OS DISCOS DA VIDA: INVERNESS

Já disse que o Inverness não é uma “banda comum”. Quer dizer que ela faz um tipo de pop sonhador, daqueles que o Brasil não está acostumado a ver, um tipo de som que nos acostumamos adorar vindo lá de fora, sem se dar conta de que ele também ecoa aqui no nosso quintal.

Nos dois discos já lançados, o método faça-você-mesmo mostra, entre outras coisas, que havia um desejo intenso de mostrar o trabalho, quase um expurgo da vontade de criar. Um trabalho que praticamente explodiu pelos anos de bombardeio de música nas quatro mentes da banda – esse bombardeio qual um cardápio variadíssimo está resumido aqui, na nova edição de “Os Discos da Vida”.

Lucas de Almeida (vocal e guitarra), Mateus Perito (vocal e guitarra), Marcio Barcha (bateria) e Flavio Fraschetti (baixo) listam os discos que mudaram de alguma maneira suas vidas e os fizeram querer tocar, montar uma banda e trovejar artisticamente pro mundo.

Se o Brasil hoje tem uma banda da envergadura do Inverness deve muito as esses discos listados abaixo. E ao entendimento dos quatro sobre os sentimentos diversos e fúria ali contidos.

MATEUS PERITO (vocal, guitarra e efeitos)

“Eu odeio profundamente o senhor Fernando: só cinco discos, Fernando? Vai à merda. Eu quero fazer as menções honrosas (afinal, qualquer lista que se preze tem espaço para as menções honrosas), se não eu fico maluco. Então lá vai, os queridos que ficaram de fora: “Halcyon Digest” – Deerhunter, “Loveless” – My Bloody Valentine, “The Queen Is Dead” – Smiths, “3 Feet High and Risinig” – De La Soul, “Doomsday” – MF Doom e por aí vai, é melhor eu parar por aqui se não eu fico até amanhã”.

Afghan Whigs – “Black Love” (1996)
Esse é, com certeza, meu disco favorito de todos os tempos. A classe desse disco é de deixar qualquer pessoa de queixo caído. Tudo está no mais perfeito lugar. Enquanto ouço o álbum vou de extremos, desde querer dançar com “Blame, Etc.” (estranho, eu sei), até queimar a cidade com “Going To Town”, mas o que acaba comigo é quando chega “Bulletproof”. Aí sim tenho vontade de sair na rua e matar gente safada (risos). Eu já amava o Afghan Whigs antes de ouvir o “Black Love”, mas quando ouvi esse disco eu quase chorei e o engraçado é que fui descobrir essa banda bem mais velho. Vai entender!

Ouça “My Enemy”:

Avey Tare and Panda Bear – “Spirit They´re Gone, Spirit They´ve Vanished” (2000)
Esse disco é espetacular, foi através dele que conheci o Animal Collective. O mais engraçado é que eu conheci esse disco na primeira festa que eu fui na casa do Lucas, depois que entrei no Inverness. Ele colocou pra tocar “La Rapet” (até hoje minha música favorita dos animais). Eu não sei por que gosto tanto desse disco, ele é mal gravado, barulhento, quase impossível de ouvir em um fone (culpa dos agudos extremos), e ultraexperimental. Já ouviu “April And The Phantom”? Ouve que você vai entender. Mas apesar de tudo isso, esse disco é espetacular. O fim me dá vontade de ter escrito todas as músicas desse disco, “Bat You´ll Fly” tem uma das melodias e harmonias mais incríveis da história da música. Por sinal, estou ouvindo o “Spirit…” pra escrever isso aqui.

Ouça “La Rapet”:

Caetano Veloso – “Transa” (1972)
Vai, no fundo, não preciso falar nada, preciso? Bom, vou falar mesmo assim, o disco é uma aula do que é experimentação com o pop. “Triste Bahia” é a coisa mais chocante que ouvi em toda a minha vida, e ainda sou obrigado a ouvir que experimental mesmo é Lightning Bolt… Ah, me dá um tempo! Já ouviram “Neolithic Man”? Então, não tem conversa (haha o Lucas vai me matar). Cara, a guitarra do Jards Macalé em “Nine Out Of Ten” é coisa de gente grande. Mas que merda ter nascido em 80! Nada mais a declarar.

