OS DISCOS DA VIDA: THOMAS PAPPON

Já me disseram que Thomas Pappon é uma daquelas figuras que “dispensam apresentações”. Se alguém não o conhece, é porque alienou-se da música brasileira nos anos 1980. Mas é um currículo tão impressionante, que faço questão de não dispensar a apresentação.

Pappon “só” foi integrante do Fellini, Voluntários da Pátria, Smack, 3 Hombres, tocou com as Mercenárias (“Trashland”, de 1987) e Black Future (“Eu Sou O Rio”, 1988), disco que também produziu, assim como o clássicão “Time Will Burn” (1990), do Pin Ups, entre outros, tantos outros.

Além disso, fez parte da revista Bizz no seu auge, nos anos 80.

O subterrâneo brasileiro daquela década tem nele um arquivo de memória imprescindível pra entender a música pop por aqui.

Ele foi em frente. Há décadas mora na Inglaterra e segue com seu projeto The Gilbertos, que lançou em dezembro de 2014 seu mais recente disco, “Um Novo Ritmo Vai Nascer”, o quarto da carreira com essa alcunha (se eu fosse você, clicava aqui e ouvia o álbum na íntegra). Os outros três são “Eurosambas” (2000), “Deite-se Ao Meu Lado” (2004) e “À Noite Sonhamos” (2011).

Dessa vez, e principalmente ao vivo, The Gilbertos é Astronauta Pinguim (teclado), Ricardo Salvagni (baixo) e Lauro Lellis (bateria).

Por tudo isso, Thomas Pappon é um dos nomes que torço um dia resolva contar todas as histórias dessa época. Um livro de suas memórias seria delicioso.

Se por enquanto ele segue contando e cantando sua vida em música, fazendo mais história e ainda em alto nível, aqui nessa lista de seus “Discos Da Vida”, ele mostra como formatou sua cabeça musical. É um pouco da sua própria história.

Foram os discos que o inspiraram a ser um artista que dispensa apresentações.

The Beatles – “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band” (1967)
Os primeiros discos importantes pra mim foram os dos meus pais – que minha mãe comprava. Tinha de tudo, easy listening, pop brega europeu, música clássica, jazz e dois discos de rock, esse e o “Willy And The Poor Boys”, do Creedence – e ainda um cassete do primeiro dos Monkees. O dos Beatles, que mistura um pouco tudo isso, epitomiza essa fase na minha formação – ele abriu meu apetite e interesse por vários gêneros.

Ouça “She’s Leaving Home”:

Uriah Heep – “The Magicians Birthday” (1972)
Minha primeira grande paixão foi o Heep, esse era o disco deles que mais gostava. Só comecei a perder interesse quando conheci o King Crimson. O King Crimson “acabou” em 73 e o (baixista) John Wetton foi entrar justamente no Uriah Heep. Me lembro da enorme expectativa quando meu pai trouxe, da Europa, o primeiro disco do Heep com o Wetton, “Return To Fantasy”. Uma grande decepção. Na época, achei que o Heep tinha “entrado em decadência”, mas anos depois saquei que o grupo sempre foi bem fraquinho.

Ouça “Spider Woman”:

Taiguara – “Fotografias” (1973)
Comprei meu primeiro disco de MPB num supermercado perto de casa, pois tinha gostado da capa. Acho que passei um ano inteiro ouvindo esse disco. Taiguara e Uriah Heep (e Secos & Molhados). O Taiguara desse disco tinha muito a ver com as coisas importadas que tinha ouvido da coleção dos meus pais. Ao mesmo tempo, era um universo novo, cantado em português. Foi o disco que me levaria à MPB e à admiração por Milton Nascimento e Egberto Gismonti. E me levaria ao próximo do Taiguara, o incrível “Imyra, Tayra, Ipy”.

Ouça “Fotografias”:

Frank Zappa / The Mothers – “Roxy & Elsewhere” (1974)
Tive uma longa fase de idolatria pelo Zappa, em particular pelos solos de guitarra dele. Eu punha o disco dele na vitrola, enfiava um taco de golfe na calça e fazia de conta que estava tocando. Esse foi o disco que mais “toquei” (parece coisa de punheteiro, eu sei). Foi a fase 71-76 do Zappa que me levou a curtir jazz rock, por anos.

Ouça “Dummy Up”:

Bill Nelson’s Red Noise – “Sound – On – Sound” (1979)
Esse disco marca a minha descoberta da new wave, como chamava tudo o que veio na rabeira do punk (mais tarde chamaria isso de pós-punk, “new wave” perdeu respeito). Nunca tive interesse por punk, mas em 81 um amigo voltou da Europa e me emprestou oito discos: Ian Dury, Elvis Costello, dois do Snakefinger, três do XTC e esse, o único cara que eu conhecia. Bill Nelson foi líder, cantor e guitarrista do Be-Bop DeLuxe, banda glam-prog da qual gostava muito. Ele entrou de cabeça na onda new wave, com músicas curtas, rápidas, dançantes, cheias de ruídos eletrônicos esquisitos, um grande barato que fundiu minha cuca. Aos poucos fui curtindo o Ian Dury e o XTC (do Elvis Costello nunca consegui gostar), e logo estava trocando todos os meus discos de rock e jazz rock por qualquer coisa que fosse “new wave”.

Ouça “Revolt Into Style”:

Gang Of Four – “Entertainment!” (1979)
Dos tantos e tantos discos de new wave que eu curti, esse era o que mais me deixava eufórico. Essa era a melhor banda do mundo. Vi eles ao vivo na formação original em 2005. Que puta som. E que guitarrista; Andy Gill é o Van Gogh da guitarra – deve ser um dos caras mais influentes daquele período.

Ouça: “Ether”:

My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
O disco que inventa o rock abstrato, com melodias e ritmos apenas insinuados sobre uma tela de distorção. “Lose My Breath” e “No More Sorry”, canções lindíssimas que não parecem com nada no mundo – talvez com o lamento de uma mulher sofrendo de uma interminável crise de asma -, foram a trilha do meu namoro e casamento. Nenhuma banda escondeu tanto a bateria como o MBV. Vi eles ao vivo faz uns cinco anos, fiquei com um zumbido no ouvido por cinco dias, de tão alto que era o som.

Ouça “Lose My Breathe”:

P.M. Dawn – “Of The Heart, Of The Soul And Of The Cross: The Utopian Experience” (1991)
Comprei isso em cassete, em 91, pouco depois de mudar pra Europa. Ouvia do começo ao fim e repetia a dose, andando pelas ruas de Neu Isenburg (onde morava) e de Frankfurt (onde trabalhava) e até hoje tenho uma relação bem forte e pessoal com esse som. Minha mulher também adorava. E é rap! Nunca tinha gostado de rap. Um crítico alemão disse que esse disco era uma espécie de “cavalo de tróia” querendo infiltrar melodias de pop/rock branco dentro do rap. Mas o rock branco não veio da música negra, pô?

Ouça “Set Adrift On Memory Bliss”:

Pavement – “Crooked Rain, Crooked Rain” (1994)
Pra mim, os anos 90 teriam passado em brancas nuvens não fosse o Pavement. Ao conhecê-los, redescobri o tesão pelo rock. É assim que eu gosto: som pesado, trama entre guitarras, letras espertas, guitarras, solos inteligentes, guitarras e clima (eu mencionei as guitarras?). “Crooked Rain…” é meu favorito pelas quatro primeiras músicas: a melhor sequência de quatro primeiras músicas desde o primeiro álbum do Smack (“Ao Vivo No Mosh”, 1985).

Ouça “Elevate Me Later”:

Django Django – “Django Django” (2012)
Nos últimos vinte anos, poucas coisas foram realmente marcantes pra mim. Citaria dois discos de 2001, o “Stories From The City, Stories From The Sea” (2000), da P.J.Harvey, bom do começo ao fim, e o “The Night Is Advancing” (2001), do Appendix Out, que me introduziu ao folk escocês de Alasdair Roberts, uma de minhas maiores inspirações musicais atuais. Mas o que realmente me surpreendeu nesse tempo todo foi esse disco de estreia dos conterrâneos de Roberts, Django Django. Eu descrevo como uma mistureba de Kraftwerk, Beach Boys, Franz Ferdinand, Adam & The Ants e baião (!). A coisa mais fascinante que ouvi nesta década. Tô louco para ouvir o segundo álbum, que sai em junho.

Ouça “Default”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Romulo Alexis”.

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