OS DISCOS DA VIDA – MAQUINAS

A engrenagem é perfeita, funciona com cada roldana, cada correia, cada parafuso e pistão em sintonia com o que desejam os operadores. Eles são quatro: Allan Dias (baixo e vocal), Roberto Borges (guitarra), Samuel Carvalho (guitarra, sample e vocal) e Ricardo Guilherme Lins (bateria). E são de Fortaleza. A máquina em questão funciona com ruídos azeitadamente harmoniosos aos ouvidos elaborados pra receber doses de noise, post-rock, dub, shoegaze, chiados e ruídos. A geringonça funciona.

E tem um porquê. Os quatro operadores da maquinas, banda que chegou ao primeiro disco em 2016, “Lado Turvo, Lugares Inquietos” (ouça aqui), possuem uma desejada comunhão de gostos e anseios musicais, como bem revela essa lista de “Os Discos Da Vida”. São dezesseis obras escolhidas, a partir de histórias curiosas, e uma banda em especial que parece unir os quatro, como parafusos e porcas que seguram grandes peças de aço e ferro numa estrutura montada pra magicamente funcionar pra outro fim.

maquinas (assim, sem acento e em minúsculas) é um grupo especial: sem intenções de aceitação imediata, tampouco sem pretensões de provocar, quer desovar seus produtos sonoros antes que fiquem obsoletos em suas próprias histórias. Não são produtos em série, não são máquinas facilmente operadas, não se conhece a forma. A revolução industrial não previu isso.

Ouça, leia e tente compreender seu funcionamento.

ALLAN DIAS (Vocal/Baixo)

Violins – “Tribunal Surdo” (2007)
Eu lembro que esse álbum me marcou muito, quando o Roberto e outro grande amigo meu, o Breno, me mostraram Violins e meio que as coisas caíram por terra lá por 2007. Nessa época, eu ainda era um adolescente barizon que vivia escutando Death e Doom Metal e de repente me vi muito tocado por um álbum que não tinha sequer um blast-beat ou uma guitarra afinada em Si, com um pedal HM-2 no máximo. O metal em alguns estilos tinha uma carga meio de tristeza, mas sempre naquela estética meio gótico romântico, que, pra ser sincero, nunca curti muito, com exceção de poucas bandas como My Dying Bride, Katatonia (antigo) e outras que ainda hoje paro pra escutar. Mas quando eu escutei esse álbum era uma sensação diferente e de certa forma mais real, mais urbano, abordando temas mais próximos de uma realidade que pra mim batia muito mais forte. O mais interessante é que, se bem me lembro, foi o álbum que me fez ir atrás de me conectar mais com bandas que cantassem na língua portuguesa e isso, pra um metaleiro que só escutava músicas de língua inglesa, significou muita coisa… Até hoje ainda me lembro do show do Violins no Ponto.CE de 2007, festival que acontece por aqui em Fortaleza e ainda é um dos shows preferidos da minha vida! Saudades… (risos)

Ouça “A Lei Seca”:

Duster – “Contemporary Movement” (2000)
Eu queria ter uma história maravilhosa pra contar envolvendo o Duster, além de ser uma banda de descoberta de Internet, mas infelizmente não tenho e é isso. Temos que abraçar a história como ela é, né? (risos) As guitarras desse álbum até parecem um ombro amigo de tão quente e suave que entra nos ouvidos…

Ouça “Operations”:

