu recado e quem aguentou foi recompensado pelo artista, que voltou sozinho ao palco, num bis improvisado, e mandou uma versão maravilhosa do clássico “I’ll Be Your Mirror”, do “disco da banana”, do Velvet Underground.

Momento histórico pra mostrar que ele entende do riscado, que ele pode. A sua paciência foi recompensada. Ele bateu e assoprou.


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