NEW ORDER E DEATH FROM ABOVE 1979 – COMO FOI


Foto: Reinaldo Canado (UOL)

Já parecia um clima de ressaca. Depois de três grandes festivais, o Rock In Rio, o Planeta Terra e o SWU, teria o público paciência, pernas e, principalmente, grana pra mais uma empreitada de grande porte? Aparentemente, sim; aparentemente, não. Explico. O Ultra Music Festival é uma experiência de música eletrônica (e “alternativa”, como prega seu próprio discurso): é um grande festival, mas não exatamente pro mesmo público dos eventos anteriores. Ou, por outra, a intersecção de público seria quase nula, não fosse por Soulwax, New Order e DFA 1979. A grande maioria não conhecia 90% dos nomes do lineup e estava lá mesmo é pela festa.

E esse público, cheio de gente bronzeada, pernocas torneadas de fora, peitos sufocados por vestidos apertados, salto alto (!!), maquiagem em excesso, e rapazes incrementados por horas de academia, sem camisa, enfrentando a chuva fina na raça (é preciso mostrar o resultado do investimento em treino e aditivos musculares), não quer saber de música: o lance é ver e ser visto, tomar uns comprimidos e sair pra pegação. A música é detalhe.

Foi em parte esse público que o New Order enfrentou. Um New Order ainda não completo – embora tenha o privilégio da volta de Gillian Gilbert aos teclados, teve a saída de Peter Hook. E um New Order velho de guerra que não brincou em serviço. Talvez ciente da turba que ia enfrentar pela frente, dispensou o lero-lero e caiu direto nos hits. Uma hora de hits – e uma agradável surpresa.

Das nove canções que moldaram o setlist, sete ou oito, de uma forma ou de outra, estão no ideário popular. Bastava olhar ao redor: sempre havia alguém cantando e alguém que aparentemente não estava ali pelo New Order. “Crystal” foi a mais nova, abrindo o show. Depois, “Ceremony”, de fato a primeira música gravada pela banda, ressurgindo das cinzas do Joy Division (a música é do Joy Division), cujas primeiras notas me valeram impressão de ter visto uma menina atrás de mim ensaiando algumas lágrimas. Não seriam em vão.

Daí, festa. Apesar do som horroroso, que estava chiado, baixo, truncado e flanava ao sabor do insistente vento, mas que foi melhorando sensivelmente no decorrer da apresentação, Bernard Summer e companhia se divertiram e divertiram a audiência. As presenças de “Bizarre Love Tringle”, “True Faith”, “Perfect Kiss”, “Blue Monday” e “Temptation” garantiram não só o afago na memória juvenil dos trintões e quarentões presentes, mas também os primeiros passos de dança aos mais jovens. Todos mundo conhece ao menos um pouco, uma passagem, uma nota dessas músicas.

Mas o New Order ainda tocou aí no meio, de maneira surpreendente, a brilhante “586”, do extraordinário segundo disco, “Power, Corruption & Lies”, de 1983. A música não era apresentada ao vivo desde sabe-se lá quando (talvez nem mesmo a banda lembre), já que é uma quase temeridade apresentá-la ao vivo. Mas funcionou bem. Há nela, afinal, o DNA de “Blue Monday”. Foi como uma cereja brilhando em cima do bolo.

Se a banda de Manchester hoje está mais pra uma ex-banda em atividade, tocando por dinheiro, e Bernard Summer dançando e cantando é uma negação (em grande parte da carreira, ele entrava no palco calado, fazia as vezes de vocalista e saía mudo, sem interagir com a plateia, sem dançar, sem nada), o que garante alguns momentos de “vergonha alheia”, há de se apontar ali um grupo tão definitivo pra música jovem que só a sua presença já torna obrigatória a reverência.

Ainda mais num evento como esse, onde o esforço conceitual do New Order se sente em vários canais. O UMF deve, enfim, seu catálogo em boa parte a esses senhores.

Há, porém, uma exceção: Death From Above 1979. A dupla canadense presta serviço ao barulho e a mais ninguém. O lance com Sebastian Grainger (vocal e bateria) e Jesse F. Keeler (baixo, sintetizadores e ruídos, muitos ruídos) é o esporro sonoro: uma conta ramoniana mental, “um-dois-três-quatro” e tome cacetada. Foi assim durante uma hora. A dupla tem efetivamente um disco lançado, “You’re A Woman, I’m A Machine”, de 2004, e uma penca de EPs e singles. Em 2006, eles anunciaram o fim da banda. O que se viu ontem foi parte da turnê de retorno, que começou em março de 2011, num caótico show do SXSW, em Austin, Esteites.

Não há guitarra na banda. O baixo de Keeler é nutrido por incontáveis ruídos e distorções e é provável que os ouvidos desavisados clamem por uma guitarrinha melódica ali pelo meio. Não, esses pedidos não serão atendidos. Ao contrário. Se Graiger urra no vocal e porra sua bateria sem dó, há a surpresa do acréscimo da participação especial de Iggor Cavalera (que se apresentou com sua Mixhell mais cedo), em “Romantic Rights”. Cavalera é um baterista sem igual: a diferença é gritante, ele bate muito mais forte e ritmado, de maneira que a música do DFA 1979 ganha ainda mais peso.

Não é, de fato, uma música fácil. Mesmo quem simpatiza com o distúrbio sonoro dos canadenses se sente incomodado. A ideia é essa mesmo e eles são muito bem sucedidos no que fazem, a ponto de a plateia ir diminuindo de tamanho durante a apresentação – alguns ouvidos pedem arrego.

Nunca havia visto um show da dupla e é impressionante como após o término, ainda com os ouvidos zunindo e um tanto atordoado, é possível perceber que todo mundo que se presta a fazer barulho ou música minimalista parece bobo perto dela. Quem nunca viu um show do DFA 1979 ainda não foi batizado na arte da barulheira.

E a partir daí, o UMF perdeu seu encanto. O festival retornou aos braços do seu público-alvo. As batidas eletrônicas passaram a ecoar nos dois palcos e festa ganhou força. Os bronzeados finalmente puderam extravasar.

O evento foi muito bem organizado, com poucas filas nos caixas (embora constantes, com um certo descontrole nos bares), uma cenografia bem cuidada, transformando o Sambódromo de São Paulo de maneira sutil (as arquibancadas e estruturas acabaram fazendo parte do cenário), num espaço amplo que se tornou ainda maior e facilitou a mobilidade graças ao público abaixo da expectativa.

Não foi sucesso de público, aparentemente (o preço do ingresso com os cambistas na entrada caía a impressionantes 30 reais – o preço de face chegou a R$ 210,00, pra homem), mas o festival falou com quem devia falar, conhece seu público, e ainda agradou os mais exigentes, aqueles que se importam com a música. Foi um acerto. O calendário anual de shows tem, sim, espaço pro UMF.

Setlist New Order:

1. Crystal
2. Ceremony
3. Age Of Consent
4. Bizarre Love Triangle
5. True Faith
6. 586
7. Perfect Kiss
8. Blue Monday
9. Temptation

Veja um vídeo mazomenos de “Bizarre Love Triangle”:

Essa resenha é a mesma que será publicada no Rock’n’Beats. Mas lá há um diferencial bacana de ser lido. Aguarde o link em breve.

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