Herbie Hancock – “Head Hunters” (1973)
Essa história é longa, mas tenho que contar. Era mais ou menos setembro de 2014 quando a gente do maquinas e vários outros amigos fizemos um pequeno festival de música no Porto das Dunas, próximo do Beach Park, chamado Djambéiss. Foi um festival que achávamos até que ia ser pequeno, chamaríamos uma galera pra uma casa de praia e tocaríamos um som lá. Não teria como dar errado, né? Pois é. Acontece que ninguém esperava que ao festival fossem chegar quase umas duzentas pessoas, lotando a casa quase toda. Pra piorar, na primeira apresentação, que seria o maquinas, a energia caiu duas vezes. Na segunda vez, caiu e não voltou mais (risos)! Passamos quase duas horas tentando resolver o problema da energia, enquanto surpreendentemente boa parte do público ficou lá pra se divertir sabe-se lá com o quê… Bem, uma hora a energia voltou. O festival rolou. No outro dia, sobrou tanta cerveja e comida que decidimos ficar pra nos divertir com as sobras da festa. Bebemos pra caralho, comemos quase tudo e ainda tomamos banho na piscina que estava uma mistura de água com cloro e nicotina de tanta bituca de cigarro jogada nela. Na hora de pegar a estrada pra voltar pra Fortaleza, acabei pegando carona com um grande amigo meu. Eu e o Gabriel (saxofonista que agora é membro do maquinas também) empanturramos o carro com equipamentos e eu acabei ficando “preso” no banco de trás de tanto equipamento que estava segurando. Pois bem, assim que entra o meu amigo no carro pra dirigir, ele põe o “Head Hunters”, do Herbie Hancock, pra tocar, tira uma garrafa de Ypióca Ouro e desce uma golada furiosa! Nessa hora eu ainda tentei me mexer pra abrir a porta do carro e sair, mas não consegui, daí tudo que pensei foi “ah, cara, é hoje! É o destino! Foda-se!” (risos). Ainda me lembro de que na volta ficou todo mundo bebendo essa garrafa de Ypióca, incluindo eu porque, enfim, né… Mas acabou que deu tudo certo e hoje esse álbum do Herbie Hancock é daqueles que não me canso nunca de escutar e ainda lembro essa história sempre que começa o teclado de “Chameleon”.

Ouça “Chameleon”:

Radiohead – “Kid A” (2000)
Eu sou péssimo pra falar do Radiohead quando queria poder dizer muita coisa, mas o que sinto quando ouço esse álbum acho que não é algo simplesmente introspectivo, mas acho que algo além. Pra mim, o “Kid A” é meio que sobre ser tudo e ser nada ao mesmo tempo. Faz até sentido, enxergando que eles lançaram esse álbum logo após o “Ok Computer”. É esse vazio pessoal que o Radiohead conseguiu expelir que casa tão bem com a sonoridade eletrônica inspirada no Aphex Twin, Autechre e outros sons da Warp.

Ouça “The National Anthem”:

Sonic Youth – “Murray Street” (2002)
Esse álbum é bonito. É a bonanza do Sonic Youth depois de um época pesada que envolveu desde o atentado do 11 de Setembro até o roubo de boa parte dos equipamentos da banda. Pra mim. ele passa algo bom, é praticamente um “VAI DAR CERTO!” em forma de musicas. É como se ele falasse sobre crescimento, não de forma clichê ou triste, mas de cabeça erguida, maturidade, amar o redor que vive em você da forma que ele é. Este álbum me lembra de momentos bons da minha vida. Bons amigos, de alguém que está sempre comigo hoje, de um passado não muito distante que eu vivi fora do país por um tempo e me lembro de bons e maus momentos que tive pessoalmente, mas no fim DEU CERTO. (risos)

Ouça “Plastic Sun”:

ROBERTO BORGES (Guitarra/Vocal)

My Bloody Valentine – “Loveless” (1991)
“Loveless” porque foi um dos primeiros discos que eu ouvi que era totalmente diferente do que eu já tinha ouvido antes. Foi talvez meu primeiro contato com um tipo de rock mais experimental. Lembro que tinha até receio de “escutar demais” porque eu não queria enjoar.

Ouça “When You Sleep”:

Radiohead – “Amnesiac” (2001)
“Amnesiac” (peguei esse porque acho que é meu favorito do Radiohead, mas o que eu vou falar vale pra qualquer disco deles). Radiohead mostrou pra mim como uma banda de verdade toca. Os discos são incríveis e ao vivo é mais incrível ainda. Sempre colocam uns instrumentos não convencionais no meio. Enfim, me inspirou muito no sentido de como ser doideira!