Ouça “You Don’t Know Me”:

Jorge Ben – “Força Bruta” (1970)
Dançar, dançar, dançar, tomar cerveja, festejar, conhecer pessoas, não ter o que reclamar da vida, coitado do Comanche, comer canjica, ai ai ai, atender o telefone, força brutaaaaaaa. Tudo isso em um disco só, dá pra entender? Senhor Jorge Ben sabe o que faz. Por sinal foi um drama selecionar o “Força Bruta”, porque o cara tem uns cinco discos incríveis: “Ben”, “Negro É Lindo”, “Solta O Pavão”, “Tábua De Esmeralda”, “África Brasil”, porém nenhum com o impacto e as emoções do “Força…”. Para você ter uma ideia, quando estou no metrô e começa a tocar “Apareceu Aparecida” eu começo a me sacudir, fico parecendo um idiota, mas não adianta, não dá pra ficar parado. Começou aqui, “Oba, Lá Vem Ela”, chega, não tenho mais nada a dizer.

Ouça “O Telefone Tocou Novamente”:

Curtis Mayfield – “Curtis” (1970)
Esse disco é perfeito do inicio ao fim: oito músicas que me dão vontade de parar tudo que estou fazendo e só prestar atenção nas músicas; eu sou inútil quando está tocando, só consigo prestar atenção nele, estado de transe absoluto. “We the People Who Are Darker Than Blue” é uma das músicas mais lindas de todos os tempos; “Move On Up”, apesar de óbvia, é espetacular, não dá pra ficar parado. Fora que esse elegantíssimo senhor é um dos maiores compositores de todos os tempos, ele não só fez o “Impressions”, como três discos de outro mundo (“Curtis”, “Roots” e “Super Fly’), e pra por a cereja no topo, os caras do Baby Huey & The Babysitters gravaram várias músicas dele.

Ouça “We Are The People Darker Than Blue”:

LUCAS DE ALMEIDA (vocal e guitarra)

Fly Pan Am – “N’Ecoutez Pas” (2004)
Para mim (é importante que eu faça essa distinção pois com o tempo descobri que são muito poucos os que me entendem nessa questão, muito menos então os que concordam comigo), esse disco é uma experiência metasensorial. Poderiamos chamá-la de “pós-sensorial”, talvez. Enfim, foda-se, o disco é absurdamente incrível. É impossível descrever a intensidade do frio que sinto na espinha quando começam os burburinhos eletrônicos da “Vos Rêves Revers” ou o conforto sub-atômico e anti-material da volta do breakdown da “Très Très Retro.” É simplesmente pós-sensorial. Essas músicas são mais que músicas, são meta-músicas. E, concordemos, esse baixista não é humano. Não pode ser. Aliás, eu me sentiria mais confortável se soubesse que esse álbum é na verdade uma gravação alienígena descoberta na Antártida nos anos 50.

Ouça “Vos Rêves Revers”:

Scoundrel – “High School Record” (2004)
Não tem capa, não tem créditos, não tem BandCamp ou MySpace. É simplesmente um CD-R que um colega meu me entregou quando morava nos EUA que continha as palavras “Scoundrel” e “High School Record” marcadas com canetinha. As músicas variam entre baladinhas relativamente pop, instrumentais e experimentos curtos, todos de uma qualidade surpreendente e simples; tudo gravado no GarageBand daquele primeiro laptop branquinho da Apple que ficou popular no começo deste século. O disco virou quase um bicho de estimação pra mim, muito porque o colega que o fez se distanciou da música e de mim muito rápido e virou uma espécie de mito – um super-herói do “do it yourself” e pioneiro desconhecido do “bedroom pop” que ficou tão famoso depois que o Bradford Cox começou a despejar pequenos clássicos em seu blogue. Fico pensando o que teria sido dele se tivesse entregado o CD a um agente com bom faro ao invés de mim; ainda assim fico feliz por poder ter um pedaço tão singelo e honesto da vida de uma pessoa que mal conheci, mas significou e inspirou tanto no progresso da minha.

Ouça “Gypsies”:

Do Make Say Think – “& Yet & Yet” (2002)
Uma vez vi uma resenha sobre esse disco que dizia: “é um disco para descomprimir a mente”. E é exatamente isso. Chegue em casa depois de um dia exaustivo e coloquei esse disco pra tocar e acontece bem como o Windows 95 fazia quando “desfragmentava” o disco rígido, só que com o seu cérebro. É a perfeita definição de música ambiente do Brian Eno (nada mais, nada menos que o criador do termo): música que preenche o ambiente físico e te deixa fazer outras coisas mas também te recompensa por prestar atenção. E não tem como não prestar atenção quando começa a linda melodia vocal de “Soul & Onward” que passeia por entre os outros instrumentos como se fosse fácil. Simplesmente foda.

