A ideia era ótima: levar pra cidade mais plural e cosmopolita do país o festival mais instigante da atualidade. O Novas Frequências já em sua segunda edição aportaria em São Paulo.
Melhor ainda: havia a promessa de finalmente repeito ao público, na questão do horário. Eram três shows em sequência, que começariam pontualmente às seis da tarde e terminariam a tempo de todos poderem voltar pra casa – ou seguir na noite – usando transporte coletivo.
Era show de fato e não uma balada – e ninguém aguenta mais essa deturpação da lógica que os promotores de shows deram como padrão; balada é balada, show é show, afinal de contas.
Assim, todos podiam beber numa boa e se programar pro resto da noite, também numa boa.
Mas algo não deu certo entre a ideia e a compreensão dela por parte do público. Talvez o público não tenha acreditado na promessa ou não conhecia os artistas escalados, porque o Beco 203 recebeu pouco mais da metade da sua lotação pra ver três nomes empolgantes daquilo que o próprio título do festival dá a entender sobre seu conceito: são novas frequências batendo direto no seu ouvido, nomes que saem do padrão comercial.
Ao contrário do núcleo principal, no Rio de Janeiro, com seis dias de apresentações, os paulistanos tinham apenas um dia pra conferir três dos artistas trazidos ao Brasil. Thiago Miazzo, dono do selo TOC Label, metade do Gruta, e colaborador do blogue que é um dos preferidos do Floga-se, o Matéria, foi um dos que entenderam esse conceito e foi lá no formigueiro indie que é a Rua Augusta ver qual era do Novas Frequências em São Paulo.
Ele ainda não se recuperou dessa bela experiência – e seu relato está aqui.
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SURRA DE GRAVE
Texto: Thiago Miazzo
Fotos: Ariel Martini (tiradas do Facebook do Festival Novas Frequências)
Sábado, dia 8 de dezembro de 2012, o Beco 203 recebeu a edição paulistana do Novas Frequências, evento voltado para a música contemporânea e originário do Rio de Janeiro. Apesar de estar apenas em sua segunda edição, o festival (capitaneado por Chico Dub) já desponta como um dos eventos mais esperados no calendário de festivais brasileiros.
Através do financiamento coletivo do Queremos!, o evento chegou a São Paulo trazendo três atrações: Actress (Inglaterra), Pole (Alemanha) e Hype Williams (Inglaterra). Foi a estreia da marca Queremos! em São Paulo – e deu tudo certo.
Marcado pra começar às 18:00h pontualmente, pouca gente levou a sério. Resultado: Pole sobe ao palco pra um punhado de pessoas. E tome SMS – “tá chegando? O Pole já começou!”.
Pole, alcunha mais conhecida do produtor Stefan Betke, apresentou um set coeso, elaborado ao longo de seus quase quinze anos de carreira: minimal dub/techno com ênfase nos grooves e experimentos deliciosos com estática, estalos, ruídos.
Apesar de trabalhar com uma base sólida e conceitos voltados pra repetição, Pole enriquece sua música com um sem-número de cliques, ampliando a sonoridade e dando abertura para o livre improviso nas live sessions.
Conforme a apresentação se aproximava do fim, aumentava o público e os fumantes corriam em direção ao fumódromo. “Não pode entrar com garrafa”, alertou-me o sisudo segurança. Ao lado, uma mesa servia de suporte pras garrafas, de modo que não necessariamente você pegaria de volta a cerveja que você deixou quando entrou para fumar, bastava escolher a mais gelada. Eu mal havia terminado de fumar meu cigarro quando o Hype Williams subiu ao palco – comprovando que a organização não estava para brincadeira quando falou em pontualidade.
O Berna (vulgo Bernardo Oliveira, do blogue Matéria) já tinha me alertado: o rolê do Hype Williams promete ser insano. Mesmo assim, eu não estava preparado pra encontrar no palco uma garota montada em uma motocicleta, tampouco entendia o que estava acontecendo. Um lance meio Rob Halford, só que não.
Além da linda motociclista, estavam no palco a (também linda) Inga Copeland e Dean Blunt, envoltos por uma nuvem de fumaça. Cara, você pode conhecer toda a discografia da dupla, ter acompanhado diretamente no site do Novas Frequências a apresentação em solo carioca, mas se você não estava lá, não será capaz de avaliar o grau de agressividade contida na apresentação. O som estava muito alto, e o grave chegava até a doer. Pra quem estava próximo ao palco, a sensação era muito parecida com um daqueles massageadores elétricos, fazendo seu corpo vibrar da garganta às pernas.
Na moral, tô apavorado até agora.
No final da apresentação, um camarada sacou de uma cartelinha de Tylenol, queixando-se de dor de cabeça, o que só fez aumentar ainda mais o meu fascínio pela dupla. Eu já tinha ouvido falar de pessoas que passaram mal em apresentações do Einstürzende Neubauten, nas primeiras performances do Swans, mas até então, nunca havia tido o privilégio de presenciar uma cena dessas: “ih, maluco! Tu tá na sequela do groove!”.
Por fim, subiu ao palco o Actress. Dono de um dos discos mais hypados do ano, o inglês começou com a platéia ganha, apresentando um set bem diferente do que foi visto no Rio de Janeiro. Posicionando-se no palco como uma aranha (com os braços bem separados e o peito quase colado na mesa), Darren J. Cunningham apresentou um set variado, mas sempre agressivo, ora Throbbing Gristle, ora minimal techno.
Ao final da apresentação, o Pole e o Hype William chegam juntos do Actress, que ainda não havia abandonado o palco. “Nossa, vai rolar uma jam! Que louco!”, a empolgação tomou conta do público, enquanto os rostinhos se iluminavam. Depois de uns três ou quatro cabos desconectados, o público se deu conta que não se tratava de uma jam, mas de três artistas desmontando os seu próprio equipamento.
Não eram nem dez horas quando estávamos subindo a Rua Augusta, sem correria pra pegar o ônibus ou o último metrô. Deu pra tomar uma cerveja sem pressa, botar o papo em dia e escolher qual seria o próximo rolê – o rolê de verdade, da meia-noite até o sol raiar.
Pra mim, o rolê acabou ali no bar. Voltei para casa, tomei mais algumas cervejas e repassei toda a discografia do Hype Williams, ainda sentindo meu corpo doer depois daquela surra de grave.
[…] surpreender mais uma vez em 2013. Se as edições de 2011 e 2012 já haviam sido sensacionais (leia a resenha da perna paulista de 2012), a de 2013 consegue unir nomes ainda mais […]