Quem acessa o La Cumbuca, vai se deparar com o melhor site alternativo (ou sobre música alternativa) feito no Rio de Janeiro, com o Rio de Janeiro na veia, cobrindo o que de melhor acontece nos palcos Rio de Janeiro.
Agenda, cobertura de shows (os vídeos são riquezas do site), donwloads etc., tem quase tudo o que um carioca deveria seguir sobre a vida cultural da cidade, com amplitude nacional.
“O La Cumbuca foi criado em 2007 a partir de conversas entre fãs do programa de rádio ‘Ronca Ronca’, com o objetivo de falar sobre a música que nem sempre está ao alcance de todos (mas devia estar), produzida no Brasil e no mundo. Orginalmente uma cabeçada escrevia por lá, mas logo ficou eu e o Túlio Brasil, que saiu em 2011. Em 2012, chamei pra participar do La Cumbuca o Fábio Fernandes, que faz um trabalho esplendoroso de registro de shows no Rio de Janeiro através do canal donniedarko73 no Youtube, e o Pedro Montenegro pra de vez em quando digitalizar alguns discos da coleção dele na seção Acervo La Cumbuca“, conta Renato Silva, o Otaner, um dos fundadores do site.
“O La Cumbuca, com a ajuda dessa dupla, é um espaço pra que os shows e discos fiquem registrados, fazendo um trabalho de pesquisa, resgate e preservação da memória dos tipos de músicas com que nos identificamos, de Pinduca a Ratos de Porão. Quando dá tempo, é claro. E sempre falando sobre o melhor programa de rádio do mundo, o ‘Ronca Ronca'”, completa.
O trabalho de Otaner, Fábio e Pedro, obviamente, como tantos outros sites de música no Brasil, não dá dinheiro. Os três engrossam a fileira dos abnegados que se esforçam pra entregar ao leitor um conteúdo que a “mídia estabelecida” não faz questão de produzir. Essa é uma das razões do La Cumbuca estar na nossa lista dos “dez melhores sites brasileiros de música”.
E essa é uma das razões pra que a seção “Os Discos Da Vida” tenha o orgulho de apresentar uma edição com Renato, destrinchando seus primeiros passos nessa paixão de todos nós que é a música. Ao ver sua inusitada lista, é possível ver o DNA do La Cumbuca: de Clash a REM, de Chico Buarque a… bem, enfie a cara nessa cumbuca.
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OTANER LA CUMBUCA
“Como é uma tarefa muito árdua limitar em dez tanta coisa que já ouvi e que tem importância fundamental na minha formação, tentei fazer esta lista de ‘Discos da Vida’ pegando aqueles álbuns que realmente mudaram minha vida, expandiram meus gostos, mudaram meu jeito de pensar, me trouxeram novas informações e, mais importante, que eu possuo até hoje, seja em vinil, k7 ou CD. Desta forma, o último disco da lista foi adquirido aos 20 anos de idade, já que depois disso a maioria dos discos chegaram aos ouvidos em MP3, um formato que revolucionou nossa relação com música, mas tirou um pouquinho daquele sentimento de descoberta de um novo som, das repetidas audições… Apesar que muitos álbuns virtuais nos últimos treze anos também poderiam estar na lista abaixo. Muita enrolação, né? Então vamos lá. A ordem é mais ou menos da aquisição dos álbuns”.
