O nome dele é Alex Alekperov. Num longo relato à Fact (leia o original em inglês aqui – as fotos são todas tiradas do artigo original), conta como foram os anos em que ele foi o dono da loja oficial de discos do Azerbaijão, uma das “repúblicas socialistas soviéticas” de 1920 a 1991. Ele foi pros Estados Unidos nos anos 1990, trabalhou como programador de computador e na indústria farmacêutica, e nunca parou de tocar guitarra.
O Azerbaijão, cuja língua predominante é o turco, é a primeira república democrática cuja população é composta majoritariamente por muçulmanos. Um dos maiores ídolos do país é Garry Kasparov, o famoso campeão mundial de xadrez, mas a música se faz presente historica e internacionalmente, graças ao mugam e ao jazz mugam.
O relato Alex Alekperov, um tanto sem linearidade, está traduzido aqui:
“Eu era bem jovem, e ficava atrás de música ocidental nas rádios e com outras crianças. Ouvia os Beatles, os Rolling Stones, Elvis e Bill Halley – foi o começo, que eu encontrava no mercado negro de discos e fitas. Naquela época, o Irã estava sob comando do Xá, não dos Islamitas, então nós ouvíamos toda aquela música ocidental sendo transmitida pelas rádios do Irã. Tínhamos um piano e meus pais procuravam me dar alguma educação musical. Minha primeira professora era de acordeão, que eu não curtia.
Já tinha me apaixonado pelo rock, e quando a professora não quis me ensinar aquilo, comecei a aprender eu mesmo blues e rock no piano. Em 1968, fiz minha primeira guitarra elétrica. Não dava pra comprar uma guitarra elétrica, então peguei um pedaço de madeira, cortei no formato, coloquei um braço, e pus a parte elétrica de linhas telefônicas.
Voltei pra capital Baku, depois do serviço militar, e fui trabalhar numa loja de esportes. O chefão da loja viu no meu currículo que eu era músico e que toquei na banda militar em Moscou. Eles estavam abrindo um loja de discos e perguntou se eu queria assumir. Claro que concordei, porque não gostava do departamento em que trabalhava. Daí que por volta de 1976 abri minha primeira loja de discos. Ela se desenvolveu, chamou atenção, então eles decidiram me indicar pra loja especial sob o comando do Ministério da Cultura. Foi uma honra. Abrimos a loja em 1979 – e foi ao vivo na TV!
Era uma loja pequena. Tinha quatro departamentos – nacional, regional, música variada (pop e rock soviéticos), clássica, e todo o resto, incluindo música infantil. Tinha um balcão em cada departamento e uma moça atrás deles vendendo, com todos os discos atrás. Você podia pedir pra ouvir algo, escutava na vitrola, e se você gostasse, ia ao caixa e pagava.
A única gravadora da Rússia se chamava Melodiya, e era dirigida pelo Ministério de Cultura. Melodyia tinha apenas dezesseis lojas em toda a União Soviética, e cada república tinha uma loja na capital – havia uma em Tallin, na Estônia; uma em Tblisi, na Georgia; e a minha em Baku. Minha loja era como um ponto turístico. Nela, nós tínhamos um bocado de turistas.
Ela ficava em frente à Torre da Donzela, o ponto turístico mais visitado da cidade. Os turistas podiam visitar a Torre e depois a loja, e eles faziam isso. Dentro era bacana – gastamos muito dinheiro. O teto era de gesso, pintado com pequenos desenhos dos quinze instrumentos azerbaijanos. As pessoas tiravam fotos daquilo.
Fiz pesquisa e propaganda, e eu via nas revistas de todo o mundo como desenvolver minha loja. Fazíamos muitas vendas fora da loja – fui a todas as empresas na hora do almoço e botava os discos no saguão pra que as pessoas pudessem vir e comprar, facilitando pra elas. Estava em cada grande empresa de Baku ao menos uma vez por mês.
Meus amigos eram ligados no movimento hippie e no rock, mas não havia muitos jovens e apenas grupos específicos estavam interessados em música ocidental. A maioria das pessoas no Azerbaijão ouvia música local – mugam e azeri. Mugam é bem importante – é como o jazz, na verdade. Mas enquanto os russos ouviam música russa; e os georgianos, música da Geórgia; Baku era uma das cidades mais internacionais da União Soviética, e ouvíamos música ocidental. Em 1968, eram os Beatles e os Rolling Stones, The Doors e Canned Heat – a maioria bandas inglesas e estadunidenses. Comprávamos discos no mercado negro, domingo de manhã. Era caro – de 50 a 100 rublos, e 50 rublos era metade de um salário mensal do trabalhador naquela época! A gente gravava músicas das rádios e trocávamos fitas, a maioria da Invasão Britânica, como Beatles, e bandas americanas.
