OS DISCOS DA VIDA: GUSTAVO JOBIM

“Eu faço música instrumental. Toco instrumentos eletrônicos como sintetizadores, piano digital e computador. Comecei no ano 2000, aos 17 anos. Venho produzindo e lançando meus álbuns em formato digital e CDRs artesanais. Faço o trabalho do músico, gravadora e selo, apenas não dei nome ao selo”: Gustavo Jobim resume muito bem sua atividade artística na bio do seu site.

É uma batalha. É desgastante. Mas deve ser, na outra ponta, igualmente gratificante, porque Gustavo segue produzindo em boa quantidade e qualidade. Só em 2013, apareceram, entre outros, os ótimos “Stream” e “Manifesto”. Em 2014, “Inverno”.

Sua música é bem o retrato de sua aculturação musical, identificada nessa edição de “Os Discos Da Vida”. Dez obras caracterizadas pela “repetição, intensidade, emoção”, com textos bem pessoais sobre o contato com tais obras. Tudo junto – e mais tantos outros artistas, alguns deles citados nos textos – culminou no compositor Gustavo Jobim e a “lógica sinfônica” presente em seus discos.

Ao acompanhar o trabalho desse carioca, você verá que toda história, todo esforço, toda dedicação e trabalho valeram a pena.

GUSTAVO JOBIM

“Realmente, não é fácil listar dez discos que ‘mudaram minha vida’, porque acho que são bem mais que dez. Mas alguns marcaram fundamentalmente. A maior parte dessa seleção é de música com características de repetição, intensidade, emoção. Músicas assim são as que mais costumam me mover. Quase todos são dos anos 70; metade da lista é de 1973/1974. Quase toda música sendo feita atualmente que me interessa surgiu nos anos 70 ou antes mesmo, ou é influenciada por músicos e obras dessa época. Por isso continuo pesquisando e ouvindo os clássicos e os pioneiros”.

Carl Orff – “Carmina Burana” (1937)
Uma das mais clássicas do século XX; conheço desde muito pequeno. Continua sendo um dos poucos “discos de ilha deserta”. Minha coleção de CDs tem duas gravações diferentes dela. “Carmina Burana” parece mas não é uma ópera (que geralmente conta uma história com determinados personagens). É um ciclo de canções que na versão original inclui também apresentações cênicas. A música é simplificada, sem complicações características da música erudita de vanguarda da época. Assim, a “Carmina Burana” parece ter sido feita na Idade Média mesmo. O disco não é só aquela primeira parte muito famosa; essa primeira parte é só a ponta do iceberg dessa obra-prima. Abaixo há uma boa gravação completa da obra de uma hora de duração, incluindo a letra original acompanhada de tradução pro inglês.

Ouça “Carmina Burana”:

Jean Michel Jarre – “The Concerts In China” (1982)
Esta é a minha introdução à música eletrônica. Ainda na infância, conheci no final dos anos 80. A capa chamativa me impressionou, me lembro da primeira vez que vi, eu tinha cinco anos. A música ficou entranhada na minha cabeça até eu redescobrir o Jarre em 1998, na
pré-história da Intranet, num site que tinha a maior parte da discografia em MP3s. Baixei tudo e comecei a pesquisar e pensar em fazer música naquele momento. Minha primeira tentativa de gravar alguma coisa foi tirar de ouvido a faixa “Magnetic Fields II”, que neste álbum tem a melhor versão. O álbum é uma mistura de faixas gravadas ao vivo e algumas de estúdio inspiradas na China. É o primeiro e melhor álbum ao vivo do Jarre. Nos melhores (primeiros) discos do Jarre é onde se ouve a conexão do mundo da música clássica sinfônica com a música eletrônica. Ao mesmo tempo, mesmo fazendo música instrumental, ele conseguiu popularizar imensamente a música eletrônica, vendendo milhões de discos na virada dos anos 1970-80. Algo que Kraftwerk só conseguiu fazer recorrendo aos formatos mais comuns de canção pop, começando em 1974 com o refrão de “Autobahn”.

