Portugal tem se mostrado um excelente polo de bandas experimentais e subversivas, sem fofices e facilidades. O 10 000 Russos, trio que lançou um dos discos mais bacanas de 2015, homônimo (ouça aqui na íntegra), faz parte de um “cena” (assim mesmo, entre aspas, porque não é algo solidificado) que inclui Ghost Hunt, Malcontent, Keep Razors Sharp, Bom Marido, Beautify Junkyards, Fuzz e várias outras, cada uma num estilo, mas fazendo o que aqui chamamos de “música sem fronteiras”.
Nessa edição de Os Discos Da Vida, assim como na música deles, o formato é diferente: cada um do trio escolheu três discos que de certa forma mudaram sua vida, e os três escolheram o décimo disco, que fecha a lista.
Na soma, dá pra entender como o trio chegou ao seu som ácido e arrastado, psicodélico e febril. Há algumas boas surpresas e outras passagens que soam óbvias. Mas é a mistura de experiências sonoras ao longo da vida que faz um artista trilhar o caminho que leva à originalidade.
O 10 000 Russos está na rota.
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JOÃO PIMENTA (BATERIA/VOCAL)
John Coltrane – “A Love Supreme” (1965)
Não sou um grande fã de jazz, mas esse é um disco que ouvi demais. Também não considero esse um disco de jazz, é mais como um “Pet Sounds” ou “Revolver”, um disco universal, que deveria ser tocado em escolas pra criancinhas aprenderem sobre música ocidental do século XX. Ou em funerais, o humor ficaria bem melhor. É meu favorito.
Ouça “Resolution”:
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MC5 – “Kick Out The Jams” (1969)
Um disco perigoso de verdade. Os rifes, as letras, John Sinclair e seu verdadeiro testemunho. Você pode sentir a eletricidade por todo o lugar. Rock’n’roll era “baby cmon” e “cant stopo loving you” e com o Motor City Five se tornou palavras de gasolina no fogo. “Motor City Is Burning” e “Rocket Reducer” ainda são duas das minhas favoritas pessoais de todos os tempos.
Ouça “Motor City is Burning”:
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Suicide – “Suicide” (1977)
Rock’n’roll reduzido ao essencial. Elvis minimalista na batida. Sem Wanda Jackson, sem metais, sem Vegas. Verdadeiramente revolucionário, embora quando saiu tenha sido só uma desconstrução subterrânea nova iorquina do que era o rockabilly clássico. Uma verdadeira inspiração pro 10000 Russos. Menos é mais e foca no essencial. O coração, o estresse, o sexo e um tiro bem no meio do “livro de clichês do rock’n’roll”.
Ouça “Cheree”:
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ANDRÉ COUTO (BAIXO)
Pink Floyd – “Ummagumma” (1969)
Passado versus presente, ao vivo versus estúdio, banda versus músico. Objetiva o futuro, mas é, na verdade, o fim do Pink Floyd.
Ouça “Astronomy Domine”:
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Sonic Youth – “Confusion Is Sex” (1983)
Cru, intenso, soturno. Um matador.
Ouça “Protect Me You”:
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Spacemen 3 – “Sound Of Confusion” (1986)
Uma rendição ao passado, forjando o futuro da música. Inevitável.
Ouça: “Rollercoaster”:
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PEDRO PESTANA (GUITARRA)
Dead Skeletons – “Dead Magick” (2011)
Canções longas, repetições mântricas altamente espirituais e estranhamente edificantes. Um daqueles discos que fazem perfeito sentido quando escutados pela primeira vez. Ele se basta.
Ouça “Dead Mantra”:
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Glen Brown & King Tubby – “Termination Dub (1973-79)” (1996)
Frescor. Em geral, dub é um mergulho maravilhoso. Com todo respeito ao Bob Marley, o grande presente do reggae ao mundo é o dub. Uma imensa perda fundamental pra entender a moderna música eletrônica. O trabalho de mixagem desse álbum é algo a se ter em conta e há alguns belos delays também. Oh, e boas canções, claro.
Ouça “Termination Dub”:
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Lightning Bolt – “Ride The Skies” (2001)
Um grande disco. Tem propriedades de pra curar a mente. Prescrição: ouça o mais alto que você puder e você começará a prestar atenção aos pequenos detalhes.
Ouça “Saint Jacques”:
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ESCOLHA DOS TRÊS INTEGRANTES
Neu! – “Neu!” (1972)
Flutuando sobre uma base motorik (N.E. termo referente à batida em tempo 4/4 freqüentemente utilizada pelas bandas krautrock). Lindo. Te desaba. O verdadeiro beat happening.
Ouça “Hallogallo”:
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Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Singapore Sling”.