O Nosso Querido Figueiredo lança “Os Melhores Anos Das Nossas Vidas”, o sucessor do bom “Juventude”, de 2017 (leia e ouça aqui), em 14 de março de 2019, novamente pela sua página no Bandcamp.
O Nosso Querido Figueiredo é o projeto de Matheus Borges, que tem entre tantas qualidades uma habilidade singular com as palavras. Abaixo, um exemplo. Está transcrito na íntegra o bom texto de apresentação que Borges fez sobre a obra:
“‘Os Melhores Anos Das Nossas Vidas’ é meu álbum número 40 e poucos, eu não sei dizer precisamente e peço desculpas por isso. Talvez seja o 50. É também o primeiro desde o aniversário de uma década do projeto Nosso Querido Figueiredo, que começou em 2008 quando eu tinha quinze anos, um violão de quatro cordas, muito ódio no peito e uns poemas horríveis.
A respeito desse álbum, é preciso dizer que: pensei nele enquanto bebia cachaça e via televisão no domingo do segundo turno das eleições (pra presidente, em 2018), pensei também que a noite seria longa e se estenderia ao longo da semana seguinte – talvez mais além. Não a noite em si, não o domingo, mas os miasmas daquele dia específico, a sensação de impotência e desgosto.
O peso daquela noite se manteve grudado ao meu corpo ao longo dos próximos dias e os ecos dos fogos de artifício encontravam rimas sinistras nos automóveis que cruzavam a rua, na gente que sorria ao passear com cachorros, a noite de domingo se estendendo e se transformando em antimatéria, preenchendo as lacunas do mundo visível, desconfiança vazando entre postes, pneus e paredes. Entre mercearias, farmácias e botecos de esquina.
É minha rendição através de palavras e sons dessa noite e de sua sombra dissimulada, do pavor de veludo se desdobrando no céu.
(…)
É preciso dizer também que não considero este um álbum de música lo-fi, visto que busquei trabalhar em maior fidelidade do que na maioria dos meus trabalhos anteriores (vinha ensaiando essa transição há algum tempo e aqui tentei consolidar esse novo modo, ainda que aos tropeços). Enxergo nessas composições uma coesão temática e percebo diversas influências, que eu não vou dizer quais são, a fim de não poluir a fruição do ouvinte.
Sobre o título desta coleção e sua aparante ironia ou ilusório otimismo, o que tenho a dizer é que o critério aplicado à escolha dessa frase (que também dá nome a um filme de 1946 dirigido por William Wyler) funciona como pseudosequência à escolha do título ‘Juventude’ (meu álbum de 2017). Digo pseudo porque, ainda que um título seja consequência do outro, o álbum atual não é uma continuação do anterior.
Se em 2017 anunciei o fim da juventude, agora me encontro no estágio seguinte (bem como o filme de William Wyler usa dessa mesma frase pra sintetizar o estágio seguinte ao trauma da guerra em que vivem seus protagonistas), que ainda não é velhice porém já não é mais adolescência, algo como um limbo etário, saindo dos vinte e prestes a entrar nos trinta. Teoricamente, seriam esses os melhores anos (ie, o intervalo) das nossas vidas (existências), no sentido de que esse período da vida é associado a diversas conquistas e à consolidação do indivíduo no organismo social etc. Não que eu não tenha nada do que me orgulhar.
Porém, é difícil sentir isso. Você sabe bem do que eu estou falando. Não estamos vivendo os melhores anos (ie, intervalo histórico) das nossas vidas (período histórico correspondente ao tempo em que se desenvolve nossa existência). As últimas décadas foram caracterizadas pela precarização da vida profissional e atomização da social. Vivemos em permanente estado de confusão e sobrecarga, tentando entender o que acontece no mundo exterior, ao mesmo tempo que precisamos organizar os aspectos mais banais de nossa rotina. Enquanto uma horda de cidadãos descontentes ateia fogo a um automóvel no centro de Paris, eu corto a unha do dedão do pé.
É essa tensão entre os tempos histórico e subjetivo, entre os grandes eventos do mundo e os pequenos conflitos da alma, que há dez anos estimula esse meu impulso, aparentemente despropositado, de compor e gravar hinos desesperados de inconformismo, cínicos lamentos desordeiros, pauleiras fantasma pra serem tocadas nas trincheiras de uma guerra híbrida, temas de abertura pra filmes impossíveis, exaltações simplórias do ordinário, sussurros gritando de apatia, melodias mecânicas de arritmia eletrônica, louvores agnósticos a um deus desgraçado etc.
Em resumo: ‘Os Melhores Anos Das Nossas Vidas’ traz oito canções completamente diferentes de tudo que já gravei, ainda que exatamente iguais”.
São oito faixas escritas, executadas e produzidas pelo próprio Borges, entre setembro e novembro de 2018, em sua casa, em Porto Alegre. Um trabalho bastante pessoal, um esforço de quem sempre trabalhou sem estrutura e tals.
Mais uma vez, o disco é todo escrito, executado e produzido pelo próprio Matheus Borges, com uma gravação caseira. São oito músicas no total. Ele nota também que “a introdução de ‘Noites’ é ‘Nearer, My God, To Thee’, composta por Sarah Flower Adams”, em 1841 (em português, “Mais Perto, Meu Deus, De Ti”, hino tradicional protestante (ouça aqui).
1. Mais Nada
2. Noites
3. Respira (clique aqui pra ouvir)
4. Arde
5. Segurança
6. Quando A Gente
7. Era Tão Lindo
8. Enquanto Você Dormia