Quando Suzanne Vega escreveu “Tom’s Diner” em 1981 não imaginava que mudaria a história da música.
É justamente essa canção (a capella, não a versão dançante que virou sucesso feita pela DNA, em 1990) que foi usada pelo cientista de áudio Karlheinz Brandenburg na criação do MPEG Audio Layer 3, ou MP3.
(Nota: pra quem não sabe, MPEG é abreviação de Moving Pictures Experts Group, conheça o projeto nesse site)
O engenheiro alemão não esconde de ninguém que usava as sutilezas na voz de Vega pra refinar seu codec e pra isso ouviu centenas de vezes a canção.
Usar “Tom’s Diner”, uma canção baseada apenas na voz e no silêncio, caiu sob medida por um lado, mas não permitiu perceber o tamanho das perdas que tal compressão dava aos arquivos finais.
Ryan Maguire, um aluno de composição e tecnologia da computação da Universidade de Virgínia, Esteites, como quase todo mundo, sabe que são muitas essas perdas.
Ele diz: “o MP3 tornou-se um formato de arquivo de áudio digital quase onipresente. Publicado pela primeira vez em 1993, este codec implementa um algoritmo de compressão com perdas baseado em um modelo de percepção do ouvido humano. Testes de audição feitos por e destinados principalmente pra homens ocidentais, e usando a música que eles gostavam, foram usadas pra refinar o codificador. Estes testes determinaram quais sons eram perceptivelmente importantes e quais poderiam ser apagados ou alterados, sem ser notados. Quais são esses sons perdidos? Eles são sons que o ouvido humano não pode ouvir em seu contexto original, devido a limitações de percepção universais ou são simplesmente detritos de decodificação? É comumente aceito que o MP3 cria artefatos sonoros, tais como pré-eco, mas como soa essa música que o codec exclui?”, ele pergunta em seu site “The Ghost In The MP3”.
No seu trabalho ali apresentado, ele utiliza a mesma “Tom’s Diner” de Suzane Vega pra, a partir de técnicas criadas e desenvolvidas pra recuperar os sons perdidos pela decodificação MP3, reformular esses sons e transformá-los em… arte.
São os fantasmas do MP3.
Ao resultado final, deu o nome de “moDernisT”, uma corruptela de “Tom’s Diner”.
Diz ele, no site: “‘moDernisT’ foi criado recuperando os sons perdidos pela compressão MP3 da música ‘Tom’s Diner’, famosa por ter sido usada como teste de audição no desenvolvimento do algorítimo de codificação do MP3. Aqui, pegamos a canção intacta, mas os detalhes são apenas resquícios da original”.
O que se ouve em “moDernisT” é uma canção fantasmagórica, com os mesmos dois minutos da original. São ruídos adornados pelas terminações da expressão vocal de Vega, que também é ouvida – e Brandenburg tinha noção que um bocado da voz dela era perdida na compressão, só não queria fazer da voz dela algo “horroroso”.
Você pode ouvir o resultado aqui:
Mas no site há muito mais. Ele explica passo a passo como chegou lá. Exemplifica por versos da canção e outros detalhes mais. Vale ler, clicando aqui ou clicando aqui.
Uma boa entrevista com Maguire pode ser lida aqui.
Vale lembrar que o MP3 é o grande vilão dos audiófilos, mas não é o único. Perdas acontecem naturalmente, pelo meio ambiente, e também pelos meios utilizados pra audição – depende dos fones de ouvido, das caixas de som, de fios, da limpeza, da capacidade de audição do ouvinte etc.
A compressão MP3 não é a única, mas ela só mudou o modo de nos relacionarmos com a música porque torna os arquivos muito mais leves, numa época – as décadas de 1990 e 2000 – em que os dispositivos, computadores, tocadores e celulares tinham pouca capacidade de armazenamento, algo que os anos 2010 e o futuro já se mostram mais amigáveis – mas a essa altura, com o avanço dos serviços de streaming, em que a qualidade é ainda mais desprezada, o MP3, pro ouvido médio, já parece ser de bom tamanho.
E, afinal, o termo “compressão” já diz tudo: não vai caber a totalidade no espaço que se propõe. Alguma coisa se perde.
E Ryan Maguire fez exercício semelhante com a compressão de vídeo MP4, pro vídeo da mesma música. Veja e compare:
“Tom’s Diner” foi lançada originalmente na edição de janeiro de 1984 da “Fast For Musical Magazine”, uma mistura de revista com disco. Mas apareceu no segundo disco da cantora, “Solitude Standing”, de 1987, com duas versões, a usada por Karlheinz Brandenburg e uma instrumental, que você ouve abaixo:
A versão de maior sucesso, feita pelo DNA, foi lançada em 1991 e você conhece bem:
Abaixo, a letra da música, se você quiser acompanhar a explicação de Maguire nos versos em que ele cita:
I am sitting
In the morning
At the diner
On the corner
I am waiting
At the counter
For the man
To pour the coffee
And he fills it
Only halfway
And before
I even argue
He is looking
Out the window
At somebody
Coming in
“It is always
Nice to see you”
Says the man
Behind the counter
To the woman
Who has come in
She is shaking
Her umbrella
And I look
The other way
As they are kissing
Their hellos
I’m pretending
Not to see them
And Instead
I pour the milk
I open
Up the paper
There’s a story
Of an actor
Who had died
While he was drinking
He was no one
I had heard of
And I’m turning
To the horoscope
And looking
For the funnies
When I’m feeling
Someone watching me
And so
I raise my head
There’s a woman
On the outside
Looking inside
Does she see me?
No she does not
Really see me
Cause she sees
Her own reflection
And I’m trying
Not to notice
That she’s hitching
Up her skirt
And while she’s
Straightening her stockings
Her hair
Is getting wet
Oh, this rain
It will continue
Through the morning
As I’m listening
To the bells
Of the cathedral
I am thinking
Of your voice…
And of the midnight picnic
Once upon a time
Before the rain began…
I finish up my coffee
It’s time to catch the train