Ouça “Magnetic Fields II”:

Tangerine Dream – “Pergamon” (1980)
Esse foi o disco que conheci em 1999 e me convenceu definitivamente a seguir o caminho de fazer música. As estruturas longas e repetitivas se sincronizaram instantaneamente com as formas musicais que eu imaginava desde muito criança. O encontro com esse disco foi impressionante e ainda lembro do dia. Esse fenômeno de imaginar e cantarolar formas musicais ainda acontece; talvez seja algum tipo de hiperatividade cerebral. Mas então o que pensei foi o seguinte: “se o Tangerine Dream conseguia transformar esse tipo de ideia em música, então eu também tinha que fazer”. O álbum “Pergamon” contém só duas faixas de mais de vinte minutos, tipo de característica que sempre me chamou a atenção nos primeiros anos de pesquisa, pois durante a infância sempre gostei de ouvir música clássica instrumental de longa duração, normalmente sinfonias. O álbum é baseado em gravações ao vivo, com elementos de estúdio adicionados posteriormente. A faixa “Quichotte, Part II” é das mais densas que o grupo já fez e ainda conta com um excelente e longo
solo de guitarra.

Ouça “Quichotte, Part Two”:

Klaus Schulze – “X” (1978)
Este disco, e outros do Schulze que conheci na época (entre 2000 e 2001), mostraram outro caminho de música eletrônica a seguir – e que foi seguido por muita gente. Se nos seus melhores discos, Jarre usa a linguagem clássica-sinfônica pra criar obras eletrônicas, neste que é o melhor disco do Klaus Schulze, ele usa a linguagem da improvisação e dos sons e texturas eletrônicas pra criar obras de envergadura sinfônica. A faixa mais evidente nesse sentido é “Ludwig II Von Bayern”, que ao longo dos sons eletrônicos tem um tema principal tocado por um grupo de cordas. O subtítulo do álbum é “Seis Biografias Musicais”: cada faixa leva o nome de uma personalidade alemã. Outro destaque é a primeira faixa, “Friedrich Nietzsche”.

Ouça “Ludwig II Von Bayern”:

Kraftwerk – “Autobahn” (1974)
Entre 1998 e 1999, já pesquisando atentamente na Internet, tomei conhecimento do Kraftwerk e deste disco. Tangerine Dream, Klaus Schulze, Jarre me mostraram diferentes aspectos e possibilidades da música eletrônica. O que Kraftwerk me ensinou foi a fazer o máximo com o mínimo (engraçado que isso lembra o título do vídeo recente deles, “Minimum-Maximum”). Sons crus, poucos instrumentos, boas ideias. “Autobahn”, o quarto disco do Kraftwerk, é feito com instrumentos fabricados pela própria banda, outros instrumentos rudimentares e até um pouco de sons acústicos, como na última faixa, “Morgenspaziergang” (“Passeio pela manhã”), que resgata o clima mais pastoral e experimental dos primeiros discos deles. As músicas tem estruturas e melodias muito simples e repetitivas. A faixa título dura mais de vinte minutos mas fez sucesso na época na versão editada pra rádio, com uma letra minúscula cantada por um não-cantor. Muitas inovações e ao mesmo tempo clichês de música pop. Outros artistas já vinham trazendo sons eletrônicos pro mundo pop antes do Kraftwerk, mas foram eles que começaram a descobrir a fórmula definitiva, neste disco aqui.

Ouça “Autobahn”:

