As descobertas da arqueologia também reverberam no mundo da música. Não faz muito tempo, a humanidade conheceu aquela que é a mais antiga música criada e decifrada da história.
Agora, nas cavernas a sudoeste da Alemanha, os arqueólogos descobriram os primórdios da música e da arte, pelos primeiros seres humanos modernos, que migraram da África e Ásia pra Europa. Novas evidências mostram que tais instrumentos musicais são os mais antigos conhecidos do mundo. São flautas feitas de ossos de aves e de marfim de mamute. E mais: esses instrumentos são mais antigos dos que se imaginava.
Cientistas liderados por Thomas Higham, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, relataram que testes de radiocarbono mais avançados determinaram que ossos de animais encontrados com as flautas datam de 42 mil a 43 mil anos de idade. Esta é perto do tempo em que os primeiros humanos anatomicamente modernos foram se espalhando pela Europa Central, presumivelmente ao longo do vale do rio Danúbio.
Os testes anteriores tinham apontado datas de 35 mil anos atrás pra artefatos como flautas e estatuetas de marfim de mulheres voluptuosas, em várias cavernas perto de Ulm, na Alemanha, e nas cabeceiras do Danúbio. A flauta de osso mais bem preservada tem cinco orifícios pros dedos, e foi recolhida na caverna Hohle Fels (que quer dizer “pedra oca” em alemão). As cavernas ficam nos Alpes Suábios, uma escarpa de algo em torno de duzentos quilômetros de extensão, cujo centro turístico fica a sessenta e cinco quilômetros a sudoeste de Ulm e setenta ao sul de Stuttgart.
Já a nova análise foi feita em materiais encontrados próximos à caverna Geissenklösterle, ainda nos Alpes Suábios, mas apenas a vinte quilômetros a oeste de Ulm, numa pequena e aprazível cidade de doze mil habitantes, chamada Blaubeuren. Essa proximidade faz parte da lógica de roteiro de migração.
O local é crucial pros debates sobre a transição do Paleolítico Médio pro Paleolítico Superior na Europa, e as origens do Período Aurignaciano, que vai de 35 mil a 45 anos atrás. A Vênus de Schelklingen, ou Vênus de Hohle Fels, também encontrada ali, é desse período. A datação prévia do local é central pra uma importante hipótese, o modelo Kulturpumpe, que postula que os Alpes Suábios foram cruciais pro desenvolvimento cultural e dali a arte se expandiu pra outras partes da Europa.
A cronologia anterior, que se opõe ao modelo, é baseada principalmente em datação por radiocarbono, mas permanece com pouco alcance por uma gama de motivos. Os cientistas resolveram o problema utilizando uma nova série de determinações de radiocarbono. Os novos resultados sugerem fortemente que as datas conseguidas antes foram afetadas pela descontaminação insuficiente do colágeno ósseo antes da datação. Eles usaram um novo protocolo de ultrafiltração e chegaram a um resultado mais preciso.
Assim, sublinhou-se a importância do Corredor do Danúbio como uma rota chave pro movimento de pessoas e ideias. Os novos resultados sugerem que os Alpes Suábios são uma região que contribuiu significativamente pra evolução do comportamento simbólico, como indicado pela evidência da arte figurativa, música e imagens míticas.
Alguns estudiosos demoraram a aceitar os primeiros relatos de uma flauta com 35 mil anos na avaliação do tempo e de definição de mudanças culturais decorrentes da chegada do Homo sapiens, que viriam a substituir os neandertais nativos 30 mil anos atrás. A explicação: definir por radiocarbono idades maiores que 30 mil anos pode não ser confiável.
As novas descobertas, publicadas no The Journal Of Human Evolution, “são consistentes com uma vasta gama de inovações que vêm do Alto Danúbio”, disse Nicholas J. Conard, arqueólogo da Universidade de Tübingen, na Alemanha, em um e-mail ao The New York Times. Dr. Conard, um dos autores do relatório, foi o escavador dos artefatos em várias das cavernas.
Depois de várias descobertas de pedaços de flautas, amostras de arte figurativa e decoração nas cavernas, Dr. Conard disse que as novas datações apoiaram a hipótese de que o Danúbio era “um corredor chave pro movimento de humanos e inovações tecnológicas pra Europa central, entre 40 mil e 45 mil anos atrás.”
Se as novas datas estão corretas, de acordo com os cientistas, os humanos modernos migraram pela região do Alto Danúbio, fazendo música, antes da fase extremamente fria da Era do Gelo, 39 mil anos atrás. Na cronologia baseada em datas mais jovens pras flautas, imaginava-se que os humanos modernos tinham esperado um tempo menos gelado antes de seguir através do Danúbio.
Se a ciência tem como “música mais antiga” descoberta uma obra talhada em pedra de 1400 a.C., é bem provável que se descubra algo ainda mais antigo, diante desse novo achado, afinal a música, como comunicação, expressão ou diversão, é bem mais antiga do que se imaginava.