Inimigos Do Rei – “Inimigos Do Rei” (1989)
Desde os cinco anos, consigo lembrar de gostar e ouvir música e ter discos em casa. Coisas como Trem da Alegria e Os Três Patinhos (!) faziam minha cabeça. Talvez já tivesse ouvido o “Dois” da Legião Urbana, que fazia parte da coleção lá de casa e poderia facilmente estar nesta lista, mas o primeiro grupo que me chamou a atenção pro rock foi o Inimigos do Rei, bandeca fuleira e pretensamente irreverente, de onde saiu o Paulinho Moska. Não tenho certeza de como o disco chegou até mim, acho que fui em um show que a banda fez em uma festa da empresa onde meu pai trabalha, gostei da banda e me compraram o long play. Ouvia esse disco repetidamente com meus nove anos de idade. Apesar das músicas “Uma Barata Chamada Kafka” e “Adelaide” terem feito muito sucesso, minhas preferidas eram outras duas que até hoje sei de cor a letra delas. “Jesse James” falava de um bandido que “foi preso com o pescoço numa corrente de ouro / após a condicional” e que no final “a multidão alegre chutava seu cadáver no chão”. Já “Suzy Inflável”, como é possível prever, falava sobre uma boneca inflável que “treme de noite e de dia / movida à sua infinita bateria” e cujo “ex-namorado milionário morreu / enforcado na calcinha de um gay”. O mais legal é que o autor da canção amava ela “ao som de Crosby, Stills, Nash And Young”. Eu não entendia nada do que estava sendo cantado, mas repetia palavra por palavra. Gostaria de dizer que comecei a ouvir rock (ou algo próximo disso) com Velvet Underground ou Leonard Cohen, mas foi assim que tive início nesse mundo de perdição…
Ouça “Jesse James”:
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Nirvana – “Nevermind” (1991)
Devia ser final de 1991 ou começo de 1992 e, por um motivo que até hoje não sei explicar, meu pai me deu essa fita. Mal sabia ele o estrago que faria na minha cabeça ouvir os berros do Kurt Cobain, a barulheira incomum pra quem na época ouvia de forma esparsa Beatles, Legião, Engenheiros, Titãs… O curioso é que eu não lembro de ter ouvido “Smells Like Teen Spirit” ou qualquer outra música do Nirvana antes de apertar o play. Então meu primeiro contato com o Nirvana não foi através do rádio ou do clipe rodando na MTV. Foi tudo assim, um monte de porradas, “Breed”, “Drain You”, “Stay Away” e a minha favorita desde sempre “Territorial Pissings” – eu ficava pensando: como é que deixaram o cara gravar um troço desses? Mó berraria, e achava um barato – além daquelas músicas melancólicas no final de cada lado, “Polly” e “Something In The Way”.
Ouça “Territorial Pissings”:
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REM – “Automatic For The People” (1992)
Depois de conhecer o “Nevermind” do Nirvana, era só isso que eu ouvia, mas comecei a ver MTV, mesmo com a imagem péssima que aparecia na televisão que nem bombril dava jeito. Assistia aos clipes, gostava de uma coisa ou outra, mas nada que me impressionasse muito, ou que ficasse na memória. Aí um dia, lá pelo final do ano, a Astrid (provavelmente no “Disk MTV”) falou sobre esse disco super legal do R.E.M., várias publicações elogiando, blá blá blá… E isso foi o suficiente pra eu ir com minha mãe às Lojas Americanas da Rua Uruguaiana comprar meu presente de Natal: a fitinha do “Automatic For The People” (tenho dúvidas sobre qual Natal isso aconteceu, mas como o disco foi lançado em 92, imagino que tenha sido naquele ano). Embora eu estivesse muito ligado à barulheira do Nirvana, ou por causa disso mesmo, o disco fez um excelente contraponto com suas canções mais acústicas, apesar do começo com “Drive” dar aquela enganada do que viria mais pra frente.
Ouça “Drive”:
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Ramones – “It’s Alive” (1979)
Acho que já tinha uma certa noção do que era punk rock, grupos como Green Day e Offspring estavam estourando e é provável que já tivesse ouvido algumas músicas dos Ramones antes, mas foi só quando um amigo me emprestou o CD de “It’s Alive” (presumo que em 1995) que tudo fez sentido. “One, Two, Three, Four!”, repetia incessantemente Dee Dee Ramone mais ou menos a cada dois minutos para uma nova canção tão rápida quanto a anterior surgir. Uma condensação dos três primeiros discos dos Ramones, só que tocadas com o dobro de velocidade, como dar errado? Meu momento favorito vem depois de “Today Your Love, Tomorrow The World” (uma música que, considerando que essa é a gravação de um show realizado no ano novo de 1977, em Londres, ganha um outro significado) quando eles mandam uma sequência de sete músicas sem abaixar a velocidade em nenhum momento. Não é à toa que, dizem, no final da apresentação o público saiu quebrando tudo, tamanha a euforia. Fiquei com o “It’s Alive” por alguma semanas até gravar numa fitinha e devolver o disco, e continuar ouvindo a fita por muitos e muitos anos. Foi o motivo pra que eu começasse uma banda, do mesmo modo que milhares de garotos devem ter feito pelo mundo afora nas últimas décadas.
