Talvez você nunca tenha ouvido falar de Nick Allport. Mas o cidadão que empreende um festival que se descreve assim, merece ser ouvido e conhecido: “o melhor do panorama atual alternativo da cultura psicodélica, privilegiando os gêneros heavy psych, space rock e shoegaze“.
Estou falando do Reverence Festival Valada, um dos dez festivais mundo afora que você precisa ir um dia (veja outros nove aqui).
O evento acontece em Cartaxo, cidade de vinte e cinco mil habitantes na região do Alentejo, em Portugal (mais precisamente, no Parque de Merendas, em Valada, uma freguesia de Cartaxo, com apenas oitocentos habitantes).
Em 2015, a data marcada é 27, 28 e 29 de agosto. São algo em torno de cinquenta bandas locais e gringas, abraçando os estilos citados na descrição acima, numa estrutura reduzida, longe de ser um megaevento como os que os brasileiros parecem preferir e desejar.
A primeira edição aconteceu em 2014. Pra se ter uma ideia, vale ver as fotos do festival de 2014 aqui e nesse outro link aqui.
Nick é o cara por trás dessa iniciativa. E esta edição de “Os Discos Da Vida” é um retrato de como pensa o curador desse festival. Eclético e brotado do oitentismo, seu gosto e sua imersão no mundo da música passam por essas dez histórias, que mostram como se moldou o produtor e o fã de música. Ao invés de falar só dos discos, fala dos shows que vieram na cola desses discos, descreve a forma como eles mudaram sua vida e como eles o inspiraram a entrar nessa.
Aqui no Floga-se ainda há a esperança de que um festival nos moldes do Reverence possa acontecer no Brasil. Por enquanto, vamos nos inspirando.
Blondie – “Parallel Lines” (1978)
Meu primo Pete tinha um cassete desse álbum, acho que lá pelo fim de 1979. Junto com “Regatta De Blanc”, do The Police, nós ouvíamos o tempo todo. Tivemos uma grande férias em família em 1980 e os dois discos foram a trilha sonora do nosso verão. Adoro Blondie desde então, compositores geniais.
Ouça “One Way Or Another”:
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Cocteau Twins – “Treasure” (1984)
Lembro quando “Pearly Dew Drops Drops” entrou no Top 40 em algum momento em 1984, e então uma garota na escola me deu uma fita com “Treasure”. Me enlouqueceu totalmente, nunca havia ouvido algo como aquilo antes. Finalmente vi a banda ao vivo em 1986 e ela foi incrível. Ainda é uma das minhas bandas favoritas. Acho que se existe um disco que mudou minha vida é esse.
Ouça “Ivo”:
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The Smiths – “The Smiths” (1984)
Amei os primeiros singles quando eles surigiram, e então ouvi “Reel Around The Fountain” no programa da Annie Nightingale, na Radio 1, ela tinha um programa no domingo à noite. O disco é incrível. Desde que tive filhos eu acho que algumas canções do disco são difíceis de ouvir, então não ouço muito o disco atualmente.
Ouça “Miserable Lie”:
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Echo & The Bunnymen – “Ocean Rain” (1984)
Eu fui um fã dos Bunnymen acho que desde que “The Cutter” foi lançado (single de “Porcupine”, 1983, mas assisti a banda no Kilburn Naional, em 1985, e foi pra ser bem honesto o melhor show ao vivo que já vi. Eles são completamente cativantes ao vivo, e o show simplesmente me enlouqueceu. Eu tinha uma boa visão da coisa toda de onde eu estava, da forma como eles chegaram no palco, o canto gregoriano e o monte de gelo seco, tudo soou incrível, a plateia totalmente impressionada. O modo como eles começaram com “Going Up” se fundindo com “With A Hip”, e no meio do show tudo fica silencioso e íntimo e eles fizeram “Ocean Rain”, “Seven Seas”, “The Killing Moon”, “Bring On The Dancing Horses”. Teve “Over The Wall” no bis. Lembro como se fosse ontem.
Ouça “Ocean Rain”:
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The Jesus & Mary Chain – “Psychocandy” (1985)
Acho que esse é um tanto previsível, mas eu comprei esse disco no final de 1985 e ele meio que orientou minha vida por um par de anos pelo menos. Comecei um fanzine chamado “Sowing Seeds” com meu amigo Paul May, e enchi o saco pra Jim Reid dar uma entrevista pra primeira edição. Eu os vi ao vivo quatro vezes em 1986, mas por conta deles dificilmente tocarem ao vivo éramos forçados a encontrar bandas que nos dessem o mesmo nível de noise e feedback, então começamos a ver The Primitives e My Bloody Valentine e todas aquelas outras bandas. Foi um grande tempo pra música subterrânea.
Ouça “Sowing Seeds”:
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Ramones – “Pleasant Dreams” (1981)
Eu realmente comecei tarde com os Ramones, ali pelo verão de 1986, e simplesmente fui e comprei todos os seus discos. Vi-os ao vivo algumas vezes nessa época, e de novo no Reading Festival, embora eu não lembre em que ano. “Pleasant Dreams” é o meu disco favorito dos Ramones, mas todos os outros são ótimos.
Ouça: “The KKK Took My Baby Away”:
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Nick Cave & The Bad Seeds – “Your Funeral… My Trial” (1986)
Eu tinha uma vaga lembrança do The Birthday Party e lembro de de ver Nick Cave interpretando “The Singer” num programa de TV chamado “The Tube”, que eu costumava assistir nos anos 1980. O disco realmente me pegou por algumas razões, mais ainda do que “Kicking Against The Pricks”. Os Bad Seeds sempre fizeram parte da minha vida de experiências com shows, desde que comecei a ir a shows no meio dos anos 80, e eu meio que alterno períodos em que escuto a banda o tempo inteiro e outros com menos interesse, mas não há como negar a genialidade de Nick Cave.
Ouça “Hard On For Love”:
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The Telescopes – “Taste” (1989)
The Telescopes foi a primeira banda com quem trabalhei. E em toda a minha vida entre gravar e lançar esse disco teve tudo a ver com eles. Olhando pra trás, parece realmente incrível, mas à época não tínhamos ideia. Ele se tornaram quase grandes um tanto rápido, e houve alguns shows realmente caóticos, com um bocado de violência e loucura. Havia sempre uma dose de drama rolando. Eles saíram da condição de tocar pra ninguém num pub em Brixton a estar no palco principal do Reading Festival no espaço de dezoito meses.
Ouça “Violence”:
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Witchcraft – “Legend” (2012)
Quando comecei a escalar as bandas pra primeira edição do Reverence, um dos meus amigos sugeriu o Witchcraft, e eu nunca havia ouvido a banda. “Legend” é um disco incrível, sempre coloco pra rodar algumas vezes quando trabalho. Realmente espero siam em turnê novamente.
Ouça “Deconstruction”:
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Black Bombaim – “Titans” (1980)
Provavelmente meu disco favorito nos dias de hoje. Mudei pra Portugal em 2009 e não esperava me envolver com música de novo. Eu meio que deixei tudo pra trás, em Londres. Então, eu comecei a conhecer gente do meio musical e descobrir a cena música subterrânea portuguesa, que é realmente forte e está acontecendo. Black Bombaim é de Barcelos, ao norte de Porto, eles estão envolvidos nessa cena vibrante que inclui Milhões De Festa, um dos melhores festivais subterrâneos do sul da Europa. “Titans” é um disco duplo, com quatro faixas, com contribuições de um bocado de gente. É um psych pesado, e é um disco fantástico.
Ouça na íntegra:
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Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Lloyd Cole”.