Ouça “I Might Be Wrong”:

The Velvet Underground And Nico – “The Velvet Underground And Nico” (1967)
Lou Reed talvez seja meu artista favorito, e esse álbum é particularmente foda porque o jeito que todo mundo na banda tocava era muito particular. A Maureen Tucker tocava de um jeito meio tribal, Lou Reed experimentou com afinações bizarras e o jeito único dele de cantar, John Cale sapecou um violino no meio e o Sterling Morrison mantinha o tom pra não virar um festival de noise. Então, é uma banda com muita personalidade e é muito influente pra mim até hoje.

Ouça: “Venus In Furs”:

Sonic Youth – “Evol” (1986)
Sonic Youth é minha banda favorita (duh!) e esse é meu álbum favorito deles. Eles são tão influentes quanto o Velvet, e me fizeram experimentar com afinações estranhas e tirar outros sons menos óbvios da guitarra. Esse álbum gosto em especial porque pega muito bem a transição de quando eles eram 100% doideira pra uma linguagem mais pop que eles vão desenvolver na década de 1990.

Ouça: “Star Power”:

Godspeed You! Black Emperor – “F♯A♯∞” (1997)
Ouvi esse disco na minha adolescência e até hoje é diferente de tudo que já ouvi por aí. É muito som foda experimental etc. Não sei mais o que falar, apenas incrível-fodão-memo.

Ouça: “The Dead Flag Blues”:

SAMUEL CARVALHO (Guitarra/Samples/Vocal)

Godspeed You! Black Emperor – “F♯A♯∞” (1997)
Foi a primeira banda de post-rock que conheci e que me marcou muito. Conheci naquele filme “Extermínio” (28 Days Later, 2002, direção: Danny Boyle). Em meio a tantas bandas genéricas do estilo, essa sempre se destacou como algo realmente especial.

Ouça: “East Hastings”:

Radiohead – “Hail To The Thief” (2003)
O primeiro disco que escutei do Radiohead foi o In Rainbows em 2008, quando eu tinha 17 anos, mas não sei por que me conectei com a atmosfera desse álbum de uma maneira muito forte. Existe algo de muito estranho em músicas como ‘’Where I End and You Begin’’, ‘’Myxomatosys’’ e ‘’Scatterbrain’’ que marcaram muito minha forma de absorver e entender música. Acho que amadureci muito minha forma de compor depois de ter mergulhado no Radiohead.

Ouça “Myxomatosis”:

Slint – “Spiderland” (1991)
Sem palavras. Foi a banda que me deu um murro na cara ao saber que foram uns moleques na faixa dos 19 anos que criaram esse absurdo em 1991. Bandas como essas me fizeram recriar o olhar sobre música soturna.

Ouça “Nosferatu Man”:

Unwound – “Leaves Turn Inside You” (2001)
Unwound, pra mim, é facilmente uma banda tão influente e relevante quanto Sonic Youth, e uma das bandas mais fodas dos anos 1990. Escolher um só álbum do Unwound que me marcou é difícil, mas esse álbum, pra mim, sintetiza bem o fechamento do ciclo de loucura e criatividade em que o Unwound sempre esteve imerso durante uma carreira de longa produtividade. É absurdo como cada vez que escuto esse álbum com atenção, sempre assimilo algo novo que não havia percebido antes. É um álbum que se renova a cada ouvida.

Ouça “Look A Ghost”:

RICARDO GUILHERME LINS (Bateria)

Radiohead – “Ok Computer” (1997)
Sobre o “Ok Computer”, álbum que conheci num período de auto descobrimento, e também um certo descobrimento musical, na época ainda com conceitos rasos sobre música, percebi a introspecção que o álbum me causava, um desassossego em loop, algo visceral. Sempre apreciei demais as esferas melódicas do disco, o processo de identificação foi imediato e ainda hoje um dos álbuns que me fizeram imergir em música de forma decisiva.

Ouça: “Airbag”:

Tool – “10,000 Days” (2006)
Fui apresentado até tardiamente a esse álbum. Isso fala sobre como um álbum retrata uma história dentro dele. Já adepto de alguns progressivos, pude ver como funcionavam as polirritmias de Danny Carey, baterista que até hoje sou fã. Também sobre como soava “pesado”, o que torna a audição do disco algo muito enérgico e forte, grande atrativo pra mim.

Ouça: “Intension”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Ghost Hunt”.

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