O currículo é extenso: foi colaborador (e/ou editor) da Revista Dynamite, da Revista Rock Press, Roadie Crew, Tribuna de Imprensa, Bizz, MTV, Outracoisa, site UOL Música, Billboard, Revista da Gol e seu principal veículo hoje é o bacaníssimo site Rock Em Geral, ao qual você, certamente, já se conectou.
O jornalista tardio, talvez por necessidade de aplacar a paixão pela música, embrenha-se a informar o máximo possível em tempo permissivos da Internet. Ótimo. O Rock Em Geral acabou que se tornou um dos mais conhecidos sites dinâmicos de notícias de música jovem/pop/o que você quiser. Siga-o e fatalmente estará por dentro.
Com tão extensa história, Marcos Bragatto é um cara admirado por quem escreve sobre música e, como se espera de um jornalista (que deve trabalhar sem holofotes), pouco se sabe dele. O Floga-se, seguidor do Rock Em Geral e de Bragatto em outras playas, resolveu tirar essa curiosidade da frente e convidá-lo pra listar seus Discos da Vida.
O resultado é, como imaginado, uma seleção bacana e saudosista, mas acima de tudo, dourada com textos deliciosos sobre cada escolha. Bragatto tem uma bela história – e belas histórias pra contar.
Foto de abertura do post: Léo Corrêa
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MARCOS BRAGATTO
“Não parece simples a ideia de escolher os discos da vida pra quem descobriu o rock através de músicas, não de discos. Pois quem me criou no rock não foram eles – os discos -, mas a rádio. Ou, por outra, uma rádio. Explica-se que na casa onde fui criado não existia aparelho de som ou qualquer tipo de toca-discos ou toca-fitas, só um radinho de pilha daqueles portáteis pra gente ouvir o nosso time, ano sim ano não, ser campeão. O que de fato acontecia entre o finalzinho dos anos 70 e meados dos 80.
Via minhas irmãs mais velhas circulando com aqueles LPs de artistas da MPB em casa, provavelmente emprestados por conta do conteúdo gráfico e tal, mas a coisa só aconteceu com a chegada de um daqueles rádio-gravadores com toca-fita e do advento da Fluminense FM, a tal rádio que atropelou tudo com o rock na programação e a locução feita por mulheres espevitadas de tanta atitude. E não foi só comigo, não. Da Flu FM e do Circo Voador, saiu todo o rock brasileiro da década de 80; saíram o Rock In Rio e os shows internacionais no Brasil; as outras rádios pelo País; a imprensa rock, incluindo a Bizz e os cadernos de cultura falando sobe rock. Criou-se, enfim, a tal cena rock. Sem ela, nem mesmo eu estaria aqui.
Então não era, em princípio, o disco. Eram as músicas que tocavam na Fluminense e se tornavam, de imediato, obrigatórias. Depois, sim, os discos. Porque a gente gosta de rock, sonha e conquista coisas que hoje parecem simples, fora de moda até, como o direito de comprar o LP de sua banda favorita daquele dia, chegar em casa e colocar pra girar no prato, debaixo da agulha. Vamos a eles:”
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The Police – “Synchronicity” (1983)
Tocava na rádio um módulo inteiro com três músicas que eu nem sabia se eram desse disco: “Walking In Your Footsteps”, “Miss Gradenko” e “King Of Pain”, se a memória não me falha. O hit “Every Breath You Take”, evidentemente, ficava de fora, já que um dos lemas da Flu FM era tocar “a última do lado B” ou o “próximo hit“. Depois descobri que, em alguns casos, a rádio apurava qual música seria o segundo single de trabalho pra tocá-lo no momento em que a concorrência tocava o primeiro. Muito antes de comprar esse disco já tinha todas as músicas gravadas num cassete, em várias versões: salteadas gravadas da rádio; gravadas de um LP emprestado; gravadas de shows tocados em especiais, etc. Depois comprei o cassete oficial porque no meu primeiro aparelho de som não tinha toca-discos, e o LP, o CD, o CD versão especial. Olhando/lembrando agora a lista das músicas entendo o porquê: é um discaço que nem a esquizofrênica música assinada por Andy Summers estraga.
