OS DISCOS DA VIDA: JUSTINE NEVER KNEW THE RULES

Um belo nome de banda: Justine Never Knew The Rules. As regras são as da música pop tradicional, de modo que Bruno Fontes, Marcel Marques, Maurício Barros e o mais recente adicionado Gabriel Wiltemburg tentam desvirtuar a autoproclamada “pouca técnica” (“Tem alguns casos que nem sabemos a nota que estamos tocando, é verdade”, disseram ao Música Pavê) com a mesma dose de agressividade, criatividade, lisergia e simplicidade que bandas como The Velvet Underground, The Jesus & Mary Chain e My Bloody Valentine oferecerem.

Daí que em 2014, misturando tudo isso, surgiu o “EP”, primeiro lançamento oficial (ouça aqui), o suficiente pra chamar atenção da mídia subterrânea atenta e de outras bandas, que logo quiseram que a Justine tocasse em shows com elas – do Wry ao Curumim, passando por Test, Loomer e Kid Foguete. JNKTR se identifica com todas essas – é como se a banda realmente tivesse o DNA de todas as outras.

Depois, veio o primeiro disco cheio, “Overseas” (ouça aqui), em 2016 (um dos melhores do ano no Floga-se), e a Justine se consolida pra além de uma aludida “imitação do Jesus & Mary Chain/My Bloody Valentine”.

Curiosamente, nenhuma das duas bandas aparece na lista de Os Discos Das Vida dos seus integrantes (três deles enviaram os discos que mudaram suas vidas). É, porém, uma lista com obras curiosas, que apresenta um leque mais amplo de influências pra banda.

Vale ver como se construiu um dos grupos mais interessantes do subterrâneo nacional.

MAURÍCIO BARROS

Kraftwerk – “Radio-Aktivität” (1975)
Quando eu era criança, me lembro de meu pai ouvir música quase todo domingo. Ele tinha um Telefunken e uma coleção de vinis, a maioria de orquestras. Um dia ele me chamou e colocou uma K7 que tinha ganhado de um amigo há muito tempo. Era um som bem diferente do que ele costumava ouvir, totalmente eletrônico e com um clima etéreo. Nunca tinha ouvido nada parecido. Fiquei com aquelas músicas na cabeça por anos. Ele dizia que era Pink Floyd mas quando fiquei mais velho descobri que era “Radioactivity”, do Kraftwerk.

Ouça “Radioaktivität”:

Legião Urbana – “Dois” (1986)
Foi por causa desse disco que resolvi montar uma banda e um dos poucos que, depois de tantos anos, consigo ouvir do começo ao fim numa boa. “Tempo Perdido”, “Andrea Doria”, “Acrilic On Canvas” me impressionam até hoje. Legião Urbana marcou minha adolescência. Hoje em dia não escuto tanto, mas foi através do Renato Russo que conheci Jesus And Mary Chain, Joy Division, The Cure, Neil Young e várias bandas que são minha base artística.

Ouça “Acrilic On Canvas”:

David Bowie – “Ziggy Stardust – The Motion Picture” (1983)
Quando tinha uns 15 anos, parei de comprar gibis na banca da minha cidade e comecei a comprar DVDs de bandas. Um dia, por acaso, comprei o ao vivo do último show do Ziggy Stardust And The Spiders From Mars. Quando coloquei pra assistir em casa, fiquei em choque. Aquela maquiagem pesada, filmagem escura e bem tosca (pros padrões do que conhecia naquela época). Nunca tinha visto nada parecido. O Kiss e essas outras passaram a ser fichinha. Spider From Mars era bem mais legal. Queria ser o Mick Ronson. Foi ali que conheci Velvet Underground, porque eles fizeram uma versão pra “White Light/White Heat”. Eu assistia o dia inteiro. Lembro que meus pais passavam me olhando estranho quando estava assistindo. Ficava encanado pensando que eles achavam que eu era gay. Eu adorava aquilo.

Ouça “White Light/White Heat”:

The Velvet Underground – “White Light/White Heat” (1968)
O primeiro do Velvet Underground é legal. Mas acho que nesse disco o Velvet ficou mais livre e maduro como banda. Mais direto e sem influências externas, Andy Warhol ou Nico. Como se pegassem “Venus In Furs” e levassem pra outro nível. Esse mix de proto punk, letras explícitas/junk, mas ao mesmo tempo poéticas, me puxaram pra sempre pro underground. Caminho sem volta. Depois disso, nunca mais ouvi música da mesma forma. Abriu caminho pra me afundar em Jesus And Mary Chain, My Bloody Valentine e fazer um corte de cabelo estranho.