Havia um bocado de turistas chegando de outros países comunistas, como Romênia e Bulgária, pra comprar discos ocidentais – não porque eles não podiam achá-los nos seus países, mas porque eram mais baratos aqui. Isso porque todos os preços variavam de acordo com o que as pessoas ganhavam. Na União Soviética, as pessoas ganhavam 100 rublos por mês, e custava 1,45 rublos um disco de música clássica e 2,15 rublos os de música pop. Na Bulgária, o mesmo disco podia custar duas vezes ou mais.
Nunca conseguíamos os originais dos discos estadunidenses. Os únicos discos que legalmente podíamos ter era da gravadora estatal, a Melodyia. Em 1985, quando Mikhail Gorbachev relaxou a política, eles podiam prensar alguns discos com uma licença, como Paul McCartney e os Rolling Stones, mas não era o caso no começo. Às vezes recebíamos discos de outros países comunistas, como Hungria, Bulgária, Checoslováquia e Alemanha Oriental. Se a Rússia não quisesse comprar a licença, eles compravam os discos desses outros países, mas em pequenas quantidades, talvez cem, duzentas ou quinhentas cópias, pra uma cidade de um milhão de pessoas. Havia uma grande demanda por esses discos.
Eu não tinha muito contato com a Melodyia. Fui a conferências em Moscou (a 2.300 quilômetros de Baku), duas ou três vezes, uma vez por quase um mês de treinamento com todos os donos de lojas das outras quinze repúblicas. Conhecemos o pessoal da empresa, mas aquela foi a primeira vez que vi alguém de lá – não ajudou muito. Eu era encarregado do estoque – ia ao depósito e tomava as decisões sobre o que trazer pra loja. Sabia quais discos venderiam e quais não. Todos os discos vinham de Moscou, com um selo na capa dizendo ‘esse é bom’ em alguns discos e o preço um pouco mais alto. Mas na maioria das vezes eles não faziam ideia. Especialmente com música ocidental – alguns dos gerentes de lojas jamais haviam ouvido falar dos Rolling Stones, então eu ia ao depósito e pegava todas as cópias.
Não havia resistência do governo. Era algo positivo e novo que eles podiam informar às altas esferas. A cidade informava que algo legal tava rolando, e dizia que as pessoas estavam felizes.
Eu também tinha um bom relacionamento com todos os meus clientes. A lei pra minha equipe – eu tinha em torno de seis pessoas – era nunca dizer ‘não’ a um cliente. Mesmo se você não tivesse o disco que eles queriam, não podia deixar o cliente insatisfeito. Isso nos fez populares. Quando cheguei aos Estados Unidos, recebia um monte de ligações dos meus clientes que também migraram.
Tínhamos uma atmosfera diferente na loja. Tínhamos festas, músicos apareciam e realmente tentávamos fazer algo diferente, não só em termos de vendas de discos, mas pra atmosfera musical da cidade. BB King esteve aqui! Fiquei três horas conversando com ele e sua banda em 1979, quando ele excursionou pela União Soviética e tocou quatro dias em Baku! Ele era demais, e não acreditava que estava do outro lado do mundo e todos os ingressos tinham sido vendidos. Meu inglês era ruim, acho que usei linguagem de sinais, mas disse a ele que amava blues e cresci ouvindo. Uma das nossas garotas fez um pacote com quinze discos – russos, do Azerbaijão, jazz e clássico.
Clarence ‘Gatemouth’ Brown também apareceu – ele escreveu uma canção chamada ‘Near Baku’ depois dessa viagem – mas ele foi o único outro artista estadunidense. Todo mundo ia a Moscou, e Baku não estava na rota deles. Mas por conta do mugam e sua diversidade, muitos músicos daqui foram bem-sucedidos. E hoje Baku é um dos grandes locais pro jazz – todo ano eles fazem um festival com grandes músicos. Já tiveram performances de Herbie Hancock, Joe Zawinul e George Benson”.