PENSE OU DANCE: A MINHA VIRADA CULTURAL 2013

Júlio Barroso escreveu no começo dos anos 1980 que “não há nada de novo, o que há é uma maneira nova de fazer”. No nosso presente de MP3 e músicas compartilhadas gratuitamente, cultura diluída e à mão de todos, essa é uma realidade predita, o que leva a crer que ou Barroso era um Nostradamus cultural, ou cada atualidade tem seus parâmetros de oferta ampla de consumo de cultura e que a década de 80 estava bem a frente das décadas anteriores.

Eram os anos do punk, veja bem. O “do it yourself” dava o poder das pessoas fazerem e criarem arte sem um mecenas, sem uma grande gravadora por trás, enquanto hoje as pessoas podem consumir arte sem precisar que alguém diga como, onde e por quanto. Nesse cenário, a Virada Cultural, criada em 2005 pela Prefeitura de São Paulo, amplia a oferta pra além dos computadores, do mundo virtual. A cultura pra consumo de todos está à disposição de todos. É um jeito novo de fazer a aproximação com o público. A máxima de Barroso vale aqui.

Lá se vão oito anos desde sua criação e a Virada Cultural ofereceu este ano novecentas apresentações gratuitas espalhadas pelo centro da cidade, uma forma digna de valorização do mais especial espaço da metrópole, e por unidades do SESC. Vale repetir: tudo de graça. E melhor: com metrô funcionando sem parar (e, em teoria, ônibus também).

Ainda há muito o que evoluir. Na avaliação oficial, “São Paulo registrou duas mortes (uma pessoa foi baleada e outra por suspeita de overdose), 28 pessoas detidas – 17 em flagrante, sendo nove adolescentes -, 12 casos oficiais de roubo e seis esfaqueamentos”, além de reclamações gerais de que a polícia nada fazia diante dos roubos e atos violentos à sua frente.

Segundo o Estadão o que marcou o evento foram “arrastões, roubos, brigas, uso de drogas, fechamento de estações de metrô e o mais grave: dois mortos (um a tiros e outro por overdose), cinco baleados e pelo menos dois esfaqueados. São Paulo registrou no fim de semana a Virada Cultural mais violenta desde sua primeira edição, em 2005. Os crimes se concentraram entre 2h e 5h de ontem e causaram cenas de terror, como a do jovem esfaqueado na região do Viaduto do Chá. Ao todo, 28 adultos foram presos, 9 adolescentes acabaram apreendidos e 1.800 pessoas tiveram de ser atendidas por excesso de álcool”. Até o senador Eduardo Suplicy, do PT, teve sua carteira e celular roubados. Mas ser senador tem suas vantagens. Ele subiu ao palco onde Daniela Mercury se apresentava e pediu que devolvessem ao menos os documentos. Milagrosamente, isso aconteceu.

Mas só há oitenta e um senadores na República, e o público estimado do evento todo foi de quatro milhões de plebeus. Esses não puderam subir ao palco pra implorar a clemência dos bandidos ou pedir a ajuda da polícia, porque a polícia alegava não poder sair de seus postos – acredite.

Há de se entender que, a despeito do que se pede por aí (no que se lê nos nazistas comentários dos grandes portais), a polícia não precisaria descer o porrete nesses bandidos que atuam em bando, nos arrastões, ou ser efetivamente violenta em qualquer situação que lide com grandes massas. Ela precisa agir como polícia e isso quer dizer ser preventiva, educativa e enérgica dentro da lei, mesmo que “enérgica” seja um termo um tanto amplo.

Foi só o que deu errado na Virada 2013. Mas é muito – e fácil de se arrumar, embora leve tempo, já que a polícia brasileira ainda se ressente da herança truculenta dos tempos da ditadura. É preciso mais inteligência do que músculos e balas.

Do lado da população, a herança que incomoda os críticos é a da má educação latente de séculos de não-educação e omissão do Estado. O resultado se vê em gente utilizando as ruas como mictório, sujando ruas e metrô, desrespeitando com violências física e patrimonial um evento que tem como princípio a inclusão social, a diminuição das diferenças e a democratização da cultura e da informação. Ricos e pobres sem disputa de espaço. É o Brasil brincando de ser primeiro mundo e encarando de frente alguns de seus problemas.

Não dá pra ser contra a Virada Cultural. Não importa se foi o político do partido “x” que criou ou o político do partido “y” que está tocando o evento, essa polarização raza deveria ser esquecida, embora o aparelhamento de tal evento seja sempre uma ameaça real. Cultura deveria ser uma bandeira apartidária.

Na minha Virada Cultural, me senti no primeiro mundo. Ela foi curta e localizada, não experimentou os problemas relatados em tantas matérias da grande imprensa. Fui pra três shows apenas, todos no palco Casper Líbero, ao lado da Estação da Luz. Fui pra ver Elma, Chinese Cookie Poets e ruido/mm. Vi também Negro Leo, que muita gente de respeito já havia indicado. Todos os shows foram muito bons, com som decente.