Ouça “Lady Godiva’s Operation”:

The Beach Boys – “Pet Sounds” (1966)
Depois que comecei a gostar de música, não levou muito tempo pra eu ficar fanático por Beatles (aliás, não coloquei nenhum deles aqui porque amo todos). E foi justamente por causa deles – daquele lance rivalidade/inspiração entre Beatles e Beach Boys que rolou em 66, que fui ouvir esse disco. Na época, eu ouvia bandas com sons mais diretos, mais punks, e através do “Pet Sounds” saquei pela primeira vez a beleza dos detalhes, da complexidade na música. Toda vez que escuto encontro um detalhe diferente. Acho que é meu disco preferido.

Ouça “Here Today”:

BRUNO FONTES

Nirvana – “In Utero” (1993)
Eu tinha por volta de 11 anos e passava por aquela fase que todo jovem roqueiro que foi adolescente nos anos 2000 passou: a do new metal. Nunca fui muito fã desse tipo de som, mas era o que tocava na “rádio rock” da cidade e o que meus poucos amigos estavam ouvindo, então acabei caindo nessa cilada. Por coincidência, um dos meus primos mais velhos, na época com seus 19 anos, tocava em uma banda que fazia coveres das bandas desse gênero e quando soube que eu estava gostando, me chamou pra ir até sua casa pra conhecer sua coleção de k7s, CDs e discos. Ao fim da visita, meu primo teve a ideia de me emprestar algumas coisas pra ajudar na minha construção musical e me pediu pra escolher algo pra levar pra casa. Nequela época, eu já conhecia o Nirvana, mas não tinha ouvido muito mais do que três músicas, e mesmo assim, por algum motivo que não sei explicar, ao invés das bandas de new metal, escolhi o “In Utero” pra levar! Lembro de ficar com esse CD emprestado por anos e de mudar minha mente em relação ao rock após ouvi-lo algumas vezes. Daquele momento em diante, a rádio já não satisfazia minhas necessidades e todo dinheiro que eu conseguia se transformava
em CDs.

Ouça “Serve The Servants”:

Blind Guardian – “Tokyo Tales” (1993)
Como todo bom adolescente, também tive minha fase metal. Ouvi diversas bandas que hoje não me descem, mas tem um álbum que sempre vou conseguir ouvir: “Tokyo Tales”, do Blind Guardian. Lembro de ter uns 13 anos quando fui pra um apartamento na praia com meus pais e minhas duas irmãs mais novas. Como não conhecia ninguém por lá, acabei ficando sozinho por duas semanas, sendo que eu nem gosto de praia. Por sorte o carro do meu pai tinha tocador de CD e esse álbum foi o meu grande companheiro até o fim da viagem. Ouvi ele todos os dias, no estacionamento do apartamento, enquanto a família ia se banhar nas águas salgadas. E como o CD físico geralmente trazia encarte, acabei decorando todas as letras, que devo saber até hoje. Recomendo a todos que se interessam por fortes rifes de guitarra sem linhas exageradas.

Ouça “Time What Is Time”:

Placebo – “Meds” (2006)
Me lembro de ficar de boca aberta quando conheci o Placebo. Era uma banda do rock alternativo que conseguia ter gravações em seus álbuns com uma produção impecável. Sentia que não tinha visto aquilo desde o Nirvana. Eles não eram só mais uma banda indie como as outras que eu costumava ouvir, eram mais interessantes, com mais influências dos 90s. Já gostava bastante do “Sleeping With Ghosts” (2003), mas foi com o “Meds” que o Placebo se tornou uma de minhas bandas favoritas. Na época, já tinha uma grande coleção de CDs e muitos deles eu sequer gostava, então tive a brilhante ideia de vender alguns pra conseguir o dinheiro que precisava pra comprar o “Meds” físico. Arrisco dizer que esse álbum ficou no meu aparelho por um ano, sendo escutado quase todas as noites. Destaque especial pra faixa “Broken Promise” que tem a participação de outro grande idolo, Michael Stipe, do R.E.M.

