OS BASTIDORES DO VÍDEO DE “BILLIE JEAN” – UM TOQUE DE MIDAS

Steve Barron começou como começam quase todos em qualquer profissão: “por baixo”; no caso, assistente de câmera, um nome chique de quem servia chá pra quem de fato operava os equipamentos. Apesar disso, o começo foi em produções de diretores renomados, como “Os Duelistas”, a estreia de Ridley Scott em 1977; “Uma Ponte Longe Demais”, filme do mesmo ano de Sir Richard Attenborough; e até mesmo no “Superman” de Richard Donner, lançado em 1978, trabalho pelo qual ele sequer foi creditado.

Mas isso demorou pouco. Bem pouco. Em 1978 e 1979, ele já estava dirigindo vídeos pro The Jam, “Strange Town”, “When You’re Young”, “Going Underground” e “Dreams Of Children” (os últimos três em 1979), graças à aproximação com Paul Weller e por circular com gente como Siouxsie Sioux e companhia.

Não eram peças visuais muito animadoras. Mas o convívio com Paul Weller o levou a dirigir outros clipes, como “Time For Action” e “My World”, do Secret Affair; e “Antmusic”, do Adam & The Ants.

O estilo cinematográfico caía bem à premissa da recém-nascida MTV e daí foi um pulo pra Barron chegar a outros clipes e faixas famosas.

Só em 1981 e 1982, ele dirigiu uma lista enorme de grandes sucessos – na MTV e nas rádios: “Don’t You Want Me” e “Love Action”, ambas do The Human League; “Penthouse And Pavement”, do Heaven 17; “Promise You A Miracle”, do Simple Minds; “Maid Of Orleans”, do OMD; “Hold Me”, do Fleetwood Mac; os megasucessos “Africa” e “Rosanna”, do Toto; “Steppin’ Out”, “Real Men” e “Breaking Us In Two”, de Joe Jackson; e já em 1983, “Pale Shelter”, a música que lançaria o Tears For Fears; “Burnin’ Up”, de uma pulsante estrela chamada Madonna.

No meio de tanta atividade, no final de 1982, Barron recebeu o convite que mudaria a vida dele. Ele ficara no radar por conta do vídeo de “Don’t You Want Me”, do The Human League, que atingiu o topo da parada inglesa, e quando o chamaram pra fazer um vídeo pra Michael Jackson, não se empolgou muito. “Jackson não estava na boca de todos”, admitiu pro The Telegraph, em 2014. “Lembro que o convite veio alguns meses antes de ‘Thriller’ ser lançado. Havia, claro, uma magia aparecendo em Michael Jackson, mas eu tava mais empolgado com coisas como o Human League. Minha esposa estava grávida do nosso primeiro filho e minha reação inicial foi do tipo ‘ah, não creio que consigo fazer esse trabalho’. Não era nada do tipo ‘eu tenho que pegar esse trabalho’. Foi minha esposa que me convenceu a aceitar”.

Barron nasceu em 4 de maio de 1956, em Dublin, na Irlanda, e tinha menos de vinte e sete anos quando recebeu o convite. Estava mais pra um admirador do punk e do nascente pós-punk e dos new romantics do que de qualquer coisa que viesse dos Esteites. Sua mãe, Zelda, foi diretora de cinema. Seu pai, Ray, um ator. Steve não queria nada com aquilo, a princípio. Chegou a largar os estudos pra tentar ser jogador de futebol, mas a vida noturna dos pubs e sua predileção pela música eram incompatíveis com a vida de atleta.

“A música era o que realmente me interessava. Saindo com o pessoal do The Jam e da Siouxsie And The Banshees, a gente invariavelmente acabava no Speakeasy Club (famoso lugar de shows em Londres), então minha vida social girava em torno da música e não do cinema, ou dos esportes”, disse em entrevista ao mesmo The Telegraph. “O pessoal das bandas eram meus amigos e todos eles estavam curiosos sobre meu trabalho em grandes filmes. Não havia quase ninguém que trabalhasse com música e cinema. Não havia de fato uma integração. De repente, eu vi uma ponte pra isso, mesmo que eu estivesse só iniciando no cinema, afinal o pessoal da música não via diferença entre ser assistente de câmera e um diretor de cinema. Então, meio que falaram: ‘você pode fazer pra gente um desses filmes que você faz aí?”.

