OS DISCOS DA VIDA: THE SORRY SHOP

The Sorry Shop é Régis Garcia. Foi ele que, lá de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, cometeu essa preciosidade, o EP “Thank You Come Again”. Cinco músicas que bebem na fonte do showegaze e das distorções preguiçosas e displicentes dos anos 1990.

Mas a vida segue em frente e Régis viu seu Sorry Shop precisar de mais gente. Cresceu. O vídeo de “Sometimes I’m Down”, lançado recentemente, da primeira música do que virá a ser o disco de estreia, já mostra uma banda “cheia”, agora com mais cinco integrantes: Rafael Rechia (guitarra), Régis Garcia (baixo), Mônica Reguffe (vocais e eventuais barulhos), Marcos Alaniz (vocais e eventuais barulhos), Luiz Felipe (guitarra) e Eduardo Custódio (bateria). “(É essa) a banda que tá ensaiando e preparando uma pequena rota musical de iniciação pra The Sorry Shop aqui no sul e arredores, pra ver se o lance vai funcionar bem”, diz Régis.

É uma evolução contante. A mesma evolução que é possível perceber aqui nessa edição de “Os Discos da Vida”. Um dos escolhidos é de 2011 – do ano passado! E não é só uma preferência atual – o disco fez realmente a diferença pro Sorry Shop. Foi o impulso pra banda emergir e aparecer pro mundo.

Se um disco de 2011 causou essa influência, há de se entender a constante mutação – ou avanço – pra Régis Garcia. O Sorry Shop ainda é ele – mas a banda não é todo ele e ninguém sabe o que será ele daqui a algum tempo.

O futuro é instigante e imprevisível. O passado, pelo menos, a gente pode mapear.

RÉGIS GARCIA

“Eu não sei exatamente se consegui resumir a minha vida em discos ou, ao menos, apontar, de fato, os discos da minha vida aqui. Tem muita coisa que vai ficar de fora por não parecer fazer muito sentido agora, mas certamente, em algum momento lá atrás, deve ter surtido efeito qualquer em mim. Eu gosto de pensar em música como catarse. E esses discos que aponto aqui são, pra mim, uma catarse de vários momentos da minha existência. Alguns deles até criaram uns traumas, eu acho. Mesmo assim, o trauma faz parte do crescimento e amadurecimento e, por isso, vejo estes álbuns como os mais significativos pra contemplar esse processo em mim. Meu ambiente familiar também não era muito propício pra música. Não por não ter apoio, pelo contrário: tive muito apoio da minha mãe, mas nunca fomos de escutar muita música em casa e os LPs que estavam nas prateleiras daqui, até certa data, além de escassos, resumiam-se a alguns Richard Clayderman, uma ou duas coletâneas do “Galpão Crioulo”, Emílio Santiago, algumas trilhas de novela (de onde tirei meus primeiros rocks, como João Penca) e um Topo Gigio, que me assombrou durante a infância. É válido lembrar que estes discos aqui eleitos não estão, necessariamente, em uma ordem cronológica de como tudo começou. Eu não sei como tudo começou e nem sei se quero saber. O que posso afirmar é que, se estes foram os discos lembrados pra elucidar o tópico, certamente eles são os mais importantes da minha vida”.

The Smiths – “The Queen Is Dead” (1986)
É um album fulgoroso e, ao mesmo tempo, brando. Lembro de adorar muito os timbres bem toscões de baixo. Aliás, em termos de sonoridade, pra mim é uma das obras de arte da música: os violões são fantásticos; as guitarras, sem exageros, o que pra aquele álbum foi essencial pra dar espaço pro resto todo; a caixa de bateria, mais bem timbrada de um disco do Smiths. Tudo ótimo, tudo mesmo, mas, sobretudo, o baixo. Afinal, sou oficialmente baixista e o Rourke foi uma das bases pra eu descobrir o som que eu curto. A minha favorita, de longe, é a “I Know It’s Over”, pela simplicidade do arranjo e principalmente pela linha de voz. O disco todo tem um arrastado gostoso, parece que foi feito com mão solta, sem muito esforço. Sem contar a sensação de sequência e de que vai crescendo, que eu sinto quando escuto ele numa sentada. Outro aspecto, menos valoroso lá atrás na minha vida, quando escutei ele das primeiras vezes, mas que veio à tona com o tempo e com a melhor compreensão da língua e das sacadas do conteúdo, são as letras. Um álbum completasso.