Ouça “Today Your Love, Tomorrow The World”:
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Vários – “Songs In The Key Of X: Music From And Inspired By The X-Files” (1996)
Acho que essa é a minha “joia da coroa” no meio desse monte de obviedades na minha lista. Acho que comprei esse disco em alguma CD Expo que costumava acontecer nos anos 90, já que era fã do “Arquivo X”. Essa compilação organizada pelo criador da série, Chris Carter, tem como ponto de partida a utilização da música “Red Right Hand”, do Nick Cave And The Bad Seeds, em um dos episódios. A partir daí surgiu a ideia de juntar músicas que fossem inspiradas pela série ou que tivessem o clima de mistério correspondente às aventuras surreais dos agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully. O resultado é que esse CD foi a porta de entrada para que eu conhecesse Nick Cave, Screamin’ Jay Hawkins e Frank Black (e a partir desse tal de Frank Black descobri uma banda chamada Pixies e…). Também conheci Gary Numan a partir do cover que o Foo Fighters faz de “Down In The Park”, e conheci Elvis Costello e Brian Eno em uma mesma música, numa raríssima colaboração entre os dois, chamada “My Dark Life”. Tem William Burroughs e R.E.M., com a música “Star Me Kitten”(música que está no disco “Automatic For The People” e portanto aparece duas vezes na minha lista), com mr. Burroughs cantando a versão sem censura “fuck me kitten”. Uma das músicas, colaboração entre Nick Cave e o Dirty Three, só podia ser ouvida apertando o botão de “rew” na primeira faixa, uma faixa 0 que combinava com o espírito da série. Apesar de algumas músicas ruins (P.M. Dawn e Danzig não mereciam estar ali) esse é um CD tão foda que até a Sheryl Crow manda bem com a soturna “On The Outside”. E ainda tem a referência no título ao disco “Songs In The Key Of Life”, do Stevie Wonder.
Ouça “Red Right Hand”:
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Radiohead – “OK Computer” (1997)
Já conhecia várias músicas do Radiohead e já estava lendo e ouvindo falar sobre o disco, mas só até encontrar no ano seguinte ao lançamento, em promoção na mesma Lojas Americanas onde comprei o disco do R.E.M. anos antes, é que pude entender que sim, os caras chegaram a um outro patamar com “Ok Computer”. O disco surpreende o tempo inteiro e não cansava mesmo com tantas reviravoltas nas músicas. Lembro de ouvir “Exit Music (For A Film)” e não conseguir entender o que estava acontecendo e ao mesmo tempo achar o máximo tudo aquilo. Talvez o mais interessante que possa ser dito sobre o disco é que nunca ouvi nenhuma outra banda tentando fazer um novo “Ok Computer”… Nem mesmo o Radiohead, que mudou tudo de novo com “Kid A”.
Ouça “Exit Music (For A Film)”:
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Chico Buarque – “Chico Buarque” (1978)
O “disco da samambaia” chegou às minhas mãos revirando umas caixas com fitas antigas em casa. De repente saltaram em minhas mãos duas fitas do Chico Buarque, o “Meus Caros Amigos” e esse “da samambaia”, creio que a minha primeira incursão pelo mundo daquilo que é conhecido como MPB. Eu ouvia um e logo depois ouvia o outro em sequência, então eles pra mim são meio indissociáveis, mas pra efeitos de lista fico com esse disco que começa leve, com “Feijoada Completa” (um prato não tão leve), mas depois vai ganhando força na coleção de canções que tinham sido censuradas durante a década e só agora podiam ser comercializadas. “Cálice”, “Tanto Mar” e “Apesar De Você”. Também traz uma das músicas mais barra-pesada, “Pedaço De Mim”, com versos como “A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu” pra dar um nó na garganta de qualquer um.