Ouça “Soul And Onward”:

Radiohead – “The Bends” (1995)
Desde que a clássica “Fake Plastic Trees” começou a aparecer pelas rádios daqui, ela me atingiu em cheio. Nos meus inocentes anos pré-adolescentes cheguei a dizer que era a melhor música que já tinha ouvido. Só que havia um problema: eu não sabia o nome dela nem de quem a cantava, tal era e ainda é o costume dos DJs (se é que dá pra chamá-los assim) das rádios de simplesmente não os citarem com tanta frequência. Muitos anos depois, em um surto de tédio, decidi que não dormiria enquanto não descobrisse o nome daquela música mística que amei por tanto tempo. E não deu outra, descobri não só ela mas também a obra completa dessa banda incrível que é o Radiohead; esse disco sendo a ponte entre essa música preferida e as tantas outras que a seguiram.

Ouça “Fake Plastic Trees”:

The Hospitals – “I’ve Visited The Islands Of Jocks And Jazz” (2005)
Me deparei com esse álbum no final de uma desgastante excursão pelo lado mais extremo da música experimental. Foi uma época um pouco conturbada em que eu precisava soltar muita energia que havia ficado latente por muito tempo, e esse tipo de música me ajudou bastante. Esse álbum é, na superfície, horrível. Ele parece que foi feito de lixo, lama, e um pouquinho daquela sujeira grotesca que resta numa pia sem uso há anos. Mas, no fundo, ele é lindo. É uma sinfonia de cacofonias auto-destrutivas e nocivas ao ouvido, porém harmoniosas e belas pela simplicidade e honestidade da banda e de sua execução. Tenho um amigo que mede a qualidade de uma determinada música pela possibilidade de, mediante tocá-la apenas usando um violão e uma voz, ela continuar sendo boa. Eu juro que se você retirar as toneladas de sujeira por cima das músicas desse disco, elas passariam no teste. Mas pra quê? É uma sujeira tão gostosa de se ouvir.

Ouça “Rich People”:

MARCIO BARCHA (bateria)

Oasis – “Be Here Know” (1997)
Terceira série do ensino fundamental: eu, meu irmão e o Lucas brincando de Lego ouvíamos esse CD no repeat. Tinhamos nossa banda, Aquiesce, que usava meus tacos de hóquei como instrumento imaginário e com composições que refletiam nossos problemas da época: “Perfect D’arc”, jogo do N64 no qual torramos meses. Dessa árdua e custosa época, lindos singles foram compostos: “Os Invisíveis” e “Datadyne”.
Mas falando sério, Oasis foi a última banda que meu irmão realmente gostou.

Ouça “My Big Mouth”:

Pearl Jam – “Ten” (1991)
Unico CD da minha mãe que eu gostava. Ouvia no carro sempre antes das aulas e apresentações do teatro, acabei ficando curtindo ele demais, o subtraí e fiquei com o álbum pra mim. Hahah! Pô, baita CD de estreia! Ao meu ver, não tem nenhum buraco! Lembro de voltar “Jeremy” sempre na última virada da bateria, achava ela do caralho, encaixava certinho com o resto da música e dava o toque… Sei lá, foi a música que me fez querer tocar bateria! Até hoje guardo o bem e velho “Ten” de capa vermelha com o adesivo reluzente do “MUSEU DE DISCOS”, finada loja do Shopping Iguatemi, onde lembro de ter comprado meus primeiros CDs: Offspring (“American”a), Madonna (“Ray Of Light”) etc…

Ouça “Once”:

American Football – “American Football” (1999)
Lindo. Do começo ao fim, é lindo. Esse álbum marcou uma fase importante da minha vida, que (nem) todos os adolescentes passam; Quando você termina o colégio e não faz ideia do que fazer da sua vida, e com você e seus círculos sociais quebrados, amores joviais desgastados, e se sente meio como o barco que Robin Willians pintou em “Gênio indomável”. Dessa mesma época, eu poderia citar o Gloria Record ou Mineral e suas guitarras com inflamação na garganta, mas o AF foi o que mais ouvi e me identifiquei. Dizem pra tomar cuidado quando você lê um texto, pois pode estar transferindo suas expectativas a ele e “entender” somente o que te agrada. Com um álbum é a mesma coisa, a questão é que é impossível não ler ou ouvir algo já pendendo pra sua própria concepção e, nas dadas circunstâncias, esse CD foi feito pra mim!

Ouça “Never Meant”:

Deehunter – “Microcastle” (2008)
Me deu uma concepção diferente da música. Pela primeira vez, ouvi uma banda que misturava samples e guitarras melódico-agressivas de um jeito único e de bom gosto. Me apaixonei. Ficava ouvindo “Little Kids” e “Microcastle” chapado e quase ria sozinho, parece que elas me faziam cócegas! Esses dias ainda concluí que esse CD é como uma trip barbitúrica: começa pouco onírico e muito “agressivo”, por assim dizer, e a cada música que passa esses níveis vão se alterando até que, no fim, já fagocitado pela viagem, um último espasmo muscular faz de você um epilético, que é “Twilight At Carbon Lake” e que mistura os dois elementos supracitados de forma hipnótica.