Ouça “I Know It’s Over”:

The Cure – “D1sintegration” (1989)
É o meu disco favorito pra viajar (em todos os sentidos – teve uma época em que eu estudei em Florianópolis e meio que morava ainda na minha cidade, o que me dava tempo de sobra, mais ou menos mensalmente, pra escutar discos na odisseia de ônibus de, em média, doze horas de ida e doze de volta. O “Disintegration” era um desses discos e sempre me fazia prender o olho na janela e ficar devaneando por um bom tempo). Na minha opinião, ele tem um feeling muito épico, o que o torna um disco daqueles que a gente imagina imagens, pessoas, lugares e, quando vê o disco foi e nem deu pra notar a música passando faixa-a-faixa. Um dos aspectos que faz dele um dos discos da minha vida é o fato de que este álbum foi essencial pra que eu percebesse que instrumental elíptico e introduções ou trechos de longuíssima duração dão certo, além de afirmar sonoramente que os espaços que sobram não precisam ser preenchidos com solos ou qualquer coisa, eles simplesmente estão lá e ficam lindos, contrariando muita coisa que eu tinha internalizado ao longo dos anos e por conta de várias experiências diferentes.

Ouça “Lovesong”:

Pavement – “Crooked Rain, Crooked Rain” (1994)
Esse disco – sem dúvida, o mais interessante do Pavement – foi um dos complexos de aceitar na minha vida, principalmente por motivos sócio-históricos (risos). Em primeiro lugar, é válido dizer que era muito complicado conseguir comprar um bom disco ou CD aqui no interior do Rio Grande do Sul até o fim dos anos 90 (pelo menos na minha cidade). Além do preço ser consideravelmente alto pros importados (e ainda é, eu sei), não tinha muita gente interessada em trazer esse tipo de música do Pavement pra cá. Eu conheci a banda pela MTV mesmo, com o clipe da “Cut Your Hair”. Talvez esse tenha sido o grande marco da banda na minha vida, pois o clipe é, até hoje, um dos meus favoritos, daqueles de assistir duas ou três vezes na colada e dando risada. Apesar de ter grande afeição pelo clipe, eu conhecia muito pouco do Pavement, até que, em um determinado momento lá do fim dos anos 90 um pessoal abriu um locadora de CDs na minha cidade. E aí era uma loucura. A gente ficava meio tenso, limpando prateleira e tentando absorver tudo que era informação de uma vez só. Tragicamente, no dia que peguei o “Crooked Rain…” pra levar pra casa, eu estava com uns amigos que eram muito críticos e curtiam uma onda mais voltada pro rock clássico. Bom, o resultado não foi legal. Escutei o álbum inteiro ouvindo o pessoal dizer que estava tudo desafinado, que a voz era uma bosta, que faltava metrônomo na bateria e todo tipo de crítica tecnicista que se pode esperar de quem não teve sensibilidade suficiente pra escutar o contexto junto com o disco. Fiquei com tanta vergonha de ter gostado muito do álbum que o devolvi no mesmo dia e fiquei um bom tempo me sentindo culpado por ter achado fantástico. Eu não me animava nem a conversar sobre o disco com qualquer pessoa quando surgia algum debate sobre música. Um tempo depois conheci um pessoal que tinha a mesma percepção que eu sobre o lance todo e consegui assumir o gosto pelo Pavement, mas acho que na época foi tão difícil como dar aquela primeira palavra nos Alcoólicos Anônimos. Resumidamente, o “Crooked Rain, Crooked Rain” passou de disco escondido no fundo do meu coraçãozinho pra bíblia do barulhinho. É uma obra fenomenal e ousada, que, em minha opinião, é feita com muita honestidade, harmônicos saltitantes e dissonâncias magníficas. “Stop Breathin'” e “Heaven Is A Truck” são as minhas favoritas.