Ouça: “Pedaço De Mim”:
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Pavement – “Slanted And Enchanted” (1992)
Uma das coisas mais prazerosas naqueles tempos onde a Internet ainda não proporcionava o que nos dá hoje, era poder comprar um disco pela capa, sem ter muita ideia o que ele trazia e ter uma boa surpresa ao chegar em casa e botar o disco pra tocar. Hoje, qualquer lançamento você vai catar no New Album Releases (ou se for um disco nacional, no La Cumbuca, cof cof) e aí, caso ainda goste de ter o suporte físico, corre atrás e compra. Em algum momento de 1998, entrei na loja de discos Gabriela, na Tijuca, e vi um disco com uma capa toda horrível, zoada, ao preço de R$ 9,99. Não conhecia o Pavement e mesmo assim levei pra ver qual é. O “Slanted And Enchanted” elevou a um novo nível aquilo que o “Nevermind”, do Nirvana, e o “It’s Alive, do Ramones, e tantos outros discos já tinham me mostrado. Era possível fazer música de todo jeito possível, mesmo com o mínimo de recursos disponíveis, se pelo menos fosse empregado o máximo de energia pra empreitada, era isso que o álbum me dizia. Não é um motivo particular de orgulho ter conhecido o Pavement assim, sem ninguém ter indicado, mas me mostrou que às vezes é bom arriscar”.
Ouça “Fame Throwa”:
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Los Djangos – “Raiva Contra Oba Oba” (1998)
A banda ainda se chamava Kamundjangos quando ouvi em algum lugar a música de mesmo nome e assim começava a conhecer minha banda nacional preferida, que se transformou em Los Djangos (15 anos atrás, quando o Tarantino nem pensava em fazer um faroeste chamado “Django”) e que lembro de ter visto pela primeira vez ao vivo em um show na praia de Copacabana, onde pechinchei pra comprar esse disco por 10 reais. O som é uma mistura de ska, reggae, rock, um pouco de ragga também, uma coisa meio Rappa/Skank/Paralamas do Sucesso (o disco foi produzido pelo João Barone – junto com Tom Capone – e a capa remete ao Selvagem? dos Paralamas) mas isso é de menor importância, apesar do baixo de Carlyle Diniz insistir pra que você preste atenção no que está acontecendo ali. A bateria de João Aquino é precisa, mas o que me cativou eram as composições completamente originais do guitarrista e vocalista Marco Homobono, falando desde o último ônibus que passa na madrugada até novas formas de alimentação pra quem não tem o que comer (“inquilino orgulhoso / se não fosse um viaduto”, que momento esse da música “Sopa de Jornal”). A banda nunca teve o sucesso que eu e todo mundo que frequentava os shows mais alternativos no Rio de Janeiro achava que eles mereciam, mas isso não impediu de terem influência inclusive com outra banda com “Los” no nome que apareceu um pouco depois. Desde o começo deste século a banda passou a se chamar Djangos, sem o Los.
Ouça “Raiva Contra Oba Oba”:
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The Clash – “London Calling” (1979)
O último disco desta lista é, pra mim, um dos melhores discos já feitos em todos os tempos, sempre brigando com o “Revolver”, dos Beatles, pela primeira posição. Eu já tinha ouvido a faixa-título, “The Guns Of Brixton” e “Train In Vain”, mas só quando comprei o “London Calling” em promoção em alguma loja do Centro do Rio é que tive noção exata do que era o The Clash, uma banda que mostrou que “punk” podia ser bem mais do que três acordes. Eu não sei explicar qual foi o impacto de ouvir “Spanish Bombs” pela primeira vez, sei que até hoje ela conserva o impacto que me causou na primeira audição. Mas é um disco que não tem um momento mais ou menos, não tem uma faixa fora do lugar, perfeito do início ao fim.
Ouça “Train In Vain”:
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Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Robsongs”.
[…] Na edição anterior, “Os Discos da Vida: La Cumbuca”. […]
Ando fazendo uns videos dos shows daqui da região inspirado no la cumbuca. Gosto muito do site e ainda mais agora que me identifico com vários dos discos citados na matéria como nirvana, r.e.m, clash e pavement.
Longa vida ao floga-se e o la cumbuca.