O ADEUS AO WALDEN

São Paulo comemorava 460 anos nesse sábado. O 25 de janeiro de 2014, apesar dos esforços da prefeitura em transformá-lo num dia de festa, havia pouco a comemorar, com manifestações e quebra-quebras, e principalmente com uma cidade entregue ao descaso, largada por anos e anos, décadas e décadas, de abandono da lógica social em prol de uma lógica de “desenvolvimento” a qualquer custo.

Crescimento desordenado, nenhum planejamento urbanístico (reforçado pelos rios de dinheiro circulando por baixo da terra pra molhar as mãos corruptas do poder público e autorizar empreendimentos onde fosse mais lucrativo), abandono do transporte público, grandes distâncias sociais, tudo contribuiu pro quadro desolador desses 460 anos.

O raciocínio do “desenvolvimento (privado) a qualquer custo” afeta não só a estrutura da cidade, como as áreas sociais: circulação, emprego, educação, segurança e, infelizmente, cultura. Há a Virada Cultural, um evento bem-intencionado no sentido de diminuir distâncias sociais de acesso à cultura, mas é bem pouco. Há quase nenhuma opção pra se divertir, incluindo cinemas – a maior rede do país está na cidade, porém com preços que podem chegar a cem reais a sessão, em salas cheias de frescurites. São Paulo não é viável e, antes disso, não é sequer equilibrada.

Pra quem gosta de shows, a cidade é uma inimiga. Dificulta ao máximo pros empresários e o público também não é tão vultoso como se quer crer. Não se cria público e quando se cria, não se faz nada pra mantê-lo, pra mimá-lo como consumidor. Poucas são as casas médias e praticamente nenhuma sobrevive dando espaço a bandas novas e à efervescência musical paulistana que tanto se alardeia. Na simbólica Rua Augusta, nenhuma casa tem um constante calendário que abrigue artistas novos. Não há espaço médio (pra público de 200 a 1000 pessoas) e as casas pra pequenos públicos vão definhando ou sobrevivendo abnegadamente (o maior exemplo é a Casa do Mancha).

Elas morrem, deixam de existir, como morreu agora o Espaço Cultural Walden, um inferninho bem localizado na Praça da República, ao lado do metrô, que tinha um calendário cultural e musical constante, que cumpria os horários informados e tinha preços acessíveis. Vivia, na maioria dos eventos, às moscas. Os artistas não ajudavam na divulgação e já cheguei a ir em eventos com apenas cinco ou dez presentes.

Era um bom local pra bandas novas tocarem, numa cidade que só abre espaço pro que é sucesso consolidado – nas redes sociais, nas rádios, nos jornais, nos grandes sites, na televisão.

Por outro lado, era uma casa pequena, com problemas de som e de conforto. Era preocupante quando enchia: só havia uma saída, escada acima. Entretanto, era uma das poucas que abria espaço pra tal efervescência musical que se encontra nos blogues e sites.

Sua trajetória, derrotada finalmente pela lógica cruel dessa São Paulo de 460 anos, encerrou-se nesse 25 de janeiro de 2014. Uma data simbólica. Morreu estrangulada pela falta de interesse.

E encerrou-se como sempre deveria ter sido: lotada, como se todos ali soubessem da importância do ato final. Novos e velhos frequentadores, se acotovelaram no pequeno porão pra ouvir o melhor disco do ano (segundo o Floga-se), numa performance da Herod prejudicada pelo calor intenso e pela qualidade terrível do som. A bateria estava mais alta do que todos os instrumentos, a guitarra de Lucas Lippaus se embolava com a de Sacha Ferreira, e vez por outra era possível identificar as belas paisagens sonoras do “Umbra”, o discaço da banda.

Durante uma hora, o público enfrentou o infernal calor, ficou ensopado de suor, e poucos arredaram o pé. As paredes pichadas celebravam os vinte e um meses que o Walden funcionou, recebendo mais de seiscentas bandas, como cicatrizes das suas tentativas de se firmar como um empreendimento viável.

Fosse sempre assim e acertando esses detalhes de conforto (pra banda e pro público), o Walden seria o sucesso que merecia – e que a cidade merecia. Fechou sua existência com a apresentação de um grande disco de uma banda modesta, um trabalho que não teve alarde na “grande mídia”, mas que precisa ser mostrado, que precisa encontrar palco – uma apresentação com a cara de uma casa como essa – e que agora terá menos opções ainda de aparecer, assim como tantas outras bandas, do Brasil afora.


Sim, em seu ocaso, a casa estava cheia. O público pra esse tipo de música (alternativa, fora dos holofotes da grande mídia) é pequeno, minúsculo, mas existe – e consome, quer consumir. Só não tem onde, ou tem cada vez menos opções.

Mas a culpa também é do público, desse mesmo minúsculo público, que não comparecia ao Walden, não comparece com frequência às (poucas) opções de música alternativa que a cidade oferece – e também da imprensa e das bandas, que não consomem os novos artistas que se exige que o público consuma com voracidade e que em tese “salvaria” locais como o Walden do fechamento.

É que a solução pra esse impasse consumidor versus produto versus consumo não é fácil, como nenhum problema nessa cidade o é. São Paulo e os paulistanos vão perdendo a batalha e vendo a cidade cada vez mais cinza, apagando as cores dessa ousadia que a música subterrânea e inovadora pode oferecer.

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