Ouça “Stop Breathin'”:

Ramones – “Adios, Amigos!” (1995)
Ganhei de um parente que achou que estava me dando Raimundos, que, de acordo com o cara da loja, “era a banda sensação da gurizada que curtia rock”. Eu já tinha assistido o clipe da “I Don’t Want to Grow Up”, mas não conhecia quase nada, nem me interessava pelos Ramones. Acho que o Green Day e o Offspring eram meus parâmetros pra entender um pouco daquilo. A primeira audição do disco foi meio estranha, mas reveladora. Descobri que Ramones ia ser uma das bandas da minha vida e o “Adios…”, o disco. Escutei na íntegra umas três vezes sem parar. E era fácil de entender e gostoso de escutar. Na época eu já arriscava minhas primeiras notas no baixo e o “Adios…” foi uma maneira bastante eficiente de fazer com que eu pegasse o baixo, no meio de uma música que eu nunca tinha escutado, e conseguisse acompanhar (com dificuldade, mas ainda assim conseguindo) uma faixa inteira. Depois disso virei fã e saí buscando todo material que eu conseguisse achar dos Ramones. O legal é que toda vez que escuto tenho uma música preferida diferente. Além da “I Don’t Want to Grow Up”, “She Talks to Rainbows”, “The Crusher”, “Cretin Family” e “Got A Lot To Say” são sensacionais. E por sinal, não sei se por conta da ordem quase cronologicamente inversa ao conhecer e escutar Ramones, o vocal do CJ sempre me agradou mais.

Ouça “I Don’t Want To Grow Up”:

Faith No More – “The Real Thing” (1989)
Não vou dissertar muito sobre o “The Real Thing”. Meu primeiro contato com o FNM foi uma compilação caseira, em fita K7, com um “Greatest Hits” autoral de um amigo, que recheou o lance com hits da banda. Aí escutei o “The Real Thing” e o lance todo era um “Greatest Hits” sem, de fato, o ser. Poucos (não lembro nesse momento de outros) álbuns de estreia de um cara que entra em uma banda com todo respaldo de uma década como o Faith No More devem ser tão absurdamente bons como este. O Patton é o cara e teve colhões pra assumir e sair mandando em um projeto complicado e, de certa maneira, arriscado por não ser exatamente convencional. A santíssima trindade do início do disco é essencial, mas o disco todo é ótimo.

Ouça “Epic”:

Aerosmith – “Nine Lives” (1997)
Por muito tempo, toquei com bandas que flertavam com o rock clássico, fazendo cover de Purple, Led, Sabbath, Rush e afins. Aliás, muito do meu repertório rock and roll foi herdado, numa bela coleção de vinis, de um tio meu que a família considerava perigoso e insensato. Por conta dessas influências e do contato com o pessoal que curtia um lance mais técnico (e por vezes rechaçava e açoitava o Pavement), conheci o “Nine Lives”. A grande sorte foi que o cara que me mostrou o disco, um dos meus melhores amigos até hoje, era um cara que sempre olhava tudo de uma maneira diferente. Lembro de conversar sobre a capa do disco, que era cheia de enigmas e lances escondidos (como nota de rodapé, vale dizer que eu sempre fui aficionado por capas de discos). Lembro também do som, que era de uma qualidade diferente do que eu já tinha escutado antes. Esse disco me ganhou pela produção toda e por um punhado de músicas e riffs ótimos, como na própria “Nine Lives”, “Taste Of India”, “The Farm” (minha favorita) e “Kiss Your Past Good-Bye”.

Ouça “The Farm”:

Ben Folds – “Way To Normal” (2008)
O Ben Folds é um cara engraçado. Engraçado mesmo. Ele tem um trio sem guitarra, que soa mais barulhento que muita banda cheia de gente por aí, e escreve umas letras extremamente divertidas. Ele é um daqueles músicos lúdicos, que fazem com que a gente enxergue nitidamente a situação descrita na música. O “Way To Normal” foi um disco que me fez pensar e repensar música hoje em dia. Na verdade o disco não tem grandes inovações, nem o Bem Folds, pra ser bem honesto. O interessante no álbum é a maneira como ele é construído: muito fluído e cheio de nuances. Todas as músicas – apesar de não soarem como fórmula ou receita de bolo – têm uma dinâmica parecida, o que dá ao disco uma característica muito única e uniforme. Musicalmente é um disco excelente, mas o que faz dele um dos discos da vida pra mim é o potencial lírico de músicas como “Hiroshima”, “Free Coffee”, “Bitch Went Nuts” e “Effington”. Os timbres de baixo e o jeito de tocar do Jared Reynolds também são uma grande influência pra mim, além da aura de ensaio que cada uma das músicas que compõe esse disco possui.

