A maior parte do Oasis subiu ao palco do Royal Festival Hall, em Londres, no dia 23 de agosto de 1996. O local escolhido pela MTV tem capacidade pra quase três mil pessoas e foi construído em 1948. Apesar de ter setenta anos de idade (cinquenta à época), ainda se mostra moderno, como era na inauguração – embora o Royal não tenha sido a primeira escolha do canal, e sim o Roundhouse, a mudança aconteceu de última hora, sem maiores explicações.
A banda estava acostumada a todo tipo de palco e plateia. Em 1996, já era a grande banda pop do mundo, batendo de frente com o Blur. Havia lançado o preciso “Definitely Maybe”, em 1994, arrancando suspiros da imprensa; e mais recentemente o beatlemaníaco “(What’s The Story) Morning Glory?”, em 1995, do qual a imprensa e o público também morreram de amores. “Wonderwall” e “Don’t Look Back In Anger” estavam em altíssima rotação nas rádios ao redor do mundo. O Oasis era a banda.
Mas quando Noel Gallagher tomou o microfone diante da plateia do Royal Festival Hall, após uma efusiva e longa sessão de palmas na entrada do grupo, anunciou algo inusitado: “Boa noite… Err… Liam não estará conosco esta noite porque ele tá com uma dor de garganta. Então, vocês vão ter que aturar os quatro feiosos aqui”. Não deu tempo pra reações e já emendou as primeiras notas de “Hello”, que abria também o disco mais recente.
Noel assumiria os vocais naquela noite porque Liam mostrava um ímpeto não-profissional mais exacerbado. Ele estava no local. A câmera da MTV o filmaria algumas vezes e no balcão acima da plateia, vendo a apresentação, não parecia estar acometido por doença alguma, muito menos na garganta, já que fumava e bebia cerveja como se não houvesse amanhã.
Um pouco antes, durante passagem de som e ensaios, Liam estava ali, cantando. Mas não tinha condições: estava caindo de ressaca por conta de uma bebedeira, e sua cara não era nada apresentável na tevê.
Os irmãos tiveram uma discussão e chegou-se em pensar num adiamento ou até mesmo no cancelamento.
O Acústico MTV era um tanto como o Everest do reconhecimento naqueles dias: difícil de ser convidado e uma glória de ser conquistado. Garantia credibilidade e audiência ampla pra quem resolvesse aceitar o convite, porque era uma exposição livre de toda aquela superprodução que vinha ganhando força com plugins e computadores de edição desde a virada da década anterior. E por isso mesmo os críticos musicais ingleses estavam ansiosos pra ver como o Oasis ia se sair num formato sem guitarras elétricas, plugues e sem ajustes de estúdio e pós-produção.
No grande dia, não apenas Noel teve que assumir a frente da banda, como a própria formação em si era um mistério. Na hora H, o palco foi preenchido por uma seção de cordas e metais, e pelo acréscimo do tecladista Mike Rowe e de Mike Feltham, na harmônica. Como se sabe e se ouve até hoje, aquela foi uma das mais criativas e expressivas apresentações do Oasis. Liam, ali de seu assento preferencial, com a esposa à época Patsy Kensit e alguns amigos, talvez devesse ficar preocupado, afinal era claro que o Oasis podia prescindir dele. Naquela formação, com Noel à frente, Liam podia ser visto como o falastrão encrenqueiro que realmente era.
Ian Renwick, porta-voz do canal, chegou a dizer à Reuters que a emissora estava “muito desapontada” com as atitudes do cantor.
Mas não. A MTV tratou de acalmar suas preocupações. A emissora hesitou em transmitir o show com um Oasis sem sua figura de frente, mas acabou fazendo, mesmo que com atraso. Os fãs ingleses tiveram que esperar até 4 de novembro daquele ano pra ver a exibição, um pouco depois que o programa foi ao ar nos Esteites.
A direção do especial ficou com Milton Lage, homem de carreira na MTV e responsável por muitos Acústicos (há uma documentário de 2001 com um apanhado geral dos programas que ele dirigiu, chamado, claro, “Unplugged”). A direção segue um padrão etiquetado do programa: fotografia escurecida, câmeras que circulam o palco e algumas tomadas da plateia. Nada de excepcional ou novo. Vendo hoje em dia, aparenta até mesmo mais envelhecido do que seria natural numa produção que já bate mais de duas décadas.
