Enquanto a torcida italiana entoa há mais de uma década o grande sucesso do White Stripes, “Seven Nation Army”, os irlandeses do norte arrumaram um outro e vibrante hino pra embalar sua seleção na Eurocopa 2016.
Mas, antes, vamos voltar a 22 de outubro de 2003, sete meses depois do lançamento oficial do single do White Stripes (7 de março, pra promover o quarto álbum da banda, “Elephant”): o Milan receberia o Club Brugges, da Bélgica, no San Siro, pela primeira fase da Liga dos Campeões da Europa, o mais importante campeonato interclubes do continente.
O Milan havia sido campeão da competição em 2002/2003, numa emocionante disputa por pênaltis com os italianos da Juventus. A torcida estava numa empolgação só, mas os belgas não só venceram a partida por 1 a 0, como sua torcida já havia tomado os bares da cidade cantando uma versão empolgante de “Seven Nation Army”, a “música do ‘po po po po po po po'”.
Apesar da derrota, os torcedores italianos passaram a entoar também a canção pra empurrar o Milan e, com o sucesso da música, a coisa ampliou. Até chegar a Copa do Mundo de 2006, quando a Itália conseguiu seu quarto título (também nos pênaltis, sobre a França). Os comandados de Marcello Lippi tomaram as ruas de Roma em comemoração e a música virou o hino não-oficial da vitória. Daí em diante, ela faz parte das arquibancadas por onde a Azzurra jogue. Os brasileiros ouviram “Seven Nation Army” na Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
Jack White chegou a comentar o fato: “nada é mais bonito do que quando as pessoas tomam a melodia pra si e a permitem entrar no panteão da música popular… como compositor, isso é algo impossível de prever”.
O mesmo poderia dizer Gala Rizzatto, coincidentemente, uma italiana. Ela vendeu milhões de cópias do seu disco de estreia, “Come Into My Life”, lançado em 1997. Nele, havia um single também bom de vendas (em âmbito mundial), “Freed From Desire”, mas como qualquer eurodance, era descartável e não sobreviveu ao tempo. Outras músicas vieram pra tomar os lugares mais altos das paradas de sucesso.
“Freed From Desire”:
Mas há algo na relação da música com as pessoas que está acima de qualquer análise de qualidade e importância artística: a memória afetiva. Foi isso que fez, vinte anos depois, Sean Kennedy, um anônimo torcedor do Wigan Athletic, time da terceira divisão inglesa (a League One), adaptar a canção pra se tornar o hit mais divertido da Eurocopa 2016, que começou em 10 de maio.
Fanático, como quase todo torcedor inglês, ele superlativou o feito do atacante do seu time, Will Grigg, que terminou a temporada 2015/2016 como artilheiro da League One, com 25 gols. O time, campeão, subiu pra segunda divisão (a Championship), o que obviamente o deixou ainda mais entusiasmado. Pra comemorar, pegou o sucesso de Gala, modificou a letra, e a transformou em “Will Grigg’s On Fire”. Veja o original:
Daí, em 31 de maio, o duo Blonde, de Bristol, Inglaterra, pegou o vídeo de Kennedey, meteu uma base dançante e logo era um dos singles mais vendidos no iTunes (com renda revertida totalmente pra caridade):
“Só sentei ali e fiz um vídeo caseiro – fiz vários antes desse – e pegou em todo mundo”, disse Kennedy ao Daily Mirror. Jacob Manson e Adam Englefield, o duo que compõe o Blode, trabalhou com o vocalista Zak Abel, e lançou com o codinome DJ Kenno, pra dar um crédito a Kennedy (“Kenno” como diminutivo de “Kennedy”).
A versão dançante completa ganhou uma letra própria, além do refrão do fã, especialmente pra Euro 2016: “Will Grigg is always scoring / The Northern Irish beast / From Wigan, to the Euro’s / To play in white and green / 28 this season / He’s on the plane to France / And when he gets the winner / We’re gonna sing and dance”.
A ponte faz referência aos gols que ele marcou e que a torcida da Irlanda do Norte torce pra que se repitam: “He will score goals / Will will score just more and more / He will score goals / He will score them all”.
E termina no refrão absolutamente pegajoso: “Will Grigg’s on fire / Your defence is terrified” (Will Grigg tá demais / sua defesa está morrendo de medo”).
Ouça a versão completa:
Acha que é exagero? Então dê uma olhada nos torcedores norte-irlandeses na França, reagindo ao hit:
How good is this though. You just gotta love Wigan. WILL GRIGG'S ON FIRE #wafc pic.twitter.com/4KQdzunKRn
— JN (@JNorman_FFC) 9 de maio de 2016
Ao contrário de “Seven Nation Army”, “Freed From Desire” não entrou no panteão da música popular. Pelo contrário. Pouca gente lembraria dela, não fosse a brincadeira do torcedor do Wigan. Tem aí uma segunda chance.
Will Grigg foi convocado pra Seleção da Irlanda do Norte, mas é reserva. Não é nenhum Pelé. Mesmo do banco, ouve a torcida cantando seu nome. Ele é pop como nunca. Pode durar pouco, mas a música pop é assim: nos diverte e passa rápido, até a próxima grande parada, até o próximo golaço.