MORRISSEY NO ESPAÇO DAS AMÉRICAS – COMO FOI

Morrissey voltou ao Brasil, depois de doze anos. Mais velho, mais cultuado, mais ídolo, mais Morrissey. Os shows em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo mereceram críticas, os locais mereceram críticas (principalmente o infame Espaço das Américas, em São Paulo), os setlists mereceram críticas, mas o que Morrissey significa parece ser maior do que qualquer problema. Por ele, o público supera qualquer obstáculo.

A dimensão da idolatria por Morrissey equivale a outros grandes nomes da história da música pop e da movimentação em torno de ídolos juvenis. Quem esteve no show de 2000, queria relembrar; quem não esteve, viu aqui uma oportunidade única (talvez não seja: Morrissey vem morar na América do Sul, em Viña del Mar, no Chile, o que facilita bastante futuros repetecos). Quem é jovem demais pra ter comparecido em 2000 ou até mesmo pra ter vivido o nascimento do mito dos Smiths, enxerga em Morrissey um deus construído pela história; quem viveu os anos 1980, viu uma oportunidade de curvar-se ao passado, e afagar a memória e a saudade.

Por isso, o Floga-se fez um exercício diferente nessa “resenha” do show, entre aspas porque não se trata exatamente de uma resenha: são duas declarações de amor ao ídolo, por dois fãs declarados e apaixonados. Cícero J. Silva juntou-se ao mestre renato Malizia, comandante da coluna “Noise Waves”, pra dizer mais o que sentiram no show de São Paulo do que exatamente como foi o show de São Paulo.

As emoções foram essas.

UM GAROTO EX-FÃ DE HEAVY METAL
Por Cícero J. Silva

Em meados de 1986, um garoto fã de heavy metal estava na sala de sua casa. Ele levanta-se do sofá pra girar o seletor de sua televisão (controle remoto, naquela época, era luxo), muda de canal e depara-se com uma banda tocando num estúdio, tendo como frontman um vocalista espalhafatoso.

Desse momento em diante, o garoto resolveu conhecer melhor a música da tal banda. Foi um trabalho árduo, visto que os canais de divulgação eram pífios e a MTV não havia sido concebida no Brasil.

A banda em questão era a The Smiths, um divisor de águas em termos de música pro garoto fã de heavy metal.

Tanto tempo depois, esse mesmo garoto jamais poderia imaginar que iria ver ao vivo um dos músicos vivos mais influentes da história. Claro que agora aquele garoto é um senhor, mas sua alma continua a mesma e no último dia 11 de março, o mundo dele ficou mais belo por uma hora e meia.

A frase até soa paradoxal, mas quem estava no Espaço das Américas, compartilhando tamanha emoção, sabe do que estou falando. Da sua antiga banda, Morrissey cantou seis musicas – e três delas o garoto não cantava, simplesmente berrava! São elas “There’s A Light That Never Goes Out”, “I Know It’s Over” e “Please Please Please Let Me Get What I Want” (bons tempos pra mudanças, com o chão se abrindo ao meus pés).

O ponto negativo do show foi o fato dos telões não estarem funcionando. Mas pouco importa, já que aquele eu olhava pra eles e via um garoto levantando do sofá e girando o seletor da sua TV e perpetuando a banda que daquele momento em diante seria trilha sonora da minha vida.

O INTOCÁVEL MORRISSEY
Por Renato Malizia

11 de março de 2012, São Paulo, dia histórico, absolutamente carregado de emoções e sentimentalismos pra jovens senhores como eu, que no auge de seus trinta e tantos, quase quarenta anos, estavam prestes a estar de frente a sua majestade Mr. Stephen Patrick Morrisey, ícone seminal, divisor de águas na vida de todos nós, jovens senhores e senhoras.

O Espaço das Américas, um lugar confuso, até comportou de forma adequada os mais de oito mil presentes – oito mil almas sentimentais, todas há muito esperando pelo ídolo.

Apresentar Moz é dispensável. Sua música fala por si. Criador de canções emblemáticas pra toda uma geração à frente dos Smiths, este inglês de Manchester (que um dia proclamou sabiamente “Oh, Manchester so much to answer for…”) tornou-se um ícone acido, integro, sarcástico. Morrissey é intocável.

Difícil tarefa foi suportar Kristen Young, um mix de Nina Haggen com Bjork. Foi lastimável, até dolorido. Mas até que não durou tanto assim.

Enfim, Morrissey.

No auge de seus 52 anos, sem gravadora (um mero detalhe), ele sobe ao palco com sua banda entrosadíssima – garantindo peso e qualidade à performance que todos esperávamos. Sarcasmo, rabugices, lirismo, panfletismo contra a Inglaterra e a realeza: o “Bigmouth” strikes again e continua perpetuando sua verve com voracidade. É como aquela conhecida comparação com um belo vinho: quanto mais velho, melhor a degustação.

O show, porém, foi o mais do mesmo desta turnê sul-americana, sem nenhuma surpresa. Mesmo assim, um espetáculo algo acima de qualquer suspeita. “First Of The Gang To Die” abriu o que se tornaria cenário de emoções latentes de todos os jovens senhores e senhoras que estavam ansiosamente aguardando o show.