O primeiro clipe que Barron dirigiu foi de “Another Girl Another Planet”, do The Only Ones. Mas a amizade com o The Jam, uma banda que estava se tornando realmente grande, é que fez o diretor dar o salto na carreira. “No começo, eu não era de fato amigo deles. Estava tentando filmar o dia no Reading Fesatival em que eles eram os headliners, então encontrei o agente da banda e fizemos uma filmagem. O Jam estava ciente de que eu estava tentando juntar essas coisas, música e filme. Na época, o que eu estava produzindo não era chamado de vídeos; eles foram chamados de filmes promocionais. Lembro-me de ter mudado entre 1978 e 1980. No começo, as bandas estavam dizendo ‘compre um desses filmes promocionais’ e, de repente, era um caso de ‘compre um desses vídeos’. Foi então que o videoclipe nasceu”.

Michael Jackson havia visto o vídeo de “Don’t You Want Me” e se encantado com a cinematografia. O empresário de Jackson queria que o vídeo fosse mágico, não queria um “videoclipe com história”, mas que fosse um “pedaço de um filme”, uma peça cinematográfica. Esse era o briefing. Não era muita coisa.

Quem trabalha com publicidade sabe que o pedido de “criatividade” sempre vem atrelado a pouco dinheiro. Nesse caso, não foi diferente. Havia cinquenta mil dólares de orçamento. Pra se ter uma ideia, “Beat It”, filmado pouco mais de um mês depois de “Billie Jean”, custou trezentos mil dólares; e o vídeo de “Thriller”, a faixa-título que ganhou tratamento realmente cinematográfico e de curta-metragem, chegou a dois milhões de dólares.

Outra comparação: “Don’t You Want Me” foi filmado em 35mm, o tipo de filme utilizado nas produções de Hollywood. Pra “Billie Jean”, com tal orçamento, Barron teve que recorrer ao 16mm, mais utilizado em produções de baixo orçamento, independentes e de curta metragem.

“A inspiração veio de uma ideia que tive pra um vídeo anterior de Joan Armatrading: o lance do ‘toque de midas’. O plano era que por onde Michael Jackson passasse, tudo virasse ouro. Escrevi o conceito e mandei um fax pro Michael e a resposta foi que Michael havia adorado, mas ele queria se sentir como um Peter Pan”.

Então, Barron se encontrou com Michael Jackson. “Ele era doce, super quieto, super tranquilo, e bastante interessado sobre o que eu planejava filmar, até pareceu bastante interessado em saber mais sobre mim”.

O próximo passo era fazer os storyboards (que são desenhos que decupam as cenas do roteiro). Quando Barron os mostrou a Jackson, havia dois quadros sem nada, um pedido do empresário do cantor, que era o espaço onde Jackson dançaria à vontade. “Michael estava até praticando em frente ao espelho”, contou.

“Contei a Michael a ideia desse paparazzo que o segue, que era levemente baseado no que ele me disse ser o conceito básico da canção: algo que ele leu num jornal sobre um detetive particular”. “Billie Jean”, ao que consta, é uma “homenagem” às groupies que seguiam Michael desde a época do Jackson Five, quando ele ainda era um guri.

O problema do “toque de midas” era o orçamento baixo. A grana não permitia que todos os ladrilhos se acendessem como planejado, e Barron teve que se desculpar com Jackson e dizer em quais quadrados ele deveria andar e dançar, uma inconveniência que Jackson levou – literalmente – no pé. Assim, o clima de improviso acabou respingando também no astro principal. A dança de Jackson foi improvisada.

De qualquer forma, Barron ficou impressionado com o que viu. “Billie Jean” era o primeiro vídeo promocional do disco e a gravadora, a CBS, não queria liberar mais verba (custaria mais cinco mil dólares, ou dez por cento do orçamento original), de modo que Jackson compreendeu que aquela era a ideia que dava pra ser realizada, a despeito do que ele realmente queria fazer. Por exemplo: Jackson queria que os manequins da loja de ternos ganhassem vida e dançassem com ele. Não foi possível, por falta de verba.

