PENSE OU DANCE: A LUTA DIÁRIA

Não existe vida sem sofrimento. A questão é o que você faz pra enfrentar os problemas e o que te machuca. Nas topadas e porradas e surras da nossa existência, só temos uma certeza: tentam nos derrubar, a gente cai, mas sempre se levanta de novo, nem que seja pra apanhar e sofrer de novo.

Você vai acordar é dizer: “hoje é o dia em que eu me levanto e me fortaleço pra aguentar outras porradas”. As pessoas olham pra você como se fosse um gigante impenetrável à dor. E você sorri e gasta um tanto de energia pra parecer que tá tudo bem. As pessoas acham que você tem sorte de ser quem é, de ter o que tem, de existir como existe. Se alguém olhasse por dentro, porém, veria que você está agarrado a um saudosismo de tempos que não voltam mais, por nenhuma reza, por nenhum esforço, por nenhuma grana empregada.

Um suicídio acontece no Brasil a cada quarenta e seis minutos. Quarenta e seis minutos! O dado é de 2016 (veja aqui), mas entende-se que em momentos de crise econômica, o número aumenta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) oferece números mais alarmantes: a cada 40 segundos, alguém comete suicídio no mundo.

De acordo com um artigo da BBC, de 2019, “majoritariamente fruto de instabilidade emocional e psíquica, pra que contribuem diversos fatores, o suicídio é considerado um dos mais graves problemas de saúde pública, tanto em países em desenvolvimento como nos desenvolvidos. O quanto, porém, crises econômicas influenciam esse cenário? A pressão do cotidiano expõe pessoas de diferentes faixas etárias a situações-limite e testam a resiliência de todos em lidar com uma situação adversa. Crises conjugais, doenças e dores crônicas, problemas de relacionamento, o medo da violência, a perda de um emprego ou a de um ente querido: cada um responde de uma forma às adversidades. Quando algum evento externo mobiliza uma população inteira, o quadro se torna mais sombrio”.

O quadro atual brasileiro não é dos melhores. A crise política, social e econômica que nasceu na virada de 2013 pra 2014 segue firme e forte, arrastando milhões de pessoas pra trabalhos informais que elas não gostariam de estar fazendo e estão fazendo só pra sobreviver. Termos como “qualidade de vida” e “felicidade” dão lugar à “sobrevivência” e “desamparo”. A fome cresceu, a pobreza aumentou, e não há nenhum indício de que o quadro vai melhorar, seja porque o presidente não se importa e é um louco varrido mais preocupado em garantir a mamata dos seus filhos, seja porque o congresso tá mais preocupado em atender os nichos mais endinheirados da sociedade, do agronegócio ao mercado financeiro.

A luta diária contra o sofrimento, a angústia, a dor, a falta de expectativa de melhora, faz com que outro número alarmante apareça: “os brasileiros compraram, em 2018, mais de 56,6 milhões de caixas de medicamentos pra ansiedade e pra dormir — cerca de 6.471 caixas vendidas por hora ou, aproximadamente, 1,4 bilhão de comprimidos em um ano”, segundo essa matéria do R7, que conseguiu com exclusividade dados do SNGPC (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados), junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Há muitos outros remédios pra conter ansiedade: exercícios físicos, terapia, terapia ocupacional, cinema, séries, livros… música.

A música fala de suicídio como fala de drogas e amores (correspondidos, platônicos ou desprezados) – lembra dessa singela listinha? Pois ela é desde sempre um dos textos mais acessados aqui no site. Há suicidas famosos, como Ian Curtis e Kurt Cobain; suicídios transmitidos ao vivo, um fenômeno obscuro das novas gerações (como o caso de Yonlu, que depois elevou sua música ao status de cult); uma “trilha-sonora” de suicidas húngaros (a bizarríssima história de “Gloomy Sunday”); a moça que evitou um suicídio usando uma música do Linkin Park (leia a história aqui); e muitos outros casos.

O lance é que no íntimo, sem estudo apropriado e mesmo assim sem medo de errar, é possível dizer que a maioria das pessoas já teve ou têm algum ímpeto suicida, o que é um quadro bem terrível e dramático de se imaginar. Ainda bem, a maioria não leva ao cabo suas intenções, consegue repensar, refletir e perceber que vale a pena criar mais casca pra sofrer menos da próxima vez.

Todo mundo já ouviu falar de alguém que tentou ou conseguiu seu intento. Por isso, é importante ter e divulgar o 188, telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV). As ligações são gratuitas pra todo o Brasil. A depressão não é uma frescura qualquer de gente fraca que não consegue encarar de frente seus problemas.

A cola que une a vida despedaçada das pessoas está nos amigos, na família, no trabalho, no esporte, nas artes, no lazer, na cultura, na diversão. Está no apoio que cada um pode dar. E essa cola vem com um pedido de socorro. Um pedido de socorro não é pra ser desprezado, é pra ser ouvido e atendido.

Os tempos são soturnos. Se a política não ajuda, se falta compreensão e compaixão de quem nos governa, se é o ódio que tenta dar as cartas, se é a cobiça e a ganância quem nos gerencia, tentemos ser revolucionários e procuremos ser resistência: é o amor e a união que vai nos socorrer e nos manter vivos, literalmente. Isso não é um clichê vazio, é uma verdade boa pra gente se agarrar nesses momentos difíceis.

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