Eric Barbosa é integrante do Fossil, grupo experimental cearense que lançou o bom “Mocumentário”, em 2012 (ouça aqui), e que também tem Vitor Colares como membro (conheça aqui). Pra além disso, Barbosa é o criador e fomentador do Percurso Instalativo Sonoro, que rolou em Fortaleza entre 2015 e 2016.
Ele mesmo descreve a ação: “durante meses, ele realizou um mergulho imersivo sonoro-audiovisual no centro da cidade e arredores de Fortaleza – realizando um processo de ocupação/investigação permanente audiovisual sonora em espaços físicos bifurcando entre corpo/lugar; usando como referências conceitos de paisagens sonoras, improvisação livre, minimalismo e captação de imagens em diferentes plataformas digitais e analógicas. Como ramificações destas pesquisas, o artista convidou diversos artistas pra colaborarem com seu processo criativo – participando de músicas, temas, trilhas sonoras e composições criadas pelo artista – e paralelamente, contribuindo diretamente no resultado. O espaço base de criação/pesquisa utilizou-se do Foyer do centenário Theatro José de Alencar, espaço este localizado no centro da cidade – ponto de referência local, que possui uma relação com ambulantes, transeuntes, moradores de rua, ponto de manifestações sociais e pentecostais, comércio, tráfico, prostituição, intervenções militares e de manifestações artísticas e populares. Neste amálgama de sentidos, as observações e particularidades se misturam; re-significando sentidos e novas interpretações”.
Ocupar a cidade. A cidade é de todos, é pra ser usada e aproveitada e deleitada. Mas a maioria das pessoas simplesmente passa e sobrevive pelas cidades. A enxerga como uma estrutura sem vida e disforme. Só que as cidades são mecanismos mutáveis e mutantes, influenciadores políticos e sociais das vidas de todos aqueles milhões que se articulam por seus interiores. As cidades esmagam, adotam, balanceiam, esgotam, entristecem e alegram, dispõem de quase todos os verbos sobre nós.
Com ações artísticas como essa, a cidade se torna mais humana e esse clichê apazígua tudo. Viver a cidade como humanos e não como máquinas a seu dispor faz o mecanismo parecer menos mecânico. Por isso, os sons das cidades precisam ser percebidos e assimilados, bem como os olhares, os cheiros, as formas, as cores, os desgastes e os conflitos.
Ao se unir ao grupo também cearense maquinas pra esse “Resíduos”, gravado ao vivo durante o Percurso, no Foyer do Theatro José de Alencar, com sons experimentais a partir de improvisos, Barbosa capta um momento único, entre tantos outros que passaram e viriam a acontecer, de uma cidade viva e ampla.
Maquinas, a banda, uma das preferidas aqui da casa (o primeiro e único disco cheio é de 2016, “Lado Turvo, Lugares Inquietos”, leia resenha aqui e ouça o disco aqui), assim, tem o nome apropriado pra tal projeto. Não somos “máquinas” a serviço desse mecanismo, somos humanos, blablablá.
Além das obviedades que tais signos propõem aos olhares superficiais, a parceria maquinas e Eric Barbosa fez uma apresentação impressionante, que leva o ouvinte a imaginar o momento, o local, o entorno. A gravação não é das melhores (as músicas são repentinamente cortadas, como se perdêssemos algo; e o áudio está muito baixo, e necessita o uso de fones de ouvido pra sua melhor compreensão), mas é como se o transeunte, do lado de fora, alheio ao acontecimento artístico em si, captasse esses sons ao longe, um som tão vivo como qualquer outro da cidade que ele cotidianamente enfrenta.
Os sons vivos, que vêm e vão, que existem e desaparecem, nem sempre ficam gravados, nem sempre se tornam lembranças. Na maioria das vezes, é como quase todo o resto das nossas cidades e das nossas vidas: simplesmente não nos damos conta. Entretanto, de alguma maneira, os resíduos desses acontecimentos permanecem e influenciam o que somos.
Aqui, o piano de Barbosa e as guitarras, baixo e bateria do maquinas criaram um som único, gravado e que deixam mais do que resíduos. Eles agora são uma história da cidade.
O disco foi gravado ao vivo e mixado pelo próprio Eric Barbosa, em 20 de abril de 2016, com masterização de Diego Maia. O lançamento é de 22 de março de 2018, pela SuburbanaCO. e Mercúrio, Gestão, Produção e Ações Colaborativas.
1. Ministério
2. Altamira
3. Brutalismos
4. Está Tudo Se Deteriorando
5. Estrada De Ferro Até Baturité
6. Corpolítica
7. Redenção