OS CHÁS, baita nome de banda. Ela foi formada em 2016, em Mogi Das Cruzes, pertíssimo da capital paulista, terra de uma boa (e subestimada) banda do subterrâneo nacional, a Hierofante Púrpura. Não à toa, Os Chás é formado metade por ex-integrantes da Hierofante Púrpura, Gabriel Matos (guitarra e vocal) e Diego Menichelli (bateria) – a outra metade é Thiago Gal Fernandes (baixo e vocoal) e Wesley Franco (guitarra).
Eles se vendem como “um novo e caleidoscópico elemento” na “fórmula mágica que há tanto vem sendo cozida no caldeirão experimental da música movida a psilocibina”, citando Pink Floyd, 13Th Floor Elevators e Mutantes.
Em poucas palavras, foi mesmo uma boa definição, se o ouvinte se concentrar nos Mutantes. Os Chás é mais uma banda a caminhar pela trilha neo-psicodélica do Boogarins e afins (muitos afins), com pés nos anos 1960, aqui com reforço nas cores Mutantes e alucinógenos na cabeça (ou a ideia de que são movidos a).
No caso de “Já Delírio”, o EP de estreia, com seis canções, a banda parece ter atingido seu objetivo: ser a estrela de uma festa hippie. Não há nada de novo (e sempre insisto nisso: não há necessidade de ter algo novo), as referências estão bem marcadas e marcantes, a execução é bem ok, mas tudo parece, como nessa leva toda de neo-psicodélicos, um tanto falso e asséptico.
Não que eles não possam ter criado tudo aos efeitos da citada substância alucinógena, mas se o fizeram parece que a doideira não foi muito grande. Musicalmente, “Já Delírio” é meio maçante – ou talvez o ouvinte também deva entrar na onda e mandar uns alucinógenos pra cabeça pra ver se bate.
Por outro lado, Os Chás oferecem algumas das letras mais divertidas e certeiras dos últimos tempos. E em português. Letras curtas, que fazem o ouvinte imaginar a tal viagem.
Na faixa de abertura, “E.E.S.O.E.D.T.V. (Ele Está Sob O Efeito Da Televisão)”, o quarteto canta apenas e exatamente isso: “Ele está sob o efeito da televisão…”, o que é, convenhamos, uma ideia tão óbvia quanto fabulosa de alucinógeno moderno, com milhões e milhões deixando-se abduzir pelo iluminado eletrodoméstico de toda família brasileira.
“Megalomaníaco” é engraçada – embora eu não possa jamais afirmar que a intenção tenha sido essa – a ponto do ouvinte imaginar a cena: “Eu quero tudo quero / Mandar em tudo quero / Assistir a tudo e também / Quero fumar tudo / E eu sou megalomaníaco / Inconsequente, irresponsável / Essa é minha viagem e eu vou / E eu sou megalomaníaco / E eu não estou em paz… / Se eu não tiver mais…”. É também a canção mais engenhosa dentre as seis. Com umas guitarras mais sujas e pesadas e massacrantes, faria um Black Angels ficar com inveja. Entretanto, é justamente também um exemplo de como parece que Os Chás pisaram no freio e estão numa viagem diferente.
“Marocco” é o despertar da alucinação: “E o eu hippie, foi um sonho / Mesmo eu me blindando / Construiu-se em mim um desejo de posse / Que não é meu / E se for pra julgar, por que não?”, versos antecipados por um bonito sitar indiano e fechados por uma seção instrumental que levaria o Violeta de Outono da primeira fase às lágrimas de orgulho e felicidade.
“Piano Fantástico” é cortante ao dizer que “é tudo uma desilusão é sempre a mesma enganação”, enquanto a baladinha “Senhor Tubarão” é uma metáfora que concerne apenas aos autores. Por fim, “Tô Meio Dócil” é auto-explicativa: “Tô meio dócil… / Vi cores fantásticas no céu… / E a água quente… / Atravessa meu corpo transparente de luz”.
O delírio fugaz d’Os Chás, pra ser justo com os quatro, é apenas um primeiro delírio, uma experiência que se constrói aos poucos. Às vezes não pega de primeira, mas é preciso tentar outras vezes, se ideia é curtir uma viagem prazerosa e não só a ressaca dos efeitos colaterais.
Ouça aqui:
O disco foi gravado e mixado Taian Cavalca no Mono Mono Studio, entre janeiro e maio de 2017, com masterização de Hugo Falcão.
A obra conta com as participações especiais de Priscila Ynoue (teclas em “E.E.S.O.E.D.T.V.”, “Morocco”, “Senhor Tubarão” e “Tô Meio Dócil” e de Mario Gascó (sitar indiano e didjeridu em “Morocco”).
O EP é um lançamento da Transfusão Noise Records, do dia 10 de julho de 2017.
1. E.E.S.O.E.D.T.V. (Ele Está Sob O Efeito Da Televisão)
2. Megalomaníaco (clique aqui pra ver o vídeo)
3. Morocco
4. Plano Fantástico
5. Senhor Tubarão
6. Tô Meio Dócil