Quando Fabio Bridges montou o Pequenos Clássicos Perdidos (PCP), em 2008, ele queria “contar historinhas (experiências pessoais) relacionadas à música”. Mas essas experiências acabam se confundindo com as experiências dos próprios leitores, que buscam ali no seu pequeno blogue, mais do que só links de discos pra baixar gratuitamente. É uma prova de que as pessoas curtem informação, bons textos e opinião, mesmo nos dias cascudos e preguiçosos de hoje.
O PCP, porém, não é uma empreitada de fã que resolveu “montar um blogue”. Bridges tem estrada. Começou escrevendo no Zonapunk, em 2000; passou dois anos no rraurl, depois colaborou com a Dynamite, Beatz e agora está no caderno de cultura Último Segundo, do Portal IG, além de escrever pro Rock O Rama.
“A ideia surgiu enquanto eu ouvia o ‘Urban Hymns’, do Verve. Fui sendo expulso de vários hospedeiros (zip.net, blogspot – 2 vezes-, tumblr), até que me enchi de perder os textos e decidi parar com a ‘pirataria’. Isso foi no ano passado, e esse permanece como o formato atual do PCP, só com textos (resenhas, materias especiais, entrevistas,), streaming e vídeos”, diz Bridges.
Pra quem também se encanta com os textos e as indicações de Bridges no PCP, é uma boa sacar como foi a “formação” dele, quais os discos que se fizeram relevantes na sua trajetória. Nessa edição de “Os Discos da Vida”, o jornalista mostra que a base sólida dos “bons sons” foi primordial pra sua vida seguir o caminho que seguiu.
A roda da história segue seu curso. É bem capaz de alguém ser pego em cheio por algum texto/indicação de Bridges lá no PCP. Essa é uma das graças do esforço todo. Essa é a motivação. Clássicos nunca podem se quedar perdidos por aí. Alguém apaixonado precisa resgatá-los.
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FABIO BRIDGES
“Escolher dez discos pra serem os ‘discos da vida’ não é uma tarefa fácil. A vida de quem ama a música e é movido por ela é diariamente permeada por trilhas sonoras, então procurei escolher aqui dez álbuns que marcaram momentos fundamentais da minha jornada, alguns com histórias engraçadas, outros roubados de amigos, mas todos absolutamente fundamentais pra construção do meu eu. Com exceção a dois deles, todos esses discos surgiram no mesmo período (entre meus 13 e 16 anos, basicamente). Recentemente, assistindo a um episódio de ‘Criminal Minds’, o mais bacana dos personagens, o Dr. Spencer Reid (Matthew Gray Gubler), explicou que cientificamente você nunca mais ouve música como ouviu aos 14 anos, devido a uma série de fatores químicos. Pois bem, acho que isso explica muita coisa. Here we go!”.
10. Michael Jackson – “Thriller” (1982)
“Thriller” não foi o primeiro disco da minha vida, mas foi sem dúvidas meu primeiro disco de cabeceira. Quando o ganhei, acho que em 83 ou 84, o Jacko era uma febre, estava em todos lugares (que na época, pra mim, eram basicamente TV e rádio) e eu não fiquei imune. Queria usar calças curtas, meias brilhantes, cantar e dançar como ele. Depois de “Bad”, passei a desprezá-lo, pela figura ridícula que ele se tornou, mas essa é outra história. E ouvindo “Thriller” depois de adulto, dá pra entender porque o cara virou o rei do pop. “Billie Jean” é qualquer coisa!
Ouça “Billie Jean”:
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9. New Order – “Technique” (1989)
Eu já conhecia o New Order antes desse disco, através das festinhas de garagem dançando “Blue Monday”, mas “Technique” chegou à minha vitrola num momento de profunda transformação e confusão, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Eu ainda era um pivete e não entendia nada do que rolava à minha volta, mas adorava aquele lance chamado acid house, que punha todo mundo pra dançar (mesmo quem não sabia dançar). E balas e doces pra mim ainda eram comprados no mercadinho da esquina. “Fine time”, literalmente.
Ouça “Fine Time”:
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8. Legião Urbana – “Fábrica” (1986)
Há quem tenha vergonha de assumir que gosta de Legião Urbana, mas acho que isso é coisa de adolescente indie (ou metaleiro). “Dois”, com exceção à “Eduardo e Mônica”, é um disco muito bom, e foi meio que uma ponte pra eu conhecer bandas como Smiths e The Cure. Além disso, minhas primeiras dores de cotovelo e crises melancólicas/existenciais foram todas acompanhadas por “Andrea Doria”, e minhas primeiras revoltas tiveram como trilha sonora a música “Fábrica”. Renato Russo era um chato, mas compôs grandes canções.
