OS DISCOS DA VIDA: AS AMIGAS DE PLÁSTICO

As Amigas De Plástico é um duo carioca formado em 1999 por Raf F. Guimarães e Diego Mode. Já são dois discos: “Tschuess”, de 2008; e “Nada!”, de 2013. Além deles, uma série de lançamentos mais curtos, que você pode acompanhar aqui no Bandcamp.

Desde junho de 2014, a banda concentra-se em Raf, que segue firme com a sonoridade resultante de um emaranhado de shoegaze, psicodelia, eletrônica, dream pop, lo-fi. Começou também um trabalho assinando como Raf F. Guimarães (ouça aqui e aqui).

Essa, porém, é a história atual, o agora. Raf tem muita estrada. Nessa edição de “Os Discos Da Vida”, ele lista dez dos trabalhos que mais moldaram sua veia musical, incentivando-o, empurrando-o em frente, inspirando-o.

Apesar do som um tanto, digamos, “soturno” de sua obra, os textos que ele oferece pra cada disco escolhido são amostras de um bom humor que, sim, acaba-se por perceber em suas músicas.

A histórica começou assim.

RAFAEL GUIMARÃES

“Em um primeiro momento eu achei que seria absolutamente fácil fazer uma lista de dez dos discos mais importantes da minha vida, afinal esse era o tipo de coisa que a máfia da saudosa Music Land fazia, enquanto comia ‘3 jujubas por 1 reau’. Fiz cinco logo de cara e empaquei. Acho que senti o peso da minha antiga coleção que entre CDs, long plays e 7″, teria coisa de uns sete mil itens injustiçados, loucos pra colocarem meu nome da boca do sapo… Mas como hoje eu sou um sujeito livre do vício e reintegrado à sociedade; minha coleção de discos é igual ex-namorada: virou história! Então reuni dez discos que, pra mim, são alguns momentos e perfis da minha vida em forma de fonogramas…”

The Cure – “Kiss Me Kiss Me Kiss Me” (1987)
Acho que ter sido o irmão mais novo foi meio que essencial pra formação da minha indecência, de certa forma. Existe uma época em que você está ali e faz companhia pra seu irmão, mas quando ele fica mais velho ele quer mais é que você se foda! E sendo assim, existem alguns privilégios que o mais velho impõe (que sejam DELE). O monopólio da TV era um dos casos (foda-se aquela merda também, eu morava no cu de um vale em que só pegava os canais 4 e 11, e se fosse pra pegar o 6, você tinha que colocar bombril na puta-que-o-pariu e nenhum outro canal voltava a funcionar por dois dias). Desta forma… Eu tinha o rádio (só não era permitido mexer na vitrola – nesta época)! Então, eu lembro de escutar a rádio Fluminense desde sempre… Um dia minha mãe chega do mercado, fala que trouxe um presente e me dá esse pacote com duas fitas cassete que tinham a porra de um borrão de batom na capa! Juro que demorei umas duas semanas pra sentar e escutar (medo de ser algum smooth jazz ou “musica mela cueca, dessas de velho”). Acho que parte do meu cérebro derreteu e escorreu pela orelha logo no inicio de “The Kiss”… Aquele álbum tinha tudo. Pensando nisso agora, dá até cogitar acreditar em destino. Todas aquelas músicas com seis, sete minutos, algumas quase sem vocal… Momentos de psicodelia absurda junto com pérolas pop tipo “Just Like Heaven” ou “Catch”… Acho que ele realmente foi a semente (mesmo que de forma não consciente) de tudo que eu já gravei até hoje…

Ouça “Catch”:

Ramones – “Brain Drain” (1989)
Poucos anos depois (mas eu ainda era beeeeem moleque) eu já era um ouvinte mais dedicado. Prestava atenção nos sons que eu curtia, acompanhava o que era novo na grade da rádio etc… O “Brain Drain” foi o primeiro disco que eu saí de casa para comprar. Eu lembro de sair com isso na cabeça; era mais que um objetivo, era uma missão: Eu ia comprar um disco dos Ramones! Anos depois, quando o povo do colégio tava começando a se ligar em música, eu lembro que a moda do povo era trocar fitas do Iron Maiden (nunca entendi isso). Mas eu conseguia a atenção das meninas mais bonitas, por que eu tinha as fitas dos Ramones (mas eu era bobão e só queria saber de música – não peguei nenhuma)!