“Não há nada como aquele momento em que ele de fato dançou. Ele está na ponta dos pés girando e eu estou olhando pra essa criatura sobre-humana através da câmera e ela estava fervendo com intensidade. Assim que desliguei a câmera no final da tomada e estava… uau! UAU!”, descreveu.

“Eu havia dito pra ele um dia antes de começar a filmar quais os quadrados iriam acender e que desse modo ele não poderia ir e dançar onde quisesse”. Mas Michael não ensaiou, pelo menos não com o diretor. Barron estava ansioso pra descobrir o que sairia dali.

“Quando o refrão se aproximou, ele começou a mover a perna um pouco mais e então o refrão veio e ele pulou nessa dança que era diferente de tudo que eu já tinha visto. Foi simplesmente extraordinário, instintivo. Ele juntou tudo e transformou no que vimos. Ele ferveu tudo. A câmera literalmente embaçou, a ocular subiu por causa do calor. Ele quase desapareceu em uma névoa através da lente, o que a tornou ainda mais parecida com um momento totalmente surreal. Uau!”.

Michael ajudou na montagem do filme, que aconteceu em Londres. Escolheu tomadas e especialmente a parte da dança que é montada com a tela dividida. Parecia tudo bem. Mas não. “Lembro que, umas duas semanas depois, ouvi dizer que a MTV não ia passar ‘Billie Jean’. Eles justificaram dizendo que não era a audiência deles. Então, ouvi que a CBS ligou furiosa pra MTV: ‘como esse baita disco de sucesso, com esse vídeo incrível, e esse artista enorme não é sua audiência, então quem é sua audiência?’. A resposta é que eles representavam aquela América mediana. Não acho que ‘branco’ ou ‘negro’ foi usado alguma hora. MTV estava bem no começo. A emissora não sabia o que era, não sabia o que iria se tornar, e certamente não fazia ideia que Michael Jackson iria se tornar a MTV. Eles estavam lutando contra aquilo que faria deles o império que se tornaram”. A MTV achava que “música negra” não era “rock” o suficiente, não era “jovem” o suficiente pro estadunidense médio. Mas “Billie Jean” quebrou essa barreira. Se tornou o primeiro clipe de um artista negro a rodar com regularidade na televisão.

Barron conta essa história por trás do clipe no seu livro “Egg’ n’ Chips & Billie Jean: A Trip Through The Eighties”, lançado em 2014, pela CreateSpace Independent, sem tradução pro Brasil. Há um site sobre o livro, que pouco informa, pra quem tiver curiosidade.

Depois do sucesso de “Billie Jean”, vídeo e música, Barron decolou sua carreira pra uma altura maior e com mais ousadia. Ele filmou clipes importantes como “Money For Nothing”, o hipersucesso da MTV, que rendeu rios de dinheiro do Dire Straits, em 1985; trabalhou com Supertramp em “Cannonball” (1985), Paul McCartney em “Pretty Little Head” (1986); ZZ Top, “Rough Boy” e “Sleeping Bag” (ambos de 1986); David Bowie, em “As The World Falls Down” e “Underground” (ambos de 1986); e uma série de vídeos pro A-Ha, que ajudou a fazer a banda explodir pelo mundo, incluindo o inovador “Take On Me” (1985), que misturava animação e real action.

Mais do que isso: Barron foi pro cinema literalmente. Estreou na direção com “Amores Eletrônicos” (“Electric Dreams”, de 1984) e conseguiu bater recordes de bilheteria com o independente “As Tartarugas Ninja” (“Teenage Mutant Ninja Turtles”, de 1990), que rendeu mais de duzentos milhões de dólares. Produziu outra série de filmes e dirigiu outros tantos, embora nenhum com relevância artística.

O vídeo de “Billie Jean” talvez seja a sua grande contribuição atrás das câmeras, pelo significado que teve na carreira de Michael Jackson, no nascimento da MTV e por sedimentar com seu toque de midas a força dos videoclipes.

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