Ouça: “Hiroshima”:

Pixiesn – “Doolitle” (1989)
Antes de escutar o disco eu já tocava “Here Comes Your Man” em minha primeira banda de garagem. A primeira vez que li sobre o disco foi num especial da ShowBizz, se não me engano, com os 100 melhores álbuns de todos os tempos. E na verdade li e nem me chamou tanta atenção. Afinal, eu já conhecia uma música e nem achava tudo isso. Meu contato com o disco foi bem tardio. Acho que mais ou menos um ano depois de ter lido na revista (ou seja lá onde tenha sido), num desses momentos de não ter nada pra fazer, resolvi pegar o disco pra escutar. Loquei junto com Oasis e Ugly Kid Joe, eu acho. De qualquer maneira, lembro de deixar de lado os discos que havia pegado junto pra ficar escutando só o “Doolittle”. O disco era tão bom que até a “Here Comes Your Man” soava agradável de novo. O engraçado é que nunca consegui gostar tanto nem do “Surfer Rosa” como gostei do “Doolittle”. Das músicas, eu sou apaixonado pela “Dead”, “Monkey Gone To Heaven” e, especialmente, pela “La La Love You”, que é uma mistura de um monte de coisas sensacionais e com uma guitarra que me dá tesão toda vez que escuto. Por falar em guitarras, o som das distorções desse disco é o que tive como ideal de timbre por muitos anos.

Ouça “La La Love You”:

Vídeo Hits – “Registro Sonoro Oficial” (2001)
Eu confesso: acho o Diego Medina um gênio. E nem sei explicar muito bem o motivo. Só sei que esse disco da Video Hits marcou muito minha saída da adolescência. Enquanto o pessoal escutava as outras bandas gaúchas da mesma safra, eu ficava fissurado no Vídeo Hits e incomodando todo mundo pra escutar também. Na verdade acho que não funcionou muito, não. O pessoal não compartilhava do meu gosto pelas músicas levadinhas e quase ingênuas. Tem uma música que é a minha favorita, a “Menino Feio” (só não é autobiográfica pra mim por eu nunca ter sido um “saco de osso”) que, além de uma raiva engraçada, tinha uma composição bem bacana. Toda vez que escuto o “Registro Sonoro Oficial” encontro algum detalhe bacana que ainda não tinha percebido. Gosto, principalmente, das levadas setentistas da batera e da mistura concisa das guitarras e do órgão. É um álbum bem feito, eu acho, e ainda tem petardos musicais interessantes como a regravação da “Sílvia 20 Horas Domingo”, que ficou bem simpática.

Ouça “Menino Feio”:

Yuck – “Yuck” (2011)
Deixei pra falar do Yuck aqui no fim por um motive bem simples: é o último disco que lembro de realmente ter feito diferença pra minha vida musical. E foi uma grande diferença. Foi por conta do Yuck que decidi que colocaria a The Sorry Shop na internet e que daria uma cara pro projeto que estava trancado no meu computador já fazia uns meses. Eu tenho muita dificuldade pra finalizar as coisas que começo. Muito é por vergonha de expor; outro tanto é por cansar fácil do que estou fazendo. Com a The Sorry Shop foi só a vergonha mesmo. Isso até escutar a Yuck. Me empolguei tanto com o som deles, como não tinha me empolgado com quase nada nos últimos tempos, e resolvi colocar o bloco na rua. Que isso não soe como qualquer comparação! Seria até heresia. O que quero dizer é que, pra mim, o Yuck é daquelas bandas que fazem com que quem escuta fique com vontade de tocar. E o disco tem tudo, desde o início bagunçado com “Get Away” e “The Wall”, uma das baladas mais incríveis que já escutei na vida, “Suicide Policeman”, e um final dramático com a “Rubber”. Além disso, timbres ótimos e orgânicos numa era digital e um batera daqueles completos, que desce o braço e faz tudo com a quantidade certa de feeling e técnica. Uma baita banda e um puta disco.

Ouça “Rubber”:

Na edição anterior de Os Discos da Vida, “Os Discos da Vida: This Lonely Crowd”.

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