“Infelizmente, infelizmente / Não é possível resolver os problemas do país com uma música / Eu sei bem que o mundo não é a USP, tem de ter consciência / Infelizmente o povo não come conceito / Infelizmente o povo não come educação / Infelizmente o povo não come arte”.
Infelizmente as pessoas não têm muita boa vontade com a Lupe De Lupe. Depois de um ótimo disco “duplo” (entre aspas, pois virtual), “Quarup”, de 2014 (ouça aqui na íntegra), com ótimas ideias atuais (como “O Futuro É Feminino”, “SP Pais Solteiros”), a banda mineira reforçou o discurso em “Vocação”, seu quinto disco de estúdio (incluindo na contagem o EP “Distância”, de 2013), sem se importar com a recepção de uma juventude cada vez mais retrógrada, ainda que posando de “moderna” e “politizada”.
“Eu sei bem que o mundo não é a USP, tem de ter consciência” demonstra bem que a banda sabe o terreno que pisa: sua bolha não é o mundo e o “povo não come conceito”, nem educação e muito menos arte. Não um povo sem oportunidades de estudo e perspectivas de vida digna. Há outras prioridades, o que não quer dizer que você deva largar mão do conceito, da educação e da arte. Uma coisa não exclui a outra e a Lupe De Lupe é um dos poucos artistas do subterrâneo com essa sensibilidade, sem medo de versar sobre, sem medo de parecer pedante, sem temores de soar datado, pois suas letras são reflexos muito atuais das crises da esquerda (ou do pensamento progressista) na primeira era pós-PT.
O mundo musical subterrâneo no Brasil sempre foi lotado de isentões (salvo raras exceções), pra quem política e música não podem se misturar. Pra Lupe, não há entraves. A brilhante letra citada de “O Brasil Quer Mais”, unida a “Frágua”, que abre o disco, e “Midas”, nos colocam diante de um Brasil devastado pela ignorância, até mesmo entre aqueles que julgamos com um mínimo de bom senso.
Nas letras da banda, há uma indignação típica dos tempos de redes sociais – a terra da metralhadora do desabafo giratório – mas que se torna necessária quando é transformada em arte. A arte da Lupe De Lupe em “Vocação”, herdada em grande parte de “Quarup”, é uma arte destemida. Não importa se vai ganhar fãs, sem vai encher shows pra mais de cinquenta pessoas, se vai tocar em grandes festivais, na rádio ou na novela. O posicionamento político claro e objetivo (embora nunca fechado em certeza, porque aí seria burrice) assusta. As pessoas não gostam do embate político-ideológico. Não curtem uma discussão. Quantas vezes você foi a um bar e alguém te cortou pra dizer que vocês estavam ali pra beber e não pra se irritar com essa chatice política? O Brasil foge dos seus problemas. A Lupe De Lupe os vocaliza e sonoriza.
Não só. A banda também se aventura nas provocações sonoras. Por trás de todo o discurso, não há uma melodia redonda e apaziguada. Quer dizer, há também. É um álbum diverso – há baladas interessantes, como a oitentista “Vejo Uma Lua No Céu” (com uma guitarra ruidosa no início), “Anjo” e “Lâmina Cega”; há “Voz”, um épico indefinível; e há canções simples, acessíveis e belas, como “Álamo”.
O melhor da Lupe De Lupe está nas intenções. A atitude de fazer e não só postar nas redes sociais. A indignação que vira arte e arte é ação. O grupo tenta, se apresenta, dá a cara pra ser golpeada pelas mãos dos incomodados, mas não se omite. Seria interessante se tivéssemos mais bandas como a Lupe De Lupe, sem medo de errar e de ser alvo da ignomínia.
Pra além do discurso, vale repetir, há um disco bom, conciso, diverso, instigante, daqueles pra gente se alimentar de vez em quando, daqueles pra gente jamais deixar esquecer que o país não vai ser perfeito nunca e precisa ser discutido e rediscutido.
“Vocação” foi lançado dia 15 de novembro de 2018, pela Geração Perdida de Minas Gerais e pela Balaclava Records. A produção, edição, mixagem e masterização tem assinatura de Vitor Brauer. As letras e vocais são de autoria de Brauer (baixo e guitarra), Cícero Nogueira (bateria), Gustavo Scholz (guitarra) e Renan Benini.
01. Frágua
02. Midas
03. Terra
04. Esqueletos
05. O Brasil Quer Mais
06. Vejo Uma Lua No Céu
07. Álamo
08. Anjo
09. Voz
10. Lâmina Cega (com Bruna Mendez)
Mano, muito bom eu mesmo estava Prestes a fazer um Review sobre a banda do próprio álbum recém lançado o “vocação” q significa da nome a algo. E eu queria estudado a letra por ser tão crítica me chamou atenção e é incrível q vcs me fizeram pensar em um outro olhar diferente da meu q tinha escutado o álbum inteirinho e tinha feito algumas anotações.