Mike Oldfield – “Tubular Bells” (1973)
Assim como os outros discos citados até agora, este foi um marco pra mim. Também fui conhecer por volta de 1999 ou 2000, e já sabia da importância dele antes de ouvir. E mais uma vez é um disco com músicas longas, instrumental, e muitas inovações. Mas aqui não tem eletrônica, é tudo acústico e quase tudo guitarras. São duas faixas contínuas, uma para cada lado do disco. Existem poucos temas, que são repetidos e reciclados em diferentes combinações, variações e arranjos. Técnica muito comum no trabalho do Oldfield. A primeira faixa é mais repetitiva e é um pouco como o “Bolero”, do Maurice Ravel, só que com instrumentação popular: piano, violão, guitarras etc. Mas enquanto o “Bolero” fica só na repetição mesmo, o Oldfield leva a música pra um belo clímax, outra especialidade dele – e é esse “detalhe” que faz o Mike Oldfield ser infalível e genial nos melhores discos dele, como este aqui, além de “Ommadawn” e “Amarok”, pra citar só dois. Este foi o primeiro disco do Oldfield, gravado no final da adolescência dele. Rendeu milhões pra todos os envolvidos. Atualmente pra adolescente ficar rico com música tem que fazer música um pouco diferente de “Tubular Bells”. Felizmente a grana permitiu que ele continuasse aperfeiçoando a fórmula numa série de outros discos cada vez melhores. Mas pro mundo e o próprio músico, “Tubular Bells” é um marco fundamental. Este disco me abriu as portas do rock progressivo, e a partir dele acabei chegando a muitas outras obras-primas (menções honrosas dessa lista) como “Velha Gravura” do Quaterna Réquiem, “Zarathustra” do Museo Rosenbach, “Trettioåriga Kriget” da banda de mesmo nome, “Darwin!” do Banco del Mutuo Soccorso, “Epilog” do Änglagård e muitos outros.

Ouça “Tubular Bells Part One”:

Tom Zé – “Todos Os Olhos” (1974)
Depois eu fui entender que neste álbum Tom Zé mergulhou definitivamente e sem medo no experimentalismo – e é talvez o melhor disco dele. Ouvi esse disco pela primeira vez no começo dos anos 2000, graças ao programa “Ronca Ronca” do Mauricio Valladares. “Todos Os Olhos” é um disco sensacional, cheio de loucura e ironia; foi com ele que comecei a ouvir música com letra, e música brasileira. É um disco fundamental pra mim.

Ouça: “Todos Os Olhos”:

Walter Franco – “Ou Não” (1973)
Walter Franco faz letras concretistas, curtas, repetitivas e certeiras. Composições construídas em estúdio com infinita criatividade. Ouvir esse disco pela primeira vez foi uma experiência profunda.

Ouça “Mixturação”:

Philip Glass – “Einstein On The Beach” (1976)
No Philip Glass mais uma vez descobri um artista capaz de criar enormes estruturas musicais com poucos elementos, fazendo uso de repetição, e conseguindo mesmo assim fazer música emocionante. Também descobri na mesma época, início dos anos 2000 – com a faixa “Knee Play No.3”, que é a peça central do álbum. Foi uma grande revelação. O video abaixo é de uma performance da “Knee 3”. A capa é da edição que tenho na coleção, e é a melhor gravação dessa obra.

Ouça “Knee Play No.3”:

Magma – “Mëkanïk Dëstruktï? Kömmandöh” (1973)
O Magma tem: repetição; música longa levando a clímax apocalípticos (repare no título); instrumentação variada; letras cantadas em coro num idioma inventado, o Kobaiano, que fala sobre mitos intergalácticos (o álbum tem uma história específica). Precisa dizer mais? O Magma está além do bem e do mal.

Ouça “Mëkanïk Dëstruktï? Kömmandöh” na íntegra:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Sérgio Martins”.

Leia mais:

Comentários

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Um comentário

  1. Hackeando o pedido, eis mais menções honrosas à lista!
    Jorge Ben – A Tábua de Esmeralda
    Heldon – Stand By
    Motorhead – Ace of Spades
    Black Sabbath – Black Sabbath
    Can – Tago-Mago
    Faust – Faust
    Vangelis – Heaven and Hell
    Domácí Kapela – Jedné Noci Snil
    Synkopy – Slunecni Hodiny
    Van der Graaf Generator – Pawn Hearts
    King Crimson – Red
    Cluster – Zuckerzeit
    Neu! – Neu!’75
    Godspeed You Black Emperor – Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven
    Nine Inch Nails – The Downward Spiral
    Sonic Youth – Daydream Nation
    Laurie Anderson – United States Live
    Erik Satie – Complete Piano Works (caixa – 10 CD)
    Beethoven – Sinfonia No.9
    Sigur Rós – Ágaetis Byrjun
    Steve Reich – Music for 18 Musicians
    Enfim, quanto mais vou pensando, mais nomes aparecem. Mas pra chegar a quase todos esses, primeiro passei por aqueles do “top 10”.

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