Ouça “Broken Promise”:

Death Cab For Cutie – “Transatlanticism” (2003)
Em 2010, quando eu tinha 20 anos, ingressei em uma faculdade longe de casa. Mas não era longe tipo quarenta minutos de carro, ela ficava a seis horas da minha cidade, por isso fui morar por lá. Foi tudo meio de repente e acabei mudando sem estrutura, dinheiro ou um computador, então a única maneira que eu tinha de escutar música em minha nova casa era por um celular antigo, daqueles que a única coisa que fazia além de ligar era tocar músicas. O problema é que naquela época as memórias de celulares eram bem menores e acabei passando um bom tempo com apenas dois álbuns no celular, sendo um deles o “Transatlanticism”, do Death Cab For Cutie. Melodias maravilhosas, musicas que flertam vezes com o indie, vezes com o emo, temas pesados, tudo que eu precisava pra passar meus dias sozinho em uma cidade com menos da metade dos habitantes que minha antiga.

Ouça “Transatlanticism”:

Yuck – “Yuck” (2011)
Por alguns anos, declarei que esse era o álbum da minha vida. Hoje não tenho o mesmo sentimento, mas o amor ainda é gigante. Primeiro álbum do Yuck, ainda com Daniel nos vocais, flerte forte com os 90s, rifes lindos de guitarra e uma pegada indie no ponto certo, sem exageros. Essa é uma das bandas que me influenciou muito nas composições da JNKTR. Não tenho muitas histórias pessoais pra falar sobre ele, mas isso é porque ele ainda continua no play, e logo chega a vez dele!

Ouça “Get Away”:

GABRIEL WILTEMBURG

American Football – “American Football” (1999)
Esse disco basicamente me moldou como músico, me fez enxergar o ato de compor de uma maneira totalmente diferente, repetições, guitarras se entrelaçando o tempo todo, sem refrões, diferentes fórmulas de compasso, linhas de vocais que entram sempre no momento certo, sem exageros. Tudo isso sem contar o óbvio apego emocional, impossível eu escutar esse álbum e não me pegar por pelo menos um minuto desconectado de tudo e pensando no quanto as letras ainda ressoam em mim.

Ouça “For Sure”:

Owls – “Owls” (2001)
Depois do American Football, o caminho natural foi me afundar em todos os projetos que tinham o nome “Kinsella” envolvido (e claro, toda a galera de Chicago), e o Owls foi a banda que me “estragou” de vez. Esse álbum foi o responsável por eu deixar de escutar músicas em 4/4 por um bom tempo por achar extremamente entediante e “quadrado”. Claro que com o tempo isso passou, mas escutar rifão em 4/4 ficou difícil depois de ouvir o Victor Villareal fazendo maluquices em 15/8.

Ouça “Anyone Can Have a Good Time”:

Mastodon – “Crack The Skye” (2009)
No auge dos meus anos de aprendizado de guitarra, eu pirei em Mastodon. Escutava todos os dias, o tempo todo, um álbum atrás do outro. Foi aquela fase “não vou sair de casa nunca mais, só vou ficar com a guitarra no colo e aprender tudo o que posso”. Aprendi a tocar esse álbum inteiro e não consigo deixar de lembrar o quanto era divertido, vários licks de country e banjo incorporados em música pesada, Brent Hinds acabou sendo uma influência gigante no meu jeito de tocar.

Ouça “Oblivion”:

Dire Straits – “On The Night” (1993)
Minha primeira memória musical é o VHS desse live do Dire Straits que meu pai assistia o tempo todo. Ele ficava aprendendo todos os solos de saxofone do Chris White (chorou quando aprendeu o solo de “Romeo And Juliet”) e eu ficava prestando atenção em cada instrumento, totalmente fascinado. Quando cada instrumento solava em “Calling Elvis” eu sentia uma euforia que não conseguia entender, era tudo muito mágico. Sou eternamente grato ao meu pai por assistir religiosamente esse registro.

Ouça “Calling Elvis”:

Deftones – “White Ponyk” (1990)
Não seria justo eu deixar de colocar algo da minha fase new metal (risos). O Deftones aparece num momento eu que percebi que gostava muito de coisas melódicas, e ao mesmo tempo em que haviam aquelas afinações baixíssimas, havia uma melancolia, e as melodias do Chino sempre deixam foram marcantes por isso, escolhas de notas que fugiam da escala, mas sem soar “fora”, mais uma vez o bonito e o esquisito se tornam grande razão dessa banda ter um lugar especial no meu coração.

Ouça “Elite”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Crocodiles”.

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