Ouça “Fábrica”:
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7. Ramones – “Rocket To Russia” (1977)
Ah, o que dizer dos Ramones? Foi com “Rocket To Russia” que eu descobri o rock e a essência dos quatro acordes, sem solos ou enfeites. Na época (fim dos 80s, por aí) eu andava de skate com uns caras bem mais velhos, que me serviram de influência direta (ouvi várias outras coisas com eles, de Karftwerk a Joy Division). E a trilha sonora pras sessions era invariavelmente esse disco dos Ramones, que até hoje é meu preferido da banda e volta e meia retorna ao meu player. 1, 2, 3, 4… perfeito.
Ouça “Surfin’ Bird”:
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6. Bauhaus – “Mask” (1981)
Na hora de escolher um entre os quatro discos de pós-punk/gótico da minha vida, este segundo álbum do Bauhaus acabou falando mais alto. Na época em que comprei o vinil de “Mask”, já tinha tomado contato com muitas outras bandas do gênero – inclusive com o próprio Bauhaus, através de “In The Flat Field”, sua estreia – mas “Mask” tem uma história. Além de musicalmente ser um disco absurdo, com Peter Murphy e Daniel Ash chegando a seus respectivos auges (o primeiro como cantor e performer; o segundo explorando ao máximo as possibilidades de sua guitarra), foi comprado no mesmo momento do “Technique”, que como já disse era o auge da confusão que é o começo da adolescência, com a combinação música + hormônios + descobertas explodindo. Some aí uma tarde gelada e solitária sob um baita céu azul no centro de São Paulo, algumas doses alcoólicas, a música “Hollow Hills” e bingo. Ah, e paguei baratinho por “Mask”, no Museu do Disco. A saber, meus outros três discos pós-punks preferidos são “Disintegration”, do Cure; “Unknown Pleasures”, do Joy Division; e “The Queen Is Dead”, dos Smiths.
Ouça “Hollow Hills”:
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5. The Stone Roses – “The Stone Roses” (1989)
Ouvi os Stone Roses pela primeira vez ao mesmo tempo em que escutei todas as outras bandas relevantes do Madchester, na laje de um amigo, completamente chapado sob o sol das quatro da tarde. Não me lembro ao certo quem chegou com aquela famigerada fitinha cassete BASF 90 recheada de beats, anos 60 e lisergia, mas seja quem tenha sido me ampliou os horizontes musicais e perdeu uma fita (se você está lendo isso, amigo, me perdoe). O tal cassete tinha, além dos Roses, Happy Mondays, Charlatans, Inspiral Carpets, Farm e outra porção de bandas ‘baggy’, e depois de ouvi-lo decidi ver se achava discos dos mesmos. Achei dois deles na mesma loja, a lendária Nuvem Nove; eram “Pill ‘n’ Thrills And Bellyaches”, dos Mondays, e o debute homônimo dos Stone Roses, vulgo “o disco das laranjas”. Pra justificar a entrada deste e não de “Pills ‘n’ Thrills…”, resumidamente, pode-se dizer que os Mondays me pegaram pelos pés e os Roses pelo coração. Ok, e também pelos pés (vide “I Am The Ressurrection”). Pra mim, este é o melhor debute da história.
Ouça “I Am The Ressurrection”:
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4. My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
Histórias, histórias… Comprei “Isn’t Anything” voltando pra casa após ter decidido abandonar o Senai, sabendo a tempestade que seria quando fosse contar a decisão aos meus pais. Enfim, ao lado do ponto de ônibus, havia uma lojinha de revelação fotográfica (sim, jovens, isso existe), e nessa lojinha tinham umas caixas cheias de discos usados, e como eu queria adiar a volta pra realidade, fui lá dar uma fuçada. Entre trilhas de novela, lambada, Amados, Wandos e toda uma sorte do que havia de pior, vi uma capa estranha, que eu não conseguia definir se era borrada, iluminada demais ou as duas coisas, com o nome (que eu supunha ser) da banda escrito embaixo, com letras minúsculas. Achei do caralho e fui pedir pro cara da loja pra ouvir, mas ele me disse que não podia, porque era usado e blá, blá, blá. Após muita insistência, pôs pra tocar uns três segundos da primeira faixa de cada lado, e eu, claro, não tive a menor ideia do que se tratava. Perguntei se ele sabia, e o cara teve a coragem de me dizer que era ‘uma coisa meio metal, meio gótica’ (eu estava com uma camiseta do Sisters of Mercy, daí a associação pra vendê-lo a mim). De qualquer jeito, comprei. E até hoje, tendo ouvido “Isn’t Anything” por 1.838.389.330.302.022.039 vezes, continuo sem entendê-lo. Outra coisa sobre o disco: ele sobreviveu a um dilúvio de verão, encostado no canto de uma dessas muretas que ficam ao lado dos portões das casas. Eu não tinha aonde escondê-lo, só ali, e mesmo com a capa tendo derretido quase completamente, o vinil ficou intacto. Isso foi no dia em que aconteceria o show do Guns’n’Roses em São Paulo, que foi adiado. Vários amigos metidos a roqueiros iam e me culparam por ter praguejado tanto contra Axl Rose e cia. Azar deles, sorte a minha.
