OS DISCOS DA VIDA: TOP SURPRISE


Foto: Amanda Dias

Eu sempre achei que as bandas nacionais podiam ser internacionais. Podem. Não necessariamente “devem” ser, numa busca forçada, incansável e irracional, mas “podem”, têm todo o potencial criativo pra isso.

Casos, felizmente, há muitos: Lê Almeida, Loomer, Sobre A Máquina, Chinese Cookies Poets, Starfire Connective Sound, The Sorry Shop, CSS e enche de etecera aí. A Top Surprise lá no topo, encabeçando tudo isso.

Há uma lição que um dia poderá ser tirada, com a distância do tempo: pra ser uma banda “brasileira”, já não basta os integrantes terem nascido no Brasil, ou é preciso enfiar brasilidade na música, com sanfonas nordestinas, tamborins, mulatas, violas seresteiras e afins? Ok, a discussão vai longe e um dia prometo me aprofundar nela.

Porque hoje, ela serve como trampolim pra falar da Top Surprise, que sem fronteiras, sem passaporte, sem carteira de identidade, realmente pode ser encarada como uma banda dignamente internacional, inserida no tal mundo globalizado. Feche os olhos, ouça o EP “Everything Must Go” (de 2010) e diga se o que está ali, pairando os túneis auriculares, pode ser descrito como brasileiro, inglês, russo ou javanês. A identidade da Top Surprise está na sua música, não no seu território de florescimento.

Daniel, André, Bruna e Fred, caso realmente seja relevante na equação, saíram de Minas Gerais, Juiz de Fora. Mas isso pouco importa, portanto. O que vale é saber que vivendo nesse mundo globalizando puderam facilmente erguer sua educação musical e pessoal numa base de grandes artistas (inclusive nacionais), que acabaram por moldar sua música.

A Top Surprise se fez assim.

DANIEL MEDEIROS (baixo)

REM – “Lifes Rich Pageant” (1986)
Difícil escolher só um disco do R.E.M.. Um tinha de entrar, e “Lifes Rich Pageant” talvez seja o meu preferido apenas neste momento, entre a dezena que eu poderia eleger. Acho que é um álbum de passagem e que reúne o que há de melhor nas duas fases mais marcantes da banda, antes e depois do mainstream.

Ouça “Fall On Me”:

New Young And Crazy Horse – “Everybody Knows This Is Nowhere” (1969)
O primeiro trabalho do Neil Young com a Crazy Horse e (até por isso, talvez) o disco que definiu seu estilo único pro resto da carreira e influenciou todo mundo. Também é o primeiro álbum dele que eu ouvi inteiro, e é perfeito.

Ouça “Down By The River”:

PJ Harvey – “Dry” (1992)
Poderosíssima estréia da PJ Harvey. Cheio de grandes músicas, extremamente cruas e barulhentas, e, ao mesmo tempo, poéticas e cativantes. Um dos discos mais honestos que eu já ouvi.

Ouça “Dress”:

Hummingbirds – “Love Buzz” (1989)
Único disco dessa banda australiana brilhante. Jangle-pop com melodias e arranjos vocais sensacionais, sempre com a dobradinha boy-girl se revezando no lead e nos backing-vocals.

Ouça “Blush”:

Neutral Milk Hotel – “In The Aeroplane Over The Sea” (1998)
Uma obra superior, em todos os aspectos. “In The Aeroplane Over The Sea” é sublime, e Jeff Mangum é incomparável.

Ouça “In The Aeroplane Over The Sea”:

FRED MENDES (bateria)

Iron Maiden – “The Number Of The Beast” (1982)
Lembro que meu irmão mais velho ganhou uma fita cassete do Iron. Quando ouvi resolvi aprender a tocar bateria.

Ouça “The Number Of The Beast”:

Velocity Girl – “Copacetic” (1993)
Esse disco me tirou completamente do metal. Comecei a escutar Dinosaur Jr, My Bloody Valentine, Cat Power…

Ouça: “Crazy Town”:

Pixies – “Doolittle” (1989)
Principal referência para o meu modo de tocar.

Ouça “Debaser”:

Phoenix – “Wolfgang Amadeus Phoenix” (2009)
Banda que eu conheci recentemente. É um discão!

Ouça “1901”:

Pato Fu – “Tem Mas Acabou” (1996)
A melhor banda nacional. Um discão que infelizmente pouca gente conhece.

Ouça “Pinga”:

BRUNA PROVAZI (guitarra e vocal)

Bikini Kill – “The C.D. Version Of The First Two Records” (1994)
Sabe quando você escuta uma coisa que muda tudo? Pois é, o Bikini Kill me abriu as portas pro riot grrrl, e aí não teve mais volta. Foi a partir daí que comecei a me perceber enquanto feminista, através da tal da “experiência vivida”. Nesse sentido, não tem como não citar também o Bulimia, que é tipo a versão brasileira do riot grrrl: feminismo + “do it yourself”. O Bulimia me mostrou que havia meninas vivenciando situações semelhantes por aqui, e que aquilo podia ser transmitido através da música: simples, direto e no coração. Injusto escolher um só cd e uma só banda do riot grrrl, mas o Bikini Kill com certeza é o grande símbolo do movimento.

Ouça “White Boy”:

Sleater-Kinney – “All Hands On The Bad One” (2000)
O Sleater-Kinney foi uma das primeiras referências que eu tive de mulheres tocando. E foi incrível escutá-las pela primeira vez, porque era diferente de tudo o que eu ouvia na época. Sensacional. Agradeço à mina que teve a paciência de me mandar tudo por conexão discada, lá nos idos de 2000.

Ouça “You’re No Rock’n’Roll Fun”:

Hole – “Live Through This” (1976)
Aos 15 anos, montei minha primeira banda, a Big Hole. Cinco meninas aprendendo a tocar com instrumentos emprestados. Acho que isso já diz tudo, né?

Ouça “Miss World”:

Warpaint – “The Fool” (2010)
O Warpaint foi a última banda que eu ouvi e fiquei mesmo impressionada, porque estava numa fase meio desacreditada da música, tipo “não tem nada realmente bom sendo feito agora”. O que mais me chama a atenção é o entrosamento entre elas. Sabe quando você convive tanto tempo com uma pessoa que começa a completar suas frases? Eu sinto isso quando vejo os vídeos dos shows.

Ouça “Undertow”:

Team Dresch – “Personal Best” (1994)
O Team Dresch foi outra banda definitiva. Também parte do riot, porém mais ligada ao movimento queercore. Amo as linhas de vocal, as guitarras, um pouco mais limpas do que as das outras bandas punk, e as letras – incríveis!

Ouça: “Hate the Christian Right!”:

ANDRÉ MEDEIROS (guitarra e vocal)

Guided By Voices – “Alien Lanes” (1995)
Comprei aos 16 anos, em uma banca de promoção no Carrefour, porque estava muito barato. Como não jogo na loteria, são baixas as probabilidades de tão cedo um investimento de R$ 4,00 voltar a mudar minha vida desse jeito. Aprendi coisas realmente importantes com “Alien Lanes”.

Ouça “Game Of Pricks”:

Psychedelic Horseshit – “Magic Flowers Droned” (2007)
Canções perfeitas, idéias inteligentes, sonoridade absurda. Um dia este álbum vai ser considerado um clássico, desses que definem uma época. Enquanto isso, todo mundo faz de conta que o Girls não é um correlato indie do Coldplay.

Ouça “Endless Fascination”:

Dinosaur Jr – “You’re Living All Over Me” (1987)
“You’re Living All Over Me” é de 1987, um dos meus anos preferidos (não, eu ainda não era nascido). É o momento mais catártico do Dinosaur Jr, banda que é um ponto de convergência de várias coisas fantásticas — noise pop, lo-fi (involuntário), SST, avant-garde a la Sonic Youth, americana (quase redneck), power trio punk como o Husker Du e o Nirvana etc. Não dá pra fugir, não dá pra se esconder; se você não gosta de Dinosaur Jr, desconfio de você.

Ouça “Raisans”:

Neutral Milk Hotel – “In The Aeroplane Over The Sea” (1998)
É um desses discos-parâmetro, sabe? Me ajudou a sobreviver ao ensino médio. Tudo no Neutral Milk Hotel (e na Elephant 6 em geral) é irresistível.

Ouça “Oh Comely”:

Lê Almeida – “Mono Maçã” (2011)
Tantos clichês têm sido repetidos indiscriminadamente quando se fala do Lê no Brasil. “Mono Maçã” desmonta várias ideias preguiçosas e diz muito sobre o autor dessas canções. É o melhor trabalho do Lê — um álbum corajoso, que exige atenção do ouvinte. Abertura digna pra década de 10, da mudança dos ventos.

Ouça “Jardim Da Tarde”:

Na próxima edição de “Os Discos da Vida”, Cretina.

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Single Parents”.

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