OUÇA NA ÍNTEGRA TODOS OS DISCOS DO FELLINI

Há quem diga que foi o Mutantes. Há quem defenda que tenha sido o Los Hermanos. Há quem aposte na Legião Urbana. Outros dizem que foi a Nação Zumbi com Chico Science. E há ainda os que afirmam que foi o Raimundos. Não há base científica pra chegar a tais afirmações, nem há como imaginar um consenso. Eu mesmo não posso concordar com nenhuma das afirmações e acho que o grupo mais importante do Brasil foi o Fellini.

Foi nosso Velvet Underground. Não no som, obviamente, mas nas características… errr… não-comerciais. Como o grupo de Lou Reed e John Cale, o Fellini teve lá sue apreço crítico quando ainda estava em atividade (muito por conta de um posicionamento estilístico da revista Bizz à época e da relação íntima que a redação tinha com a banda), mas com o passar do tempo foi ganhando sua estampa de “cult”.

Mas a comparação que forço aqui, segundo o próprio Thomas Pappon disse em entrevista, não é tão direta: “sob um certo aspecto, dá pra dizer. Guardadas obviamente as devidas proporções. Mas num sentido de falar sobre uma banda que fez um negócio que estava anos à frente do que viria acontecer mais tarde, iria apontar caminhos superimportantes a serem descobertos mais tarde, com certeza”.

Essa antecipação estava no lo-fi e também na postura poética, artística, ressaltada pelas letras. O Fellini cantava em português, a despeito da brutal proximidade com a sonoridade inglesa do momento pós-punk. Nos anos 1980 não era incomum as bandas cantarem em português, é certo, mas o Fellini cantava também em alemão e italiano e francês e misturava tudo num caldo tosco de influências brasileiras e gringas. O resultado ainda é único, mesmo trinta anos depois.

Embora o Fellini tenha tido sua dose de mídia, com a Bizz dando boa abertura e com suas músicas figurando na rádios mais alternativas que ainda existiam naquela época (como a Fluminense FM, no Rio, que tocava “Tudo Sobre Você”, “Nada” e “Burros & Oceanos”; e a 89FM, em São Paulo, tocando “Teu Inglês”), nunca foi uma banda de sucesso, nunca levantou uma grana, jamais viveu de música. Mesmo assim, com essa exposição, não se valeu do messianismo de Renato Russo, dos africanismos/brasileirismos do Paralamas, do pop do Titãs, ou da agressividade porra-louca do Raimundos. O grupo ficou na dele.

Ao mesmo tempo, se valeu de uma crueza lo-fi e de batidas da bossa nova e do samba pra se tornar ainda mais “estranho”. E ser estranho é algo bem atraente lá fora. Há quem exagere e diga que anteciparam em “Fellini Só Vive 2 Vezes” o que o Paralamas faria em “Selvagem?”. Não é pra tanto, é claro, mas existe no segundo disco dos paulistanos um bom equilíbrio de apreços estrangeiros e brasileiros.

Em outra entrevista, Jair Marcos e Pappon dizem: “fazíamos o que vinha às nossas mentes e corações. Nossa sintonia era mais com a cena lá de fora, antes com a new wave, com o pós-punk… Mas nosso gosto pela excelente música nacional nos levou a essa outra forma de se fazer música, tudo de uma forma bem natural. Não saberíamos como entrar em ‘sintonia com o mainstream‘, nem se quiséssemos. E a praia dos Paralamas era totalmente diferente. Esses caras todos eram músicos, performers, bons de palco, viviam disso… O que considero uma diferença importante. Ninguém tinha o ímpeto experimental e a atitude ‘foda-se’ do Fellini – exceto, talvez, algumas bandas do underground paulista”.

Bandas como Mercenários, Smack, Voluntários da Pátria, Akira S, Chance e até mesmo Ira! de começo de carreira… Dessas todas, o Fellini é o que conseguiu a aura de maior prestígio crescente nos dias de hoje.

O grupo foi formado em 1984, mais precisamente em 18 de maio, dia exato da morte de Ian Curtis (que se enforcou em 1980). A primeira formação tinha Cadão Volpato (voz), Thomas Pappon (baixo), Jair Marcos (guitarra e violão) e Ricardo Salvagni (bateria). “O Adeus De Fellini”, de 1985, tinha essa formação.

Mas o segundo, “Fellini Só Vive Duas Vezes”, de 1986, resumiu-se apenas a Cadão e Thomas. “3 Lugares Diferentes”, de 1987, tinha a volta de Ricardo (pros teclados). “Amor Louco”, de 1990, tinha a banda completa novamente. E o derradeiro “Amanhã É Tarde”, de 2002, era mais uma vez só Volpato e Pappon.

Esses cinco discos, mais dois de raridades, ensaios, gravações ao vivo, “Posta Restante”, de 2007, e “Você Nem Imagina”, de 2010, estão todos disponíveis pra você ouvir de graça ou baixar no esquema pague-quanto-quiser no Bandcamp (alguns não são nesse esquema), com informações completas das fichas técnicas. Foi uma iniciativa da própria banda.

Pra facilitar um pouco, todos os álbuns estão aqui, abaixo, pra você escutar na íntegra.

É importante esse registro, porque nenhum dos discos do Fellini está em catálogo – e os quatro primeiros são importantes obras da música alternativa nacional, trabalhos imperdíveis de uma banda que só faz aumentar sua estampa de “cultuada”. Motivos não faltam.

“O Adeus De Fellini”:

“Fellini Só Vive Duas Vezes”:

“3 Lugares Diferentes”:

“Amor Louco”:

“Amanhã É Tarde”:

“Posta Restante” (raridades e gravações ao vivo):

“Você Nem Imagina” (ao vivo):

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