Ouça: “Cupid Come”:
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3. Sonic Youth – “Dirty” (1992)
“Dirty” não é um clássico como “Daydream Nation” ou “Sister”, mas o grande lance entre eu e ele é que eu o vi nascer. Já sacava e gostava do Sonic Youth, tinha ouvido bastante o “Sister” e algumas coisas do “Goo”, mas é aquela velha história: o momento é tudo. Eu voltava a andar de skate, os caras lançam o vídeo de “100%”; eu me achava politizado, eles me vem com “Youth Against Fascism”; e entre tantas coisas ainda sacam da manga “Wish Fulfillment” e “JC”. Porra! Depois de “Dirty”, o Sonic Youth se tornou minha banda favorita, posto que ocupa até hoje. E, Marcão, se você tiver lendo isso me desculpa ter roubado seu CD (sim, fui eu).
Ouça “Youth Against Fascism”:
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2. Pequeno Cidadão – “Pequeno Cidadão” (2009)
Esse disco marca o momento de maior transformação pelo qual passei nesses meus 35 anos. Ele surgiu na minha vida junto com a gravidez da Karina, minha mulher, e nove meses depois veio ao mundo o Raul, que hoje tá com dois anos e é meu pequeno cidadão. Houve outros discos nessa longa trilha sonora – que tá apenas começando – mas Scandurra, Arnaldo e cia. conseguiram me fazer sentir de novo o gosto da infância vendo meu filho nascer e crescer, e não é raro eu me pegar cantando/assobiando alguma das músicas deste álbum enquanto brinco com o Raul. E Não vejo a hora de a gente repetir a experiência de ir a um show dos marmanjos com seus filhos, agora com ele maior e ainda mais rock and roll.
Ouça “O Sol E A Lua”:
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1. Primal Scream – “Screamadelica” (1991)
“Screamadelica”. Este é o disco da minha vida, e todos que me conhecem sabem disso, mesmo que não queiram. Quando comprei o vinil do Primal Scream em uma loja do Carrefour, em algum momento do começo dos anos 90, não tinha a mínima ideia do impacto que ele causaria em mim. “Screamadelica” fez e faz parte de cada etapa da minha vida, acompanhando como uma eterna soundtrack muitas loucuras sem fim, caretices curtas e marcantes, melancolias diversas, êxtases insanos, horas insones, horas demais de sono, depressões, amigos reais, amigos irreais, surrealismos, fantasmas, euforias, felicidade, derrotas, vitórias, drogas, enfim, se pudesse traduzir minha jornada em música ela seria como é “Screamadelica”. Explicar isso tecnicamente é fácil: no disco tem rock, soul, dub, house, basicamente tudo que gosto. Mas tentar explicar o lado afetivo é impossível. Já pensei em escrever um livro baseado em todas as experiências que tive com “Screamadelica”, então dá pra imaginar que não foram poucas. E se um dia alguém quiser enteder minha relação com este álbum, basta comprá-lo, pô-lo pra tocar durante 20 anos, experimentar tudo que puder e sair dessa longa trip vivo e transformado. “Come Together” to “Movin’ On Up” and let’s get “Loaded” until we get “Higher Than The Sun”. Mais ou menos por aí.
Ouça “Loaded”:
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Na edição anterior de Os Discos da Vida, “Os Discos da Vida: Gaía Passarelli”.
Eu acho o Screamadelica muito mais Acid House do que o Technique mas tenho q concordar q o do New Order foi bem na hora do boom mesmo do house, inclusive, a época q o Acid House era tri.
Muito legal a lista Fábio, tenho vários destes em casa e tua lista tem muito a ver comigo.
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