Fui de metrô. Desci na Estação Luz da Linha Amarela, saída atrás do Palco Casper Líbero BR. Andei dez metros pra me posicionar e ver o show do carioca Leo. Sem tumulto, sem muvuca, com policiamento ostensivo. Imaginei que com tantos policiais seria impossível acontecer algo de errado. Não levei minha filmadora com medo. Na hora me arrependi. Só que o receio era justificado, depois vim a saber pelo noticiário, mas ali no Casper Líbero seria tranquilo até mesmo contar dinheiro em público. Era cedo ainda, os bêbados nem sequer estavam no auge da sua inconveniência. Alguns guris, por serem guris, se exaltavam e bebiam em excesso (em quantidade e velocidade) – um chegou a colocar tudo pra fora e nem eram onze horas da noite, queimou a largada, coisa de menino.


Elma, no palco Casper Líbero SP


Chinese Cookie Poets, no palco Casper Líbero BR


ruido/mm, no palco Casper Líbero BR

Havia banheiro pra todo lado, incluindo no metrô. Nada de filas (era cedo, repito). O cheiro de maconha era sentido por todo lado e a polícia na boa, sem repressão, deixava a fumaça subir, D2 se orgulharia, nos áureos tempos. Senti-me num primeiro mundo, redescobrindo uma área da cidade que à noite é tomada pelo sentimento de falta total de segurança e que é linda demais: a Estação da Luz, a Pinacoteca… As luzes do centro à noite mostram que essa região precisa urgentemente ser reocupada com felicidade. A Virada também se presta a esse benefício.

Os erros foram gritantes – quando morre alguém, o nível dos erros fica incalculável. Mas os acertos também são imensos. Não dá pra mudar de uma hora pra outra o jeito que o brasileiro marginalizado pelas políticas públicas e pelas oportunidades do “Brasil que cresce” se porta no meio da massa, num evento que é pra todos. As torcidas organizadas de futebol estão aí pra nos mostrar que há tempos é assim. A diferença é que na Virada o que se oferece é mais do a que diversão fugaz do futebol: há um ensinamento básico que não é tão óbvio pra todos, o de saber viver em sociedade, de respeitar o espaço dos outros, de entender a diversidade, e diminuir as diferenças sociais que a história macabra do Brasil deixou como marca.

Outras Viradas terão o mesmo problema ou outros problemas semelhantes. Umas serão melhores, outras serão piores. Não podemos desistir. Há de se ampliar o evento, isso sim. Ele tem que ser bom pra artistas, produção, imprensa, população, mas principalmente pra ajudar a mudar minimamente as diferenças que a história do país criou. Não há preço que seja alto demais (financeira, política ou socialmente) pra distribuir cultura e informação.

Os artistas já fazem de um jeito novo, nesse novo tempo. Quanto mais gente tiver acesso a esse “novo”, melhor.

Mais textos que você precisa ler sobre a Virada:
Na Mira do Groove conta como foi sua peregrinação no domingo.
Thiago Ney pergunta, oportunamente: “É ótimo que a Virada Cultural leve vida à região central de SP em um final de semana. Mas e nos outros 51 finais de semana?”. Leia tudo aqui.
“A Virada Cultural é importante. A vida é mais”, texto do Forastieri.

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Comentários

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4 comentários

  1. cara, no sábado fiquei nesse mesmo palco, fiquei até um pouco mais da meia noite e houve apenas um começo de tumulto que a policia conteu imediatamente com porretadas. Não durou nem 20 segundos, o que foi o bastante pra muita correria e pessoas assustadas como eu. De resto nesse palco foi tudo muito legal, em especial o show da elma que fiquei extasiado, um soco na minha cara e ao show do ruido/mm que eu já conhecia que só confirmou a viagem que é nos fones de ouvido.

    Concordo com tudo que foi dito, principamente na questão da educação das pessoas, pode haver um número irreal de policiais que numa situação daquela se alguém quisesse “prejudicar” alguém ele faria.

    Tinha um cara filmando o show da elma, se ver isso aqui, posta ai pra gente!

  2. Eu cheguei ás 19 hrs e sai às 20 hrs de domingo. Peguei show do Mickey Junkies na Casper às 3 da manhã e só senti a parte “boa” do texto. Em relação à limpeza, clima e policiamento foi uma das melhores para mim. Sempre um prazer uma overdose sensorial como essa. A outra parte só soube em casa. Triste. Por esse motivo o esvaziamento de público no domingo, como por exemplo o ótimo show da Rebeca da Matta com nem 100 pessoas assistiram, sendo às 10 hrs no palco São João…

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