Cinco músicas depois, finalmente os primeiros momentos smithianos chegaram. “Still Ill”, do primeiro álbum, “The Smiths” (1984), arrepiou todos os presentes até a medula. Na sequência, o clássico de sua carreira solo, “Everyday Is Like Sunday”. Nesse momento, Mr. Moz mostrou o quão sarcástico é: o público bradava em urros “how I dearly wish I was not here”, e ele, calado durante a frase, logo emenda um “Oh, Really?”. Espetacular!

Veja “Everyday Is Like Sunday”:

Por DjFocka

Momentos de menor emoção vieram com “Ouija Board, Ouija Board” e outras menos expressivas, mas a magia pura estaria prestes a entorpecer as mentes de todos. Lágrimas, aplausos, abraços, carinhos, lembranças, vidas inteiras expressadas através de canções imortais como “I Know It’s Over”, onde até os mais radicais renderam-se ao amor.

O ápice veio com uma das mais belas canções de paixão arrebatadora da história, “There’s A Light That Never Goes Out”, ou ainda no momento onde o amor pleno tomou conta de São Paulo, com “Please Please Please Let Me Get What I Want”. Ambas apareceram pra que as lágrimas jorrassem e expurgassem os fantamas existentes.

E, ainda, pra total contemplação, “How Soon Is Now” jogou queronese em todos os males, medos e receios de uma geração inteira.

Por fim, o BIS, mas ninguém esboçou reações. O estrago naqueles jovens senhores e senhoras já estava feito, estampado nos rostos e sorrisos por por todos do Espaço das Américas.

Agora em 2012 todos estes jovens podem dizer que Moz os salvou mais uma vez. So what difference is does it make? Para nós todos, a diferença foi ele, o intocável Morrissey.

Setlist
01. First Of The Gang To Die
02. You Have Killed Me
03. Black Cloud
04. When Last I Spoke To Carol
05. Alma Matters
06. Still Ill (The Smiths cover)
07. Everyday Is Like Sunday
08. Speedway
09. You’re The One For Me, Fatty
10. I Will See You In Far-Off Places
11. Meat Is Murder (The Smiths cover)
12. Ouija Board, Ouija Board
13. I Know It’s Over (The Smiths cover)
14. Let Me Kiss You
15. There Is A Light That Never Goes Out (The Smiths cover)
16. I’m Throwing My Arms Around Paris
17. Please, Please, Please Let Me Get What I Want (The Smiths cover)
18. How Soon Is Now? (The Smiths cover)

BIS
19. One Day Goodbye Will Be Farewell

Veja o vídeo de “Still Ill”:

Por vinnusquartet

“There Is A Light That Never Goes Out”

Por rafagushi

Fotos 1 e 2: Manuela Scarpa (Photo Rio News)
Foto 3: Flávio Florido (UOL)

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Comentários

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7 comentários

  1. Não sou, nem nunca fui um fã dos Smiths ou de Morrisey. Nos anos 1980, marcaram-me mais os The Cure e Echo & The Bunnymen. No entanto, reconheço que a banda de Manchester granjeou muitos fãs e influenciou gente como Renato Russo e, em última análise, formaram-se imensos conjuntos devido à adoração a Morrisey ou aos Smiths. Pessoalmente, a canção deles que mais me marcou foi “What Difference Does It Make” (que não está na set list apresentada), e de Morrisey recordo mais a magistral “Everyday Is Like Sunday”. Compreendo bem o hype que a passagem dele gerou no Brasil, uma vez que é um artista sério e de qualidade, e um dos derradeiros exemplares vivos daquilo a que chamamos em Portugal da “geração de ouro da vanguarda pop”.

  2. Pra começo de conversa sou mais novo que o Renato e o Cicero, a diferença não é muita mas o suficiente pois era um infante na época em que Mr. BigMouth hipnotizou a terra da Rainha. Minha historia com Morrissey é mais forte pela carreira solo dele mas claro que amo Smiths.
    Perfeita a visão dos dois.
    Só tenho a dizer que realizei um sonho e agora falta só mais um SPIRITUALIZED.

  3. O Smiths foi uma das mais fortes referencias na minha vida e, continua sendo. Quando falo “Smiths”, entenda que estou falando de Morrissey também. E, estar ali, sob a voz e a imagem dançante do “INTOCÁVEL MORRISSEY” (segundo o Renato), foi mais que estar em um show de rock. Foi mais do que cantar em um coral de quase dez mil vozes. Foi deleite. Foi fantástico. E, delicioso é saber que ,entre amigos separados na multidão, compartilhamos as mesmas imagens, que rodarão como um filme eterno na parede de nossas memórias.
    Belas palavras, Renato e Cicero. Ótimo texto.

  4. Emocionante os depoimentos. Eu só queria acrescentar algo sobre Morrissey e o que ele realmente representa na minha concepção.
    Não quero aqui mensurar importância ou culto. Mesmo porque, apesar de todo respeito e carinho por Morrissey e sua musica, ele não é meu artista preferido. Porém,me parece claro, que Moz habita uma dimensão diferente, tudo que o cerca é diferenciado. As letras, os gestos, os engajamentos, a auto-solidão, a emoção…, definitivamente ele é uma estrela. Não no sentido da industria Pop, essa produz estrelas aos montes. Ele é uma estrela no sentido astronômico da coisa. E mesmo que não seja a nossa estrela preferida, ela está la em cima, no firmamento, a nos irradiar sua poderosa Luz.

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