Eu não sei dizer quando comecei a gostar do Crocodiles. O grupo de San Diego, Califórnia, Esteites, existe desde 2008, quando Brandon Welchez e Charles Rowell deixaram suas bandas anteriores e resolveram misturar um tanto de guitarras ferinas e barulhentas com uma bateria eletrônica (na maioria das vezes) e um sentido de baixa fidelidade típica dos subterrâneos.
O Floga-se os acompanha desde o início, com o viciante disco de estreia, “Summer Of Hate”, de 2009. De repente, eles estavam incrustados no meu cotidiano. Depois, vieram mais cinco discos: “Sleep Forever” (2010), “Endless Flowers” (2012), “Crimes Of Passion” (2013), “Boys” (2015) e 2016 tem “Dreamless”. Uma carreira prolífica, por certo, que contém altos e baixos – bem mais altos do que baixos.
Os brasileiros já conferiram a dupla ao vivo, em 2015, num show que você pode ver na íntegra aqui, no final do artigo.
Uma característica que marca a discografia da dupla é a capacidade de unir a sujeira garageira, a melancolia sessentista e oitentista (como não se apaixonar por essa música?) e a falta de vergonha pra escrever canções pop (que invariavelmente contém elementos que as rádios efetivamente pop ruborizariam se tocassem – essa canção é pop até o último fio de cabelo e tem um dos melhores clipes).
Jaquetas de couro e óculos escuros noturnos, afinal, combinam muito bem com flores, como bem preconizaram o Jesus & Mary Chain, devidamente chupinhando do Velvet Underground a vibração.
A fórmula bem condimentada pelo grupo talvez possa ser melhor explicada ou compreendida a partir dessa surpreendente lista de Os Discos Da Vida de Welchez e Rowell. Cada um escolheu cinco discos e explicou os motivos da escolha. Assim vemos uma banda nascendo desde a infância. Há escolhas incríveis e outras espantosas, todas justificáveis e perceptíveis na obra do Crocodiles.
Parece que faz muito tempo que a banda me pegou. Mas é só desde sempre – e agora ainda mais.
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CHARLES ROWELL (guitarra)
The Velvet Underground – “VU” (1985)
Meu pai me deu esse cassete numa feira e me explicou que era uma maravilha. Eu era adolescente e isso inplicava que eu ouvia tudo o que meu pai recomendava, embora naquele tempo eu tivesse um cabelo verde e estivesse mais interessado naqueles cassetes que os punks do centro da cidade estavam me empurrando. Como você pode imaginar, fiquei mais do que entusiasmado com o que ouvi. As batidas quase punks e o jeito de gravar fora do normal bateram em mim logo de cara e ainda causam o mesmo efeito hoje em dia. Era simples, mas cheio daquele tipo de energia soturna e direta. Eles fizeram fogo com pouco. O estilo era difícil, mas um tanto distanciado e sexy também. Não posso agradecer meu pai o suficiente por proporcionar isso pra mim. Naquele tempo, abriu minha cabeça ainda mais pro que podia ser feito com um equipamento super simples. Você só precisa que sua imaginação seja ligada no volume máximo.
Ouça “Foggy Notion”:
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Iggy Pop – “Lust For Life” (1977)
De novo, meu pai está por trás de transformar esse álbum em uma das minhas maiores influências da minha vida musical. Depois de olhar a capa, pensei que a música ia soar mansa e o cantor, um cavalheiro. Não ficou longe da verdade, nós todos lemos histórias e vimos vídeos de Iggy com a fala mansa de um intelectual. Apesar disso, esse disco me parece que vai direto ao ponto do que Iggy sempre quis fazer como artista solo. Um soul man de grande atitude. É como em qualquer subúrbio de Detroit, que funciona como um motor rude mas pode fazer seu coração derreter. Mais tarde, quando fiquei mais velho, fui perceber que algumas letras foram surrupiadas de Burroughs também. Pra mim, esse disco tem tudo. Todo o conceito sobre rock and roll é sempre sobre fazer você se sentir cool.
Ouça “Lust For Life”:
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Nirvana – “In Utero” (1993)
Comecei a tocar guitarra pra valer por volta da época em que esse álbum foi lançado. Definitivamente me guiou pro som que eu faço hoje. Nunca havia escutado uma guitarra soar assim tão criativa e maléfica. Tudo nesse álbum é sem remorso. Não muito tempo depois de ouvir o disco descobri um monte de influências por trás de Cobain, como Arto Lindsay, Greg Sage e Thurston Moore. É um disco que nunca vai soar datado. Ainda me estimula.
Ouça “Dumb”:
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Nation Of Ulysses – “Plays Pretty For Baby” (1992)
Um submundo imaginário cheio de saxofones urrando, gel pra cabelo, guitarras cortantes e um palavreado que ainda é indiscutivelmente bacana. Ian Svenonious é implacável em seu mundo niilista da poesia punk. Nunca havia ouvido ou vista nada como essa banda antes. Mudou o curso da minha vida mais que qualquer outro disco.
Ouça “Shakedown”:
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Crass – “The Feeding Of The 5000” (1979)
O menor e mais instável som que já ouvi. Uma daquelas bandas punks do centra da cidade tinha uma camiseta com a estampa do Sex Pistols com macabros chefe de estado colados sobre seus rostos. Foi meu primeiro contato com aquele punk inglês enfurecido e politicamente desafiador que não era centrado no clichê de um moicano cantando letras banais e querendo brigar com todo mundo. Não me entenda mal, eu curto aquela parada também. Mas, à época, falou mais alto pra mim, que não havia realidade aqui, apenas a imagem de uma sociedade vazia. No momento em que descobri isso, os Bush dominavam a política. E refletia também a paranoia e desdém que eu lia em algumas das minhas sátiras políticas favoritas. Andou lado a lado, de forma imprudente, parando de repente, gritando e cuspindo, mas ainda mantendo uma sofisticação artística.
