OS CEM ANOS DE ADONIRAN BARBOSA

Era 6 de agosto de 1910. Valinhos, interior do Estado de São Paulo. Nascia João Rubinato, que viria a ser o mais importante, criativo, influente e representativo músico paulista, sob o nome de Adoniran Barbosa.

Filho de italianos, imigrantes da região de Veneza; com sete irmãos, não se formou minimamente, pois não suportava a escola, e acabou entregando marmitas e fazendo outros bicos; aluno das ruas, no bom sentido (“A matemática da vida lhe dá o que a escola deixou de ensinar: uma lógica irrefutável“); Adoniran teve muitos ofícios, mas queria mesmo era ser ator. Por isso, foi a São Paulo.

De 1941 a 1951, ao invés de conseguir renome nos palcos, conseguiu se tornar um estandarte nos botequins, posição cuja experiência que lhe valeu ouro na composição dos seus clássicos futuros. Adoniran conheceu os tipos mais variados e interessantes nos balcões e mesas de bares. Foi onde se sentiu bem, onde aprendeu sobre a vida, onde desenvolveu o adonirês, sua língua oficial.

O próprio Adoniran era só um personagem criado por João Rubinato, o ator; que virou cantor e tomou conta do criador. Adoniran era Adoniran. Rubinato era só documento.

Foi para o rádio e lá apresentou a todos a linguagem malandra e descolada do Bixiga, o bairro mais boêmio de São Paulo, até a chegada da Vila Madalena, nos últimos quarenta anos. A malandragem do bairro criou o sotaque oficial paulistano – muito a cargo de Adoniran, muito por suas músicas. Ele contava e cantava a vida dos suburbanos, dos periféricos sociais, dos maloqueiros (que moravam em malocas), no programa radiofônico “História das Malocas”, com o personagem Charutinho.

O programa foi um sucesso e Adoniran já compunha. Nessa época, os então pouco conhecidos Demônios da Garoa gravaram um samba do compositor, simplesmente “Saudosa Maloca”, que meio mundo, hoje, conhece. Sucesso total, que começou, inclusive, no Rio de Janeiro, a “terra do samba”.

“Saudosa Maloca”, com os Demônios da Garoa, no programa Arquivo N, da Globo News:

Mas seu primeiro grande sucesso, aquele todo mundo canta em qualquer churrasco, roda de samba ou ao pegar um caixinha de fósforos nas mãos, é “Trem das Onze”. Definitivo:

O trabalho no rádio não dava lá muito dinheiro – e nem os primeiros sucessos renderam muito. Mesmo assim, sem grana, casa-se duas vezes. O primeiro durou um ano. O segundo, histórico, com Matilde, a vida inteira. Ela o incentivou a compor, deu uma força à carreira e relevou suas noitadas. Adoniran passou a viver para o rádio, para a boemia e para Matilde.

Sua discografia se encerrou bissexta para os 40 anos de carreira: apenas três discos gravados – mas uma infinidade de coletâneas, shows, participações e afins, tudo capturado pra cera ou pro CD. Fez dezenas de sucessos no rádio, no boca a boca, nas mesas de bar, nas rodas de samba. Virou cult e popular ao mesmo tempo. Na década dura de 1970, os universitários embarcaram em Adoniran (e no samba) como cultura verdadeiramente brasileira e popular. Ele era adorado.

Mesmo com Roberto Carlos e companhia tendo tomado as paradas desde a década anterior, Adoniran tinha sua resposta ao pessoal que era uma “brasa, mora”: “Já Fui uma Brasa”.

Ei-la a música ao vivo, em apresentação de 1980:

Gênio.

Hoje, Adoniran faria 100 anos. Entretanto, em 1982, aos 72, morreu. Pobre e apenas triste por já não estar no seio do seu público. O país mudou, a cidade mudou, os gostos musicais mudaram. Ser malandro já tem outra conotação.

Ao menos, reconhecido. Os maiores artistas da música brasileira lhe pagaram tributo. Um dos casos mais famosos foi o de Elis Regina, fã assumida do compositor. Com ela, saiu um vídeo clássico: no Bar da Carmela, em 1978, juntos tocam e cantam “Iracema”, “Um Samba no Bexiga” e “Saudosa Maloca”.

A história de Adoniran Barbosa não cabe num post como esse, mal redigido, sem a alma que ele merece. Recomendo ler “Adoniran Barbosa O Poeta Da Cidade”, de Francisco Rocha (clique aqui) ou “Adoniran Barbosa”, da série “Mestres da Música”, de André Diniz (clique aqui).

E melhor do que ler é ouvir. Sempre.

Esse é o maior sucesso de Adoniran como intérprete. Não precisa nem dizer o título da música, certo?

E pra encerrar, o primor…

O Floga-se se rende.

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