Na plateia, pessoas que ganharam ingressos em promoções e competições de jornais e rádios londrinos. Houve certa controvérsia com os fãs de Manchester, que quase não tiveram acesso a esses concursos, porque ficaram confinados aos veículos da capital e região. Só que os fãs da cidade do Oasis se sentiram renegados justamente no momento mais importante e foram eles que estiveram com a banda desde o início. Em tempos sem o rastro de pólvora das redes sociais, não foi possível fazer o barulho polêmico que eles gostariam.
Além da própria performance em si, um marco na carreira do Oasis, o que a audiência acabou presenciando foi o “desabrochar” do Noel como linha de frente da banda. Num grupo de rock, raramente as pessoas prestam atenção pra além do vocalista. O guitarrista é a segunda opção nas atenções. Não era exatamente o caso do Oasis, porque os irmãos sempre tiveram as lentes viradas pras suas declarações nada convencionais. Mas naquele momento Noel mostrava-se o coração, o cérebro e a voz da grande banda da década. E saía-se muito bem.
Noel sabia que não podia contar com mais ninguém, a não ser ele mesmo, pra pensar no futuro da banda. Ele sempre foi o autor e compositor de todas as músicas e havia deixado isso mais acentuado no episódio “Unplugged”. Só que tinha também o próximo disco.
Um pouco antes da apresentação, ainda em maio de 1996, Noel saiu de férias pra paradisíaca Ilha Mustique, em São Vicente e Granadinas, no Caribe – lugar de ricos, muito ricos. Ele ficou hospedado na casa que Mick Jagger tem lá.
Nesse período, Noel passou escrevendo o que viria a ser “Be Here Now”, disco laçado em 1997. “Depois de duas semanas compondo, Noel ligou para Owen Morris e pediu a ele que trouxesse seu gravador de oito canais e uma bateria eletrônica pra gravar algumas demos“, escreveu a Q Magazine, em setembro de 1997. Noel nunca havia gravado demos, mas achava que precisava daquilo. “No avião”, segue a revista, “o produtor calculou que se conseguisse duas novas músicas já seria algo. ‘Mas, então, na primeira noite, Noel me mostrou quinze músicas’, lembra Morris. ‘Depois, passamos uma semana, da manhã até as sete da noite, neste chalé perto do aeroporto – e é de lá que vem o avião que se ouve em ‘D’You Know What I Mean?’ É fácil com Noel porque você toma decisões no ato – pique isso, enfie isso, acrescente aquilo. Overdubs de guitarra e backing vocals também. A fita de Mustique é incrível, muito legal, embora pareça uma merda por causa da caixa de bateria. E era o álbum, apesar de algumas músicas terem sido descartadas e ‘Magic Pie’ ter sido adicionada mais tarde. As letras, a maioria dos arranjos e a ordem de execução foram ordenadas em Mustique também. Ele tem colhão aquele homem. Ele fez tudo naquelas semanas de trabalho”.
Noel chegou ao “MTV Unplugged” já pensando em desenrolar o futuro, com “Be Here Now” na cabeça. Não seria o não-profissionalismo do irmão que o impediria de cumprir seus compromissos. Por outro lado, era com Liam que os fãs haviam se comprometido e suas polêmicas rendiam holofotes generosos pro Oasis. Não se pode negar essa força. Eis, talvez o motivo, dele ter ficado satisfeito ao ouvir a plateia do Royal Festival Hall suplicar pela presença de Liam no palco. Liam foi ao palco, acenou displicentemente pra plateia, bateu as mãos nas teclas do piano, acenou de novo e, cambaleando, saiu de cena.
Exatamente o retrato do fim do Oasis muitos anos depois.
Aqui você ouve o programa na íntegra, em ótima qualidade, como lançado em CD depois:
01. Hello
02. Some Might Say
03. Listen Up
04. Live Forever
05. The Masterplan
06. Don’t Look Back In Anger
07. Talk Tonight
08. Morning Glory
09. Round Are Way
10. Cast No Shadow
11. Whatever
12. Wonderwall
E aqui você assiste ao programa (que não está na íntegra, há partes só com áudio e há outra disposição das músicas):
01. Hello
02. Some Might Say
03. Live Forever
04. The Masterplan
05. Don’t Look Back In Anger
06. Talk Tonight
07. Morning Glory (Audio)
08. Round Are Way (Audio)
09. Cast No Shadow (Audio)
09. Wonderwall (Audio)
10. Listen Up
11. Whatever