Seria mais fácil apresentar Gilmar Monte por essa entrevista que Gilberto Custódio fez e que eu publiquei no Floga-se, em janeiro. Aliás, você deve ler. Mas, especialmente, deve ouvir a música.
Porque só a música pode explicar essa mente, como ela pensa, o que ela pensa. Partiu daí o fascínio que eu passei a ter pela sua música contemplativa, intuitiva, provocativa e irriquieta.
O cara tem uma longa estrada nesse negócio de criar sons – ele mesmo diz que não compõe mais canções, apenas cria sons. É isso.
Passou pelo Primitive Painters, pelo Terrorturbo e, então, resolveu colocar sua sensibilidade pra produzir pra si. Como Gimu. Gilmar Monte virou Gimu. Faz música ambiente, experimental, drone, o que você quiser chamar. Só não é pop, só não é digerível com facilidade.
Antes dessa transformação, dessa evolução, porém, ele moldou sua característica como pessoa, como músico, com a “mágica” década de 1980. São quase todos dessa década a lista que preenche “Os Discos da Vida” de Gimu. São discos que talvez você não escute ou perceba na produção atual dele. Ou, se prestar bastante atenção, encontre muitas semelhanças.
É que Gimu aparenta estar em constante mutação – e em algum momento aquela década bate em sua porta novamente, daí vai ao encontro dos nossos ouvidos. Aqui estão só dez, mas são muito mais. Tem que ser muito mais. A riqueza das obras desse artista é difícil de resumir.
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GIMU
“Meus discos favoritos não estão nessa lista. Mentira. Verdade. Nem todos. Cadê o Pixies? Algum deles, pelo menos! Pensei em fazer uma lista de discos que marcaram vários momentos na minha vida: crescer no subúrbio, “sozinho” no fim do mundo, com ninguém por perto que gostava das mesmas coisas que eu; algum disco que fosse a trilha da virada dos 80 pros 90, a época da minha primeira banda; os amigos que faria logo depois, de outros estados, que deram nova direção a minha vida; minhas idas e vindas pra São Paulo, até me mudar do Espírito Santo para lá, as coisas que ouvíamos naqueles anos; o finalzinho dos anos 90, quando de certa forma voltei a ficar bem sozinho; a minha volta para o Espírito Santo, na virada dos 90 pros 2000, as coisas todas que vivi desde então; os amores todos, os amigos todos, a depressão toda, estar perdido e depois achar que tudo havia voltado a normal, e perceber que não é tão simples assim; meus anos na Terrorturbo; sonhos, o momento em que desisti de musica pop pra, solo, esconder minha voz, não compor mais canções e me concentrar em “criar sons”; e muitos e muitos e muitos etc. Tenho essa tendência de ser profundo demais quando o assunto é musica, fujo disso às vezes, mas quando a coisa está nos genes, você faz o quê? Piada, claro! (risos). Bem, a minha lista ignora anos de história e fica praticamente toda lá nos anos 80, quando tudo começou. E eu não ouvi kraftwerk em 1975, porque só tinha quatro anos. Hoje, tenho 17″.
The Smiths – “The Queen Is Dead” (1986)
Talvez eu devesse colocar o “The World Won’t Listen” nessa lista porque foi o primeiro disco dos Smiths que comprei e que fez a vida tomar um outro rumo. Tinha 16 anos quando a banda acabou. Ou seja… Quando estava apaixonado por eles, estava apaixonado por um defunto. Se pergunto a qualquer um que me conhece bem, que disco deveria incluir na lista dos meus dez favoritos, a resposta é imediata: todos dos Smiths. Enfim… Escolho o “The Queen Is Dead”, então, por talvez ser o disco mais perfeitinho deles (será?) e por causa de toda a mítica. E porque preciso escolher um. Ou será que deveria incluir o “Louder Than Bombs”, porque tem mais cara de disco que levaria pra uma ilha deserta do que o “…Queen…”? A vida antes e depois dos Smiths, antes e depois do estrago.
Ouça “The Queen Is Dead”:
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Joy Divison – “Closer” (1980)
Um dia, cansei de somente ler sobre o Joy e fui ouvir a banda. Já estava na hora, assim que o “Closer” foi lançado no Brasil. Ainda morava na minha primeira casa, onde vivi até os meus dezesseis, dezessete anos, no primeiro “aparelho de som” que tive na vida, um CCE… Confesso que não entendi muita coisa. Nada de lado a ou lado b (ãh, como assim????) e aquela música que soava bem lá longe, aquele vocal do além. Difícil entender certas coisas quando se tem tão pouca idade, tão pouca porrada da vida. Um dos casos de discos que crescem depois de um tempo, quando muita coisa começa a fazer muito sentido, quando o lado escuro da vida fica bem mais evidente, e que merda que tem que haver lado escuro da vida, né? O “Unknown Pleasures” deveria estar nessa lista também. Fica aqui a menção.
Ouça “Atrocity Exhibition”:
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New Order – “Brotherhood” (1986)
New order sempre foi tão superficial… Mas como não colocar algum disco deles na lista dos meus favoritos? Na verdade, o “Technique” é o que mais gosto, e o último disco deles na verdade, certo? Alguns diriam que o último foi mesmo o “Brotherhood”. Bem, foi o que ouvi primeiro. Acho que comprei no mesmo dia em que comprei o “Closer”. Aí tinha essa música sobre a qual todos falavam, a tal “Bizarre Love Triangle”. Corta. Ouvia ainda muito rádio nessa época. E tocava essa música que não me agradava muito, um ritmo estranho, me trazia a mente coisas que não achava legal. Volta. Coloquei o “Brotherhood” pra tocar, primeiro o lado b e… A tal música que ouvia na rádio e não gostava: era “Bizarre…”. Decepção total. Tudo o que fiz musicalmente depois de bem grandinho, já na Terrorturbo, virava e mexia, era comparado com New Order. Acho que aprendi a arranjar sintetizadores e baixo em música por causa deles. Ah, talvez o meu fascínio por drum machines seja por causa deles também!