Ouça “King Of Pain”:
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Big Country – “Steeltown” (1984)
Natural pra quem trabalhava numa refinaria de petróleo que um disco chamado “cidade do aço” caísse tão bem. O ambiente hostil e perigoso proporcionado por instalações nada confortáveis que agridem mais do que tranquilizam precisava de uma trilha sonora na memória. Afinal não é nada fácil esquentar o petróleo cheio de lama do fundo do mar a uma temperatura altíssima até ele virar gasolina. E o desencanto relatado na música “Steeltown”, do ponto de vista dos trabalhadores que constroem tudo durante uma vida inteira e não têm a contrapartida em reconhecimento era a medida até pra quem estava ingressando no decadente sistema. Aprendi na revista “Roll” que o “Big Country veio pra reviver os bons tempos das guitarras”. As duas guitarras de Stuart Adamson e Bruce Watson antecipavam pra mim o conceito de “twin guitars” que eu só iria conhecer mais tarde. Os três primeiros álbuns do Big Country – além de “Steeltown”, “The Crossing” (1983) e “The Seer” (1986) – são altamente recomendáveis, e recentemente, ainda descobri tardiamente outra pérola deles, “The Buffalo Skinners”, de 1993. O quarteto sempre foi tão cult no Brasil que tive que apelar pra um amigo letrista de placas pra fazer uma tela de silk screen especialmente pra imprimir uma camiseta com a capa de “The Crossing”. Recentemente, comprei uma via internet de um cara da Irlanda por uma pechincha.
Ouça “Steeltown”:
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U2 – “Under A Blood Red Sky” (1983)
Ouvia a Fluminense durante uma tarde quando, do nada, a programação é cortada e entra uma falante voz masculina pra dar a notícia em primeira mão. Um contrato assinado entre as gravadoras Warner e a Island permitiria o lançamento dos discos do U2 no Brasil. Era Luiz Antonio Mello, idealizador e coordenador geral da rádio dando aula de jornalismo com toda a visceralidade do rock. Já tinha ouvido falar do U2 no programa de TV “Crig-Rá”, comandado por Bob Mc Jack (Marcelo Tas), mas não tinhas ideia que, dali pra frente assistira em salas de vídeo e ouviria em tudo o que é canto a banda dos quatro irlandeses que falavam mais ou menos das revoluções como o movimento das “Diretas Já”. Comprei “Under A Blood Red Sky” em diversos formatos e ouvi tanto de modo a decorar não só as falas de Bono ou a transição de teclado para guitarra de The Edge em “New Years Day”, mas também todos os gritos da plateia. Recentemente, em DVD, revi todo o esplendor desse vídeo, gravado num palco encravado nas montanhas rochosas do Colorado, num dia de frio e neblina intensos.
Ouça “New Years Day”:
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Deep Purple – “Made In Japan” (1973)
Não era dado, em princípio, aos considerados clássicos do rock naquele início dos anos 80. Preferia a voz dos mais jovens, sobretudo os daqui mesmo, porque tinham a ver com a minha própria. Mas quando, durante uma aula de Canteiro de Obras na Escola Técnica, um abastado colega de turma colocou um fone de ouvidos na minha cabeça e deu play em “Smoke On The Water” em sua mais clássica gravação, não teve como escapar. Aquele que é um dos maiores riffs em todos os tempos penetrou na alma sem dó. Dias depois, nas escadarias de incêndio do bloco E outro fulano tocou esse mesmo riff em um violão que estava aprendendo a tocar. Não é por acaso que “Made In Japan” é considerado um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos e o melhor disco dos anos 70. Flagra o Deep Purple em uma das suas melhores formações e afiadíssimo. Outro que comprei várias vezes.
Ouça “Smoke On The Water”:
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Rush – “Hemispheres” (1978)
Não é nada fácil pegar o trem lotado às cinco e pouco da matina pra entrar antes da hora da chamada na turma de Estabilidade do curso de Edificações que começas às 6;50h. Mas ouvir a voz de Janis Joplin da menina mais gata da turma vindo atrás de sua carteira cantando os versos de “No One At The Bride”, do Rush, faz tudo ter sentido. Sim, ela também sintonizava no 94,9 FM e sabia a programação de cor e salteado, e conversa vai, conversa vem, uma fita cassete dela com uma horinha completa do Rush veio parar em minhas mãos. Não tinha “No One At The Bridge”, que é de “Caress Of Steel”, considerado o disco esquisito do Rush, mas todo o “Hemispheres” e mais alguma coisa. Pirei quando ouvi o riff de “La Villa Strangiato”, que – descobri depois – o trio demorou dias pra conseguir gravar tudo num take só, de tão complexa que é a música, com quase 10 minutos de duração. Por isso mesmo era o exercício de cabeceira de outro aluno daquela turma, que tocava baixo. Mas só fui dar a devida atenção ao Rush uns cinco anos depois, quando comecei a comprar vorazmente toda a discografia. E “Hemispheres”, cuja faixa-título ocupa um lado inteiro do LP, nem é o meu disco favorito deles. A fitinha emprestada eu nunca devolvi, mas, também, não sei onde foi parar.
Ouça “La Villa Strangiato”:
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Barão Vermelho – “Barão Vermelho 2” (1983)
Até hoje guardo a imagem. O ônibus para em frente a uma concreteira em Inhaúma e todos descemos pra uma aula prática de preparo de concreto em grande escala. Ele – o concreto – se tornaria meu amigo íntimo e até hoje, confesso, tenho saudade. Mas, quando desci do veículo fretado, cantava os versos “Me dê de presente o seu PIS/Pro dia nascer feliz”, com a língua presa de Cazuza e tudo. Achava que era “PIS”, e não “bis”, mas isso pouco importava. Como aconteceria pra sempre, eu cantava uma música que todos estranhavam, mas que, depois do sucesso, todos passariam a chamar de sua. O Barão Vermelho era ainda um projeto de banda naquele ano de 1983, mas, já no segundo disco, ideal para tocar na Fluminense, que, por lei, tinha que colocar um terço de artistas nacionais na programação. Mais tarde, antes mesmo de comprar um toca-discos, ao atravessar a Lojas Americanas do Méier, saindo da estação de trem, rumo ao ponto do 661/662 que me levaria à fábrica de Medidores em Maria da Graça, não resisti e investi parte do meu salário de estagiário no meu primeiro LP: “Barão Vermelho 2”. Não sei se é o melhor disco do Barão ou se está entre os melhores do rock nacional, mas é um dos meus preferidos.
Ouça “Pro Dia Nascer Feliz”:
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Sepultura – “Beneath The Remains” (1989)
Sempre tem alguém que pergunta e alguém que fala sobre aquele disco que, ao ser colado na vitrola, mudou tudo. Comigo, aconteceu com o Sepultura, no primeiro álbum com produção internacional. Não era ligado ao heavy metal, fui criado no punk – eram rivais – e no pós-punk, mas já tinha ficado com o ouvido aguçado depois de conhecer o quarteto mineiro em uma matéria da Bizz em que uma foto de página dupla mostrava todos com óculos espelhados encostados numa parede coberta de pôsteres de mulher pelada. A expressão “maratonas de guitarras”, em uma resenha que li em algum lugar, me fez comprar o disco anterior, “Schizophrenia”, o mesmo que Max Cavalera carregou debaixo do braço pra convencer as gravadoras estrangeiras a investir na sua banda. Mas quando cheguei no apartamento da Usina onde se ouvia o correr das águas da nascente do Rio Maracanã e coloquei “Beneath The Remais” na vitrola, no talo, o impacto foi forte. A velocidade de Igor Cavalera, realçada pela boa produção e todas as histórias envolvendo uma banda brasileira candidata a estourar no exterior ajudaram a conquistar este – então – neófito. Depois descobriria que outras bandas pioneiras do thrash metal já faziam aquilo em escala industrial. Mas o impacto da primeira audição de “Beneath The Remais” ficou.
Ouça: “Beneath The Remais”:
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Iron Maiden – “The Number Of The Beast” (1982)
Da Fluminense FM saiu o Rock In Rio, um festival megalômano que, em meados de 1984, achávamos que não iria acontecer de jeito nenhum. Mas aconteceu e foi um sucesso. Recém-formado, precisava conseguir um estágio, mas surpreendentemente ganhei de minha querida mãe um passaporte pra os 10 dias do festival pra dividir com minhas irmãs e estava dentro. Pouco tinha ido a shows em toda a vida pregressa e estava lá, no meio de mais de 200 mil pessoas vendo quatro cabeludos saindo de sarcófagos de múmias e tocando em alta velocidade na frente de um cenário que – dava pra ver de longe – mudava a toda hora. Até então só conhecia o Iron Maiden pelas camisetas com o Eddie estampado que todos usavam no CEFET. Fui na primeira noite do festival pra ver o Queen e porque achava que não poderia faltar na abertura. Depois de umas 18 tentativas consegui o estágio e recebi das mãos de um colega na fábrica uma fita mal gravada com o “The Number Of The Beast” inteirinho. “É tudo igual, começa sempre com essa guitarra”, ele dizia. É até hoje o meu disco favorito do Maiden, e prova que, quando as músicas são boas, não importa o gênero. Tanto que eu, que nem sabia direito o que era heavy metal na época, caí dentro.
Ouça “The Number Of The Beast”:
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Os Paralamas Do Sucesso – “O Passo do Lui” (1984)
Em janeiro de 1985 vivia-se o verão do rock e os Paralamas era a banda da moda. Estourados com o hit “Óculos”, era o grupo preferido de todos. Pra mim, não era novidade. Vi a banda surgir em fita demo na Fluminense, crescer e ganhar o mundo e tinha orgulho disso. Parecia que, como simples ouvinte de uma rádio revolucionária, fazia também parte da revolução. Nunca fui adepto das misturebas que o trio já começava a fazer nesse disco, tanto que prefiro o de estreia, “Cinema Mudo”, sempre criticado pela própria banda por não ter sido produzido do jeito que eles queriam. Mas “O Passo do Lui” é o disco definitivo de uma época, cujas músicas marcaram a insipiente geração rocker brasileira em sua maior dimensão. Comprei em vários formatos.
Ouça “Óculos”:
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Coletânea – “Rock Voador” (1982)
Coletâneas eram comuns pra testar bandas novas junto ao novo público jovem que se formava naqueles tempos. “Rock Voador” era uma noitada de rock que acontecia no Circo Voador em parceria com a Fluminense FM e a coletânea foi bolada a partir daí. Demorei séculos pra comprar o LP original, usado, em vinil, mas todas as bandas já conhecia da programação. E, de tanto falar da rádio que me criou, precisava incluir uma amostra do que tocava lá no início nesses discos da vida. Quem se deu bem entre as seis bandas – duas faixas para cada – foi o Kid Abelha, aqui com duas músicas bem ingênuas. Mas as minhas preferidas são o Sangue Da Cidade (“Brilhar A Minha Estrela” foi hit nacional) e Celso Blues Boy. Que nessa lista o disco resuma a enorme quantidade de bandas que vi no Circo e ouvi na Fluminense, cujos nomes por vezes nem lembro, mas que ainda cantarolo um verso ou outro das músicas.
Ouça “Brilhar A Minha Estrela” (Sangue Da Cidade):
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Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Flávio Testa (505 Indie)”.
PERFEITO: Fluminense = Escola!!!! 😉
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