Ouça “Little Kids”:

My Bloody Valentine – “Loveless” (1991)
Eu não ouço esse CD, ele me ouve.

Ouça: “When You Sleep”:

FLÁVIO FRASCHETTI (baixo)

Ramones – “Loco Live” (1992)
Nunca vou esquecer do dia que cheguei em casa e meu pai tinha acabado de comprar um daqueles aparelhos de som da Gradiente com CD Player. No outro dia fui correndo no mercado aqui perto de casa e pedi pra minha mãe me comprar o “Loco Live” do Ramones e foi o primeiro CD que ouvi na vida e devo ter passado meses ouvindo e pogando pela sala que nem um macaco depois de tomar anfetaminas. Acho que sei cantar o show inteiro até hoje incluindo todas as entonações dos clássicos “one, two, three, four!” antes de cada música.

Ouça “Blitzkrieg Bop”:

Belle And Sebastian – “If You’re Feeling Sinister” (1996)
No segundo ano da faculdade, me deu um surto e um belo dia resolvi sair de carona sem rumo com um amigo. Passamos 23 dias entre Minas, Goiás e Bahia passando todo tipo de apuros e também dias incríveis como uns nômades esquizofrênicos e bêbados. Em uma das noites ficamos “presos” em uma cidade no interior da Bahia e não tinha nenhum lugar seguro pra passarmos a noite. Então a gente montou as barracas perto de um rio e fizemos uma fogueira e matamos uma garrafa de cachaça de beira da estrada pra espantar o frio. Então meu amigo pegou o violão e tocou “Get Me Away From Here I’m Dying” e de repente o disco que eu tinha comprado por cinco contos em alguma promoção e passou um ano apodrecendo na gaveta começou a fazer todo o sentido do mundo. Eu comecei a gostar tanto que tirei todas as músicas do disco.

Ouça “Get Me Away From Here, I’m Dying”:

Christian Death – “Only Theatre of Pain” (1982)
Tudo bem que quando eu era novo adorava o Marilyn Manson, as produções fodidas de “Antichrist Superstar” e foi um momento bem marcante da minha vida. Mas quando descobri a figura do Rozz Williams a coisa foi bem mais longe. Do Christian Death, este é meu álbum preferido. A atmosfera punk é incrível, e provavelmente é o disco de deathrock/gothpunk mais importante até hoje. Mas, caso você goste, deve saber que é impossível não ver os trabalhos solos do Rozz Williams como o “Premature Ejaculation” ou o filme “Pig”. Aliás, o Ron Athey, seu ex-companheiro de performances e que participou do “Only Theatre Of Pain”, como backing vocals, está com um projeto de crowdfunding pra lançar um livro com todo o material gráfico que acumulou ao longo dos anos. Não vejo a hora de receber minha cópia.

Ouça “Romeo’s Distress”:

Black Sabbath – “Black Sabbath” (1970)
Provavelmente eu comecei a tocar guitarra por causa desse disco. Então ia postar outro dizendo sobre minhas referências atuais pra tocar baixo, mas daí lembrei que é esse mesmo disco (risos)! Pra completar, recentemente descobri que o baixista Geezer Butler também já foi guitarrista antes de tocar baixo no Black Sabbath, então não poderia ser mais perfeito! Fica só ele mesmo. Pra variar, o primeiro contato foi assustador. Minha mãe adora Black Sabbath, e quando eu era criança estava na casa da minha avó fuçando nos armários quando vi o disco com a foto da mulher na frente daquela casa parecendo assombração. No começo eu morria de medo de ouvir, achando que ia chamar o capeta (risos).

Ouça “Black Sabbath”:

Björk – “Medúlla” (2004)
Escolhi esse disco por ser uma síntese de tudo o que tenho ouvido atualmente. O processo de produção criando bases com vozes é incrível e a mescla que a Björk faz entre eletrônica e melodias com sua voz é algo invejável por qualquer músico vivo. Pena serem apenas cinco discos! Ficou faltando espaço para falar sobre Joanna Newsom, Crystal Castles, Sigur Rós, Bob Dylan e até mesmo a turma da Odd Future, que tem sido bem presente no dia a dia por aqui.

Ouça: “Vökuró”:

Na próxima edição de “Os Discos da Vida”, Sin Ayuda.

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Loomer”.

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