“Todas essas histórias eu não pesquisei, eu vivi”. Assim resumiu o senhor Hildemar Diniz, 82 anos (completa 83 em agosto de 2015), o seu primeiro show dos dois que fez no SESC Vila Mariana, nesses dias 18 e 19 de abril.
Hildemar é Monarco, um dos grandes compositores brasileiros de todos os tempos, história viva da música popular, ainda segurando a onda o palco durante pouco mais de uma hora e levantando a plateia, infelizmente confinada às poltronas do teatro.
Monarco é daqueles que viveram e construíram a história do samba popular do Rio de Janeiro. Boêmio e cheio de histórias pra contar, tem uma longa lista de obras conhecidas pelo grande público, mas nas vozes de furacões populares, como Martinho da Vila, Zaca Pagodinho e Marisa Monte, por exemplo.
Em cima do palco, não parece muito à vontade como contador de histórias – e já presenciei shows onde ele estava mais desenvolto até como intérprete. A idade pode pesar, mas ainda assim, no decorrer da apresentação, ao lembrar algumas das infinitas histórias que viveu, Monarco vai se soltando, e um pouco da história do samba se desenrola pra plateia.
No setlist abaixo, fez-se necessário demonstrar os autores de canda canção apresentada. Monarco conheceu todos eles, tem histórias com todos eles. E sobre todos eles fala com visível carinho, admiração, saudade e certa melancolia. Seus amigos já se foram, ele mesmo sabe que está no final de sua caminhada. E por isso mesmo essa apresentação se torna ainda mais especial. É preciso celebrar Monarco ainda em vida, aplaudi-lo de pé.
É verdade que a banda reduzida tira um pouco do peso que certas canções podem ter ao vivo, e isso fez o show perder o peso que daria no peito da audiência. Mas é divertido, sempre é.
Monarco se preocupa em divertir a plateia. Entrega sucessos e sai do roteiro de acordo com o que sua memória vai lhe alertando. Vai da batida e sempre certeira “Aquarela Brasileira”, clássico absoluto entre os sambas de enredo, pro Império Serrano em 1964, até uma seção com cinco sucessos de Cartola, cantados pelo público com certa timidez.
Entrega também músicas suas e da Velha Guarda da Portela, sua escola, como “Corri Pra Ver”, “O Mundo É Assim” e “Você Me Abandonou”. Tem dois pout-pourri, sempre inevitáveis, e muito Zeca Pagodinho, canções que o popular sambista imortalizou, “Vivo Isolado Do Mundo” (também ótima na voz de Candeia), “Vai Vadiar” e “Coração Em Desalinho”.
Lembrou Mário Lago e sua parceria póstuma com ele (“Devolve”) e o grande Geraldo Pereira, que mereceu um samba de enredo delicioso – e também clássico – pra Unidos do Jacarezinho, em 1982.
Fez a plateia rir e fez a plateia não se segurar e cair no samba, em pé, porque esse é show pra se ver em pé, com samba no pé, extravasando.
E, ao fim, beijou a bandeira da Portela, que algum fã levou, abraçou e tirou fotos, enquanto “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida” se desenrolava. Fez a festa de quem entende que ele é uma lenda viva e merece ser reverenciado.
A música popular brasileira girou em grande parte em torno da vida de Monarco. Que bom que a gente ainda pode ouvir as histórias de sua boca. Porque, depois, só pesquisando mesmo.
01. Amor Não Me Maltrate (Monarco)
02. Nunca Vi Você Tão Triste Assim (Monarco / Alcino Corrêa)
03. Aquarela Brasileira (Silas de Oliveira)
04. Senhora Tentação (Silas de Oliveira)
05. Tudo Menos Amor (Monarco / Walter Rosa)
06. Portela, Passado De Glória (Monarco)
07. Corri Pra Ver (Chico Santana / Monarco / Casquinha) / Se Você Jurar (Ismael Silva)
08. Falsa Alegria (Monarco / Alcino)
09. Sem Compromisso (Geraldo Pereira / Nelson Trigueiro)
10. Geraldo Pereira, Eterna Glória Do Samba (Monarco)
11. Quitandeiro (Monarco)
12. O Mundo É Assim (Alvaiade)
13. Quem Me vê Sorrindo (Cartola)
14. Tive, Sim (Cartola) / O Sol Nascerá (Cartola)
15. As Rosas Não Falam (Cartola)
16. O Mundo É Um Moinho (Cartola)
17. Você Me Abandonou (Alberto Lonato)
18. Cocorocó (Paulo da Portela) / Ouço Uma Voz (Candeia) / Nega Danada (Zeca Pagodinho / Mauro Diniz)
19. Vivo Isolado Do Mundo (Alcides Lopes)
20. Vai Vadiar (Monarco / Alcino Corrêa)
21. Devolve (Mário Lago)
22. Coração Em Desalinho (Mauro Diniz / Ratinho)
23. Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida (Paulinho da Viola)
Fotos: André Yamagami