Ouça “Can’t Get You Outta My Mind”:

Death In June – “Nada!” (1985)
O “Nada!”, pra mim, sempre representou a atmosférica gótica perfeita (mesmo a minha faixa predileta – que me fez conhecer a banda -, “Fall Apart”, não estando nele). Ele tem toda essa atmosfera acústica de tentar dividir um átomo em cada música e, nesse sentido, acho que ele coloca o “Ocean Rain” do Echo & the Bunnymen no chinelo. Assumindo meu passado(?) gótico xiita, seria impossível deixar esse de fora da lista. P.s.: muitas pessoas acham que o título do segundo disco das Amigas de Plástico é uma homenagem a esse álbum. Elas estão muito, muito, muuuuuuito erradas.

Ouça “She Say Destroy”:

Einstürzende Neubauten – “Strategies Against Architecture II” (1991)
Eu lembro da emoção de ter encontrado o Neubauten na minha vida. Finalmente eu tinha achado uns caras que pensavam da mesma forma mongol que eu, em relação à des(?)construção da música! Eu costumava comprar coletâneas quando queria conhecer o trabalho de alguma banda, e no caso foi a “Strategies…” volume dois. Lembro de ter pego o CD e ido encontrar a garota que eu namorava na época. Ela comentou que eu estava com um mega sorriso e me perguntou o porquê. Eu respondi que tinha achado a “banda da minha vida” e comecei a faixa de novo e dei os fones pra ela escutar. Sério: pela cara que ela fez, parecia que a garota estava abortando, sei lá… Sentindo uma dor horrível. “O que foi? não gostou?”. “Porra, Rafael! Essa merda começa com uma furadeira e fica furando até você ficar louco! Quando para, você sente um alívio, mas aí vem um filho da puta e começa a gritar com a voz mais estridente possível… E fica gritando até você ficar louco!”. Não tem como não amar Neubauten!

Ouça “Abfackeln!”:

Jesus & Mary Chain – “Honey’s Dead” (1992)
Eu já conhecia alguma coisa do “Darklands” e do “Stoned And Dethroned”, mas nunca tinha parado pra prestar atenção direito no JAMC até uma vez em que a mesma coitada que foi torturada com Neubauten levou o “Honey’s Dead” pra ficar escutando lá em casa, durante o final de semana. A capa teria sido aprovada instantaneamente por conta do já citado “ranço gótico filhodaputa”. Escutar a voz de junkie da várzea do Jim Reid, repetindo “i wanna die…” no meio de uma parede de chiados e zumbidos era bom demais (até me dava uma mistura de arrependimento e curiosidade instantânea de escutar os outros álbuns, prestando atenção dessa vez). Eu lembro dela voltando pra casa, deixando o disco comigo e falando: “você tem que escutar mais isso: o Robert Smith curte”.

Ouça “Reverence”:

Suede – “Sci-Fi Lullabies” (1997)
O final dos anos 90 foi bem marcado por mil road trips que eu fazia com amigos e as respectivas namoradas (todo mundo amontoado em um carro, indo pra puta-que-o-pariu). No trajeto, quem comandava o som era o motorista de plantão, então geralmente era alguma coisa indie que eu nunca prestava muita atenção; mas quando chegávamos onde quer que fosse, eram lateralmente as patroas que mandavam. Um belo dia pela manhã, em Maricá, eis que uma criatura resolve que o almoço seria churrasco e que o namorado (LH) deveria sair para comprar cebola. Afinal, ele era o motorista. Mas ele, resistente, disse que não ia se fuder sozinho. Resultado: todos os homens expulsos da casa, rumo ao mercado. Eram coisa de oito horas e já estávamos com duas latinhas nas mãos, cada um. Entramos no carro de acordo que beberíamos antes de chegar em casa. A próxima coisa que eu lembro é estarmos em Ponta Negra, em um quiosque de praia comendo camarão e o LH reclamando que não aguentava mais: “Porra, a gente tá no Rio e essas garotas só escutam Suede e Smiths! Suede e Smiths! Suede e Smiths! Aí, a gente vem pra Maricá e elas ficam escutando Smiths e Suede! Smiths e Suede!Smiths e Suede!”. Nesse momento, para um Fiat Uno verde do nosso lado, abre a porta e liga o som no máximo: tocando Suede! O LH grita: “nãããão, porraaaaaaa!”. O carinha não entende nada e fala que vai trocar. Coloca Smiths e faz um jóinha, pedindo a aprovação… Apesar de ter “My Dark Star”, que é uma das minhas músicas preferidas, “Sci-Fi lullabies” entra na lista representando todos os discos que podem ter me influenciado de alguma forma traumática.

Ouça “My Dark Star”:

Apoptygma Berzerk – “7” (1996)
Eu conheci o Apoptygma em 2000, quando eu fui passar um verão da Escandinávia. Na época, “Deep Red”, “Love Never Dies” e “Non-Stop Violence” eram mais uma ruptura do que propriamente uma novidade. Toda a orquestração dos sintetizadores era incrível. Eu me sentia como se fosse um pintor que só conhecesse as cores primárias sendo apresentado às cores secundárias (misturado às quantidades industriais de vodca e malibu).

Ouça: “Deep Red” (Grinders):

Love Spit Love – “Love Spit Love” (1994)
Obviamente eu sempre fui meio torto e do contra. Então, eu sempre curti muito mais o Electrafixion do que os Bunnymen; e também achava o Love Spit Love muito mais legal que o Psychedelic Furs. Esse álbum entra na lista representando esse meu lado espírito de porco, e porque quem me presenteou com ele foi uma infeliz muito querida que sempre reclamou que era impossível de me dar discos de presente, porque eu já tinha todos. Então, ela usou de influência pra roubar esse disco da minha pilha de reservas na loja de um amigo em comum. E de fato, nunca mais conseguiu me dar outro disco de presente.

Ouça “Superman”:

Glide – “Curvature Of The Earth” (2004)
Esse definitivamente deve ser o álbum mais importante da história de As Amigas de Plástico. Na época, eu estava prestes a desistir do projeto, tinha uns pedaços de demos gravados, muitas ideias e nenhum ânimo. Eu já tinha bastante contato com o Will Sergeant e nós conversávamos bastante sobre nossas ideias, ele sempre dando aquela força pra eu não deixar a bola cair; dizendo que valia a pena trabalhar nas ideias por que se eu não o fizesse, não teriam muitas outras pessoas que fariam a mesma coisa. Um dia em São Paulo, após um show dos Bunnymen ele me dá esse CD-R. Quando eu chego em casa e escuto, outra parte do meu cérebro escorre pela orelha… Eu mando uma mensagem para ele dizendo somente: “this record… what the fuck, Fuzz?”. A resposta veio com “Me and my mates cannot do it all by ourselves, old bean”. Naquele momento, eu soube que eu não estava sozinho e que existia uma conspiração psicoldélica em andamento…

Ouça “A Golden Dawn”:

Brian Jonestown Massacre – “Bravery, Repetition And Noise” (2001)
De verdade, eu não consigo pensar na obra do BJM por álbuns, e sim uma massa sonora como um todo. Quando eu descobri o BJM, ver a entrega do Anton Newcombe à missão dele de criar uma obra, foi certamente exemplar e inspirador. Ele sabe o que quer criar, ele vai fazer e foda-se você. Fica a lição de fazer o que deve ser feito. E do que precisa ser feito.

Ouça “Telegram”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Anderson Foca”.

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