Ouça “Every Little Counts”:
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U2 – “Boy” (1980)
Ou “o que esse disco tá fazendo nessa lista, Gimu?”. Antes que eu soubesse o que o U2 era, antes que eles soubessem o que eles seriam, havia o “Boy”, provavelmente um dos discos mais intensos, vibrantes, contagiantes, apaixonantes do tal pós-punk. Um dos primeiros que comprei na vida, antes de Smiths, antes de tudo. Adorava a banda. Adorava o disco. A banda ficou pra trás porque preconceitos são foda. Mas eu amo, amo, amo o “Boy” e me sinto de um jeito quando o ouço que nem vou tentar descrever.
Ouça “I Will Follow”:
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Vzyadoq Moe – “O Ápice” (1989)
Eu era muito ligado nisso de underground paulista, em música (lá vamos nós…) alternativa nacional, blá blá blá. “O Ápice” deu um nó. É um disco tão absurdo em todos os sentidos que não tem como não ouvi-lo e não sentir nada. A antítese do que quer que seja easy listening. E eu nunca dei a mínima pro fato de algo ser derivativo ou não. O que vale é o que chega aos meus ouvidos primeiro. se tiver interesse, eu vou pro passado buscar as fontes. E se as fontes tiverem sido processadas de um outro jeito, com sotaque de Sorocaba? É…
Ouça “Redenção”:
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As Mercenárias – “Trashland” (1988)
Eu amo esse disco. Amo a capa, amo a urgência das músicas, as estruturas das canções, o tom de raiva com quase alguma esperança. Ouvi-lo é sempre um ato quase religioso pra mim, a intensidade toda, a paixão escorrendo. Uma prima o trouxe de São Paulo pra mim, e até hoje a capa é protegida pelo mesmo plástico da loja onde ela o comprou, uma tal Studio 13. Onde era Studio 13 em São Paulo?
Ouça “Provérbios do Inferno”:
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Kraftwerk – “Radio-Activity” (1975)
E aí, qual do Kraft coloco na lista? Preciso comentar?
Ouça: “Antenna”:
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Durutti Column – “LC” (1981)
É uma lista de mentira essa de 10 discos favoritos. Dez? Não consigo. Pensei em dizer que não teria como fazê-la e ficar livre e pronto. Aí to há dias pensando, olhando pros meus CDs e vinis, lembrando das minhas fitas K7, tentando ser o mais justo possível. Mas não serei. Bem difícil. Vou ter pesadelo com algum disco correndo atrás de mim, querendo me matar. Eu amo o “LC”. O ouço várias vezes, todos os anos. Vejo a capa e imediatamente quero colocá-lo pra tocar. E fico cantarolando quando tem vocal, cantarolando, quando não tem. Santa paz. O “Without Mercy” também deveria estar aqui. Anteontem ele me salvou por algumas horas, me levou pra bem longe daqui (hoje é dia 29 de janeiro de 2012). Os meus discos favoritos de todos os anos são o “LC” e o “Treasure”, do cocteau twins.
Ouça “Jacqueline”:
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Young Gods – “L’Eau Rouge” (1989)
De repente era um tal de ler sobre sampler isso, sampler aquilo. Sampler, sampler. Sampler. E eu no fim do mundo. Não tinha idéia do que iria encontrar quando coloquei esse disco para tocar, provavelmente numa vitrolinha daquelas de tampa, vermelha, que era de uma amiga, e que ficou comigo por um tempo. Não deu pra amar “L’Eau Rouge” de cara. Mais um que exigiu muito de mim, precisei de tempo, de deixar pra lá, até bater aquela vontade doida de ouvi-lo, que até hoje está aqui comigo. Marco e retrato de uma época, e atemporal. E eu nunca vou entender porque diabos os Gods nunca mais voltariam a cantar em francês.
Ouça “Longue Route”:
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My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
“Jura? Não é o ‘Loveless’?”. Ouvi o “Loveless” bem mais do que o “Isn’t…”. Aliás, eu ouvia o “Loveless” várias vezes por dia, e foram semanas e mais semanas assim. Mas nesse momento eu quero esse disco nessa lista (e cade o “Psychocandy”, Gimu? Pois é… Dez discos…). Toda a época do “Isn’t…” na minha vida, agora quando tento lembrar, é meio confusa. Não sei se amei a banda de cara, se amei o disco de cara, se queria ser My Bloody Valentine quando crescesse, essas coisas. Só acho que, sendo daquela geração, nem pega bem fazer uma lista de melhores discos e não incluir algo do MBV, né? (piscadinha). Existia uma sensação ao se ouvir algo pela primeira vez que desapareceu. Não é sempre assim, quando a existencia ganha uns quilos (anos) a mais? Não sou um homem de saudades, sinto saudade de nada. Quase nada. Sinto muita saudade de sentir aquilo que o “Isn’t…” me fazia sentir, antes do começo do fim (oh, que drama!).
Ouça “Soft As Snow (But Warm Inside)”:
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Na edição anterior de Os Discos da Vida, “Os Discos da Vida: Chinese Cookie Poets”.
[…] edição anterior, “Os Discos da Vida: Gimu”. Compartilhe: TweetLeia mais:OS DISCOS DA VIDA: GIMUTHIS LONELY CROWD – […]