Ouça “End Result”:
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BRANDON WELCHEZ (guitarra, vocal)
The Soft Boys – “Underwater Moonlight” (1980)
Punk rock foi a trilha sonora da minha adolescência desde que um amigofez pra mim uma fita com Sex Pistols de um lado e Dead Kennedys do outro. Eu tinha doze anos. Meus pais me mostraram muita música dos anos 1960 ao longo da minha infância – Beatles, Byrds, Stones, Motown, Dylan etc. Acho que eu tinha uns vinte anos quando ouvi “Underwater Moonlight” pela primeira vez e fez totalmente a minha cabeça. Punk psicodélico no seu melhor – Syd Barrett, Bob Dylan, Captain Beefheart etc. numa jaqueta de couro. Era uma combinação que eu realmente nunca havia ouvido. Acho que algumas bandas punks de Nova Iorque tinham um pouco da influência dos anos 1960, particularmente Television e The Voivoids, mas era apresentado de uma forma totalmente diferente. Essa banda tinha colhões de celebrar a contracultura hippy que era como um sacrilégio na cena punk. Adoro bandas como essa, que não se encaixam exatamente em qualquer lugar – Soft Boys erra hippie demais pros punks e punk demais pros hippies. Eles foram um fracasso à época, mas influenciaram um bocado de grupos, do REM ao Crocodiles, e esse disco ainda resiste ao tempo.
Ouça “I Wanna Destroy You”:
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Desmond Dekker – “This is Desmond Dekkar” (1969)
Não sei porque seu nome está escrito incorretamente no título dessa compilação, mas está. Talvez muita gente não saiba mas nós somos grandes fãs de reggae. Eu provavelmente ouvi mais reggae do que qualquer outra coisa. No colégio, todos os idiotas ouviam Bob Marley, então eu sempre evitava ouvi-lo, mas quando eu fiz dezenove anos tive uma namorada cujo irmão é um grande fã de reggae, e ele me deu essa coletânea pra ouvir e eu fiquei apaixonado pelo disco. O mais perto que eu havia chegado a esse tipo de som foi com o Specials e o Clash e coisas do tipo, na verdade eram apenas versões rock and roll de música jamaicana. Esse era real e a partir de Desmond Dekker descobri Ken Boothe e então Horace Andy e fui seguindo em frente. Continuo descobrindo incríveis novidades jamaicanas todo dia.
Ouça “007 Shanty Town”:
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Madonna – “The Immaculate Collection” (1990)
Talvez esse vá causar surpresa, considerando a música que o Crocodiles faz, mas não deveria. Ao final, Crocodiles tenta escrever grandes canções pop e essa coletânea tem uma grande canção pop atrás da outra. Também respeito Madonna por sua coragem de fazer e dizer o que quiser e por pavimentar o caminho pras mulheres na música serem mais ouvidas. Além disso, um adendo, meu primeiro sonho erótico foi com Madonna, quando eu tinha uns seis anos.
Ouça “Vogue”:
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Run-DMC – “Tougher Than Leather” (1988)
Eu era bem pequeno quando esse disco foi lançado, mas meu irmão mais velho (que também era basicamente uma criança) estava obcecado com tudo que vinha da Def Jam, e fui exposto a Run-DMC, Beastie Boys etc. Na época, era a música mais agressiva que eu tinha ouvido, a mais rebelde. E embora não pudesse dizer como, na época eu achava a imagem deles bem intrigante. Acho que foi a primeira vez que pensei sobre o conceito de “cool” e como as roupas e a atitude poderiam alterar o jeito que percebem você, o que eu ainda acho bem interessante. Ainda escuto esse disco de vez em quando e me remete a quando eu era uma criança e admirava-os e torcia pra que quando eu crescesse eu também fosse “cool”. Ainda um grande disco.
Ouça “Mary Mary”:
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Black Flag – “The First Four Years” (1983)
Outra coletânea, foi maus. Acho que eu realmente curto coletâneas. Como mencionei antes, eu era um devoto adolescente punk e aquela época da minha vida me definiu de um jeito que ainda ecoa. Me tornei politicamente consciente e comecei a formar muitas das minhas opiniões que ainda carrego comigo hoje sobre política e religião e a sociedade. Foi também o ponto da minha vida onde parei de me preocupar com o que as pessoas pensavam sobre mim, e estava só interessado em ser eu mesmo e me expressar. Punk foi bem libertador pra mim, porque foi a primeira vez que ouvi pessoas tocando uma música simples e pensei: “também sou capaz de fazer isso”. The Sex Pistols, Ramones e Dead Kennedys foram meu primeiro contato com esse tipo de música e todos eles mudaram minha vida, mas em poucas semanas alguém me mostrou o Black Flag. Era bem mais agressivo, ainda que cativante, do que tudo o que eu tinha ouvido antes. “Nervous Breakdown” não soava como nada parecido que tinha escutado. Obviamente, era inspirado no Sxe Pistols, principalmente os vocais, mas foi de alguma forma era mais perturbado, mais raivoso, mais intenso. E poeticamente, me dizia muito. Canções sobre ser ignorado por garotas, canções sobre ser abordado por policiais, sobre frustração, dor, raiva. Há emoções que adolescentes experimentam e esse disco foi ótimo em me ajudar a atravessar aquele período.
Ouça “Nervous Breakdown”:
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Na edição anterior, “Os Discos da Vida: maquinas”.