Carlos Otávio Vianna, vulgo Depressa Moço!, soltou neste dia 3 de junho de 2020 duas canções como forma de se expressar durante a quarentena, em decorrência da pandemia do novo coronavírus. “Árvores E Nuvens” e “Acordo Tarde” são retratos do artista tão sufocado pela insana realidade quanto todos nós, mas que usa a arte pra desafogar.
“A pandemia de 2020 já deixou marcas em todas as pessoas”, escreve ele na apresentação no Bandcamp. “Compor algo sobre os efeitos dessa loucura acaba sendo inevitável. Resolvi regravar ‘Árvores E Nuvens’ que foi a primeira música que fiz sob a alcunha de Depressa Moço!. Essa música fala sobre o desejo do reencontro com alguém querido. A segunda tem como tema a procastinação”.
Ao Floga-se, Vianna disse que quando compôs a primeira, “sentia vontade de reencontrar velhos amigos e poder conversar olho no olho, ter o prazer de ouvir a voz diretamente. Por isso, ela poderia falar sobre coisas simples que estaria feliz. Minha ‘Sinal Fechado’ (referência a Paulinho Da Viola). Acho que representa um pouco o que passo agora com essa pandemia. Até com os familiares”.
“E também dediquei essa música a um amigo, Andre Buda, que é radialista na web e foi a primeira pessoa que ouviu meu trabalho e tocou no seu programa. Ele perdeu o pai pra Covid-19”, revelou.
Enquanto a doença nos cerca, fazendo a gente perder pessoas queridas, às vezes, bastante próximas, cada um se vira como pode. Não é fácil. Tem um exército de pessoas que precisam sair às ruas pra trabalhar. São profissionais de saúde, segurança, transporte público, serviços veterinários, de limpeza e manutenção, trabalhadores de fábricas, porteiros, entregadores, logística, jornalistas, caixas, atendentes e repositores de supermercados, padarias, açougues e farmácias. Há os muito pobres, desassistidos pelo governo, que precisam sair à rua pra tentar levantar uma grana pro almoço, nesse país que é dos mais desiguais do mundo.
Toda essa gente sem escolha poderia estar mais segura se quem não precisa sair às ruas não saísse. Vianna não sai de casa. É difícil, mas é um esforço válido. E desafoga as emoções compondo.
“A segunda (‘Acordo Tarde’) é sobre mim mesmo e acho que muitas pessoas. Tenho depressão, tomo medicação. Sou do grupo de risco, hipertenso e diabético; então, estou em casa dese dia 15 de março. A rotina nessa loucura me deixou um pouco perdido. Minha esposa operou o joelho; meu filho, ‘estudando’ em casa; eu fazendo home office e cozinhando… a vontade de fazer as coisas some”, disse.
“Só notícia ruim vinda do desgoverno. Eu trabalho na área de saúde, sei do problema e a angústia de ver tudo indo para cucuia te dá um desespero. Eu acabo postergando as coisas e quero ficar inerte. Luto com isso todo o dia. Às vezes, dá vontade que tudo se exploda” – e é uma sensação que recai sobre a maioria das pessoas.
“Fiquei quase dois anos sem gravar nada, ou melhor achar que poderia fazer algo bom”, revelou. “Acabei fazendo três músicas que falavam de alguma forma das coisas que me levaram para depressão. Amigos que te sacanearam e te descartaram. Do meu problema com o coração, fui parar no hospital e botei um stent, da morte do meu pai, de me sentir só mesmo com a família, da perda do desejo… A gravação não foi das mais primorosa mas precisava externar e isso foi o pontapé pra vontade de fazer algo novo surgisse”.
Como estamos vivendo uma situação inédita na humanidade, quase ninguém sabe muito bem como se portar. A mente não tem programação prévia pra retomar e indicar como agir. É tudo novo.
“Fazendo música eu libero alguns demônios”, Vianna disse.
Se tem algo que não se pode guardar em tempos únicos são demônios. Temos muito mais com que nos preocupar. Nos manter vivo e proteger quem amamos é “só” a função mais importante.
Cuide-se e cuide dos seus. Se puder fazer isso ouvindo música, talvez as crise passe menos amarga.