PENSE OU DANCE: A INDÚSTRIA DA MÚSICA CONTRA A INDÚSTRIA DA MÚSICA

Novembro de 2015 foi chacoalhado com a chegada do terceiro disco da Adele, “25”. Após o retumbante sucesso de “21”, seu disco de 2011, a expectativa, não só de fãs, era enorme. A indústria do entretenimento, por sua vez, não podia deixar passar o momento sem um grande estardalhaço. Era preciso tática, estratégia, aproveitar a ocasião.

Após o surgimento da pirataria em larga escala, com a pujança da banda larga, as grandes gravadoras se viram diante de seu maior desafio, com as vendas despencando e nenhuma luz no fim do túnel. Os serviços de streaming, a grande esperança de recuperação de ganhos frente a pirataria – depois da rápida ascensão e declínio das lojas virtuais, iTunes à frente -, acabaram sendo cooptados pelas gravadoras, viraram parceiros delas.

Em outra frente, o forte lobby com governos de mercados estabelecidos, como Europa, Japão, Austrália e Estados Unidos, deu às gravadoras uma boa vitória contra a pirataria, culpabilizando quem baixa arquivos ilegais e caçando quem pirateia. Não é o caso do Brasil, onde a permissividade segue dando as cartas, embora os serviços de streaming tenham, de alguma maneira, conseguido fincar raízes (talvez graças aos programas freemium).

Não, esse não é um artigo sobre o disco em si. Não me importa se ele é bom ou ruim (sobre isso, aconselho a ler a visão do Na Mira Do Groove), mas qual a sua consequência em ter um tratamento tão diferenciado.

Taylor Swift, em junho de 2015, bateu de frente com a Apple, recusando-se a colocar no novo serviço de streaming da empresa, a Apple Music, seu ultramegavendido álbum “1989”, de 2014. O motivo alegado em carta aberta era que a Apple não pagaria aos artistas por qualquer execução de música durante os três meses iniciais do serviço, os meses de teste e que eram gratuitos aos usuários. Num texto em seu blogue, ela escreveu: “considero isto chocante, decepcionante e completamente diferente da trajetória progressista e generosa da empresa”. A Apple voltou atrás e disse que pagaria aos artistas durante o período gratuito de testes. Swift agradeceu a mudança de opinião, mas não recuou pé: “1989” não foi pra Apple Music – nem pra qualquer outro serviço de streaming.

Quem quisesse “1989” ou comprasse uma cópia física ou pirateasse (algo cada vez mais difícil pro usuário comum nos grandes mercados). O disco acabou vendendo nove milhões de cópias mundo afora.

Daí que a revista The New Yorker apareceu com um artigo, sobre como a própria indústria bate de frente com ela mesma, especificamente no caso de “25”, de Adele. Foi escrito pelo mesmo John Seabrook do livro “The Song Machine”, que fala de Max Martin, “a fábrica sueca de sucessos” e produtor de “1989”.

Os dois discos têm muito em comum no sentido comercial. Swift obviamente não pensava só na classe de artistas quando peitou a Apple e os outros serviços de streaming. Ela queria divulgar e vender seu disco – a polêmica ajudou um bocado – e queria que a maior parte do bolo viesse da venda física, onde a divisão de royalties é melhor pro artista. Ninguém é bobo ou bate a cabeça na parede.

No artigo de Seabrook, ele questiona, então, quem está pagando por esses discos (no caso, o de Adele)?

“A decisão de retirar ’25’ dos serviços de streaming parece ter funcionado bem até aqui. Não só Adele quebrou o recorde de vendas na primeira semana de um disco, que parecia inquebrável, 2,4 milhões, estabelecido pelo ‘N Sync, em 2000, como ela o fez num tempo em que a pirataria é uma alternativa à compra, o que não era o caso de quinze anos atrás”, escreve.

“É uma boa nova pra Adele e sua gravadora, a Columbia (o disco é originalmente da XL Recordings). Também é bom pros autores e produtores das músicas, que vão ganhar mais em royalties dos álbuns físicos do que ganhariam pelo streaming. Pra indústria como um todo, ’25’ é muito bem-vindo, nos leva de volta às glórias do final dos anos 1990, quando a indústria criou o Diamond Award pra álbuns que vendem pra lá de dez milhões de cópias. Se ’25’ vai chegar a essa marca, é esperar pra ver, mas parece que alcançar essa altura dependerá em boa parte de quanto tempo o disco ficará fora dos serviços de streaming“.

Embora o autor do artigo afirme que o futuro da indústria está no streaming e não nas vendas físicas – e eu discorde amplamente dessa afirmação, baseado na ideia de que o futuro não está nem em um, nem em outro, mas em algo que ainda está por vir e que deve estar sendo desenvolvido nesse momento, em alguma garagem, por algum guri ou guria desconhecidos – é de se dar razão a ele quando fala que se manter fora dos serviços é condicionante pra melhores vendas – mesmo que a indústria seja basicamente a dona dos serviços de streaming.

No caso de Taylor Swift, a grosso modo, deu certo. No caso de Adele, deve dar também. “21” demorou quase um ano pra chegar ao Spotify. Não é, pois, uma estratégia inédita. A diferença é que ninguém tinha tais expectativas com aquele álbum. Já “25” herda toda essa expectativa pelo o que foi conquistado em vendas (e recordes – foram 30 milhões de cópias vendidas) com “21”.

“25” vendeu na primeira semana nos Esteites 2,43 milhões de cópias, vinte mil a mais do que o recorde do ‘N Sync. No Reino Unido, mais recorde: o disco vendeu na primeira semana 740 mil cópias, quarenta mil a mais do que o recorde anterior, do Oasis, com “Be Here Now”, de 1997.

Por isso, a questão de Seabrook segue martelando na cabeça: quem afinal está comprando esse disco?

Estaria a indústria usando a velha prática de divulgar números irreais, inflados, como forma de propaganda, pensando nos lucros imediatos ao invés de crescimento a longo prazo? As pessoas realmente costumam cair nessa: se o álbum é um estrondoso sucesso, compra-se pra ver qualé, não importa o que a crítica ou o amigo digam. Mas é uma estratégia arriscada. Ainda mais com parceiros como os serviços de streaming.

Seabrook lembra também que a indústria nunca foi lá muito boa com seus parceiros de tecnologia. Se uniu ao Napster em 2001 e matou o Napster. “Irá a indústria terminar matando também o streaming, ou ao menos o modelo freemium no qual o Spotify se baseia, negando-lhe seus melhores artistas? Quanto disso o Spotify pode suportar (há rumores de que a companhia tem enfrentado dificuldades pra levantar grana na última rodada de financiamento)? Se Adele e Taylor Swift derrubarem o Spotify, elas vão levar a indústria junto (adendo meu: é uma afirmação forte e arriscada – até porque, ao contrário do que se achava dez anos atrás, quando as vendas de discos físicos se mostraram no início da queda livre que conhecemos, a indústria da música jamais vai de fato morrer; pode definhar, enfrentar desafios, mas é provável que vá sempre se reinventar, com atrasos ou não, vampirizando parceiros e novas tecnologias, tanto faz, o caso é que ela deve sobreviver). O fato de que Adele foi capaz de quebrar o recorde do ‘N Sync tem muito a ver com o fato de que o streaming ajudou a fazer dela uma artista imensamente popular, em primeiro lugar”.

E eis a grande questão com relação ao tratamento da indústria com “25” (e com “21” e “1989”): “se você é um assinante da Apple ou do Spotify (Seabrook é dos dois), você se depara com um dilema sobre o disco. Antigamente, você só sairia e compraria o álbum. Mas o streaming complicou a situação. Você não quer comprar o disco porque isso seria ceder à forçação de barra de nos fazer comprar a mesma obra duas vezes – pagar dez dólares pelo disco em cima dos dez dólares mensais já gastos na assinatura (se você tiver o plano familiar da Apple, são quinze dólares), por um álbum que irá aparecer cedo ou tarde num dos serviços de streaming que você já paga. Mas quanto tempo você terá que esperar? Podem ser algumas semanas, pode ser um ano, ou pode ser que aconteça só quando Adele conseguir seu Diamond Award. Quando tempo você pode esperar? Pelo menos com os DVDs, você tem mais ou menos uma ideia de quanto tempo levará até o filme chegar ali. Mas Adele e Taylor estão fazendo elas mesmas as regras vendas-streaming“.

Vale lembrar que a indústria musical vive fazendo essa jogada. Quando do lançamento do CD, a indústria vendeu pra todo mundo as maravilhas da nova tecnologia, praticamente fazendo as pessoas comprarem novamente em CD os discos que já tinham em vinil. E muita gente comprou novamente nas lojas online só pra ter o MP3 (caso não soubesse ripar os próprios discos e muita gente não sabe ainda hoje).

É a mesma tática dos discos “versão de luxo”, com capas diferentes, faixas extras etc., mimos que se não atraem a grande massa, rende um bom trocado às gravadoras e é vender o mesmo produto pela milionésima vez.

Com o streaming, está acontecendo a mesma coisa. Mas o que se vende agora não é só “tecnologia”, é facilidade: ouvir suas músicas preferidas em qualquer lugar a partir do celular (principalmente), dentre dezenas de milhões de músicas disponíveis, desde artistas subterrâneos até grandes astros (a boa e velha “falácias dos milhões”). Porém são os grandes astros que funcionam como isca.

A diferença de agora é que basicamente a indústria está concorrendo com ela mesma e não apenas com a pirataria. A indústria está ganhando seus caraminguás e é só isso que importa pra ela. Está pensando no imediato e não a longo prazo.

Então, Seabrook encerra seu texto questionando “por que não disponibilizar ’25’ pros assinantes premium dos serviços? Seria um grande incentivo pras pessoas desembolsarem uma grana. Nesse cenário, talvez Adele não consiga o recorde pela venda de discos, mas ela aumentaria significativamente as assinaturas de streaming, que poderia beneficiar muitos outros artistas. Dos jeito que as coisas estão agora, só Adele ganha”.

No capitalismo e especialmente no mundo dos negócios e das grande corporações, o que manda e sempre mandará é o velho “cada um por si”. Com 25 anos